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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

FOLK MUSIC E POLÍTICA – A EFERVESCENTE DÉCADA DE 1950



Impossível falar de folk music sem falar de Bob Dylan. Impossível falar de Dylan sem falar de seu maior idoso: Woody Guthrie.

Guthrie foi o maior compositor folk americano. Carregava consigo um lendário violão, em que se lia “esta máquina mata fascistas”. Passou a década de 1940 cantando de graça em sindicatos, dormindo em trens, na caçamba de caminhões. Em represália, apanhou muito da polícia, dos seguranças das fábricas, dos capangas dos ruralistas. Sua composição “This Land is Your Land” foi pedra fundamental na luta dos direitos civis – sua filmografia em português se chama Este Terra é Minha Terra. Satirizava os ricos, como em “Old Man Trump”, na qual fazia troças de Fred Trump, pai de Donald Trump e maior especulador de imóveis de NY.

Dylan se mudou de Minesota para NY com o objetivo de conhecer seu ídolo – e apresentar-lhe uma composição que fez em sua homenagem, “Song for Woody”.

Em NY, Dylan se dirigiu ao centro da boemia norte-americana, o bairro de Greenwich Village, que possuía a maior concentração de artistas, traficantes e prostitutas dos EUA.

Mas o renascimento do folk se iniciou pouco antes, ainda nos anos 1950, quando o folk servia como trilha sonora do Partido Comunista dos EUA, papel equivalente ao da literatura beatkink no meio literário, em meio à paranoia e ao punitivismo persecutório da Guerra Fria.

Desde o fim da II Guerra Mundial, o Village se revelava um centro intelectual, haja vista toda a legião de escritores beatnik ter se mudado para suas imediações.

A década de 1960 se inicia com a eleição de John Kennedy, e toda aquela tensão e conservadorismo típicos dos longos anos de governos dirigidos por militares se esvaía. O folk ganhava mais liberdade e se revitalizava. E isso tudo era quase palpável no ar se você estivesse no Village. Com a sensação de que havia agora maior liberdade para se manifestar, uma série de compositores folk oriundos da classe média reforçou a fileira dos que lutavam por mais direitos sociais. Alguns compositores inclusive eram mais celebrados pelo seu papel político do que pela qualidade musical de suas obras, como era o caso de Peter Seeger.

Foi justamente nesses dias que uma menina de 19 anos elevou sua voz e se tornou ídolo de uma época: Joan Baez.

Este momento da folk music lembra um pouco o início da bossa nova no Brasil. Em pequenos apartamentos e alojamentos estudantis da Universidade de Cambridge, nos arredores de Boston, jovens iniciavam um movimento musical que desaguaria em algo muito maior. Contudo, ao contrário da bossa nova, que precisaria de alguns anos para atuar numa vertente politicamente engajada, o folk nasceu com a áurea de “movimento não alinhado”. A indústria fonográfica era repudiada, as baladas que tocavam tinham séculos de existência e as composições saíram da mente criativa de cantores rurais absolutamente desconhecidos do público.

Mas muitos daqueles rapazes e moças queriam fazer algo contemporâneo, que tratasse dos sonhos e das angústias que permeavam seu ambiente urbano e conturbado, política e socialmente. Enquadravam-se aqui: Phil Ochs, Buffy Saint-Marie (descendente direta de índios), Tom Paxton, Eric von Schmidt, o trio Peter, Paul e Mary, além de Joan Baez e muitos outros.

Aliás, o trio Peter, Paul e Mary lançou o primeiro sucesso arrasa quarteirão de Dylan, Blowing in the Wind, em junho de 1963, na forma de um single que vendeu o número expressivo de 320 mil cópias.
A obra prima de Dylan, composta quando tinha apenas 22 anos de idade, fazia referências à era Kennedy, aos conflitos raciais no sul do país, aos protestos antitestes nucleares etc. Dylan passou o verão de 1963 em algumas das regiões mais racistas e conflagradas do sul, quando voluntários de todo o país se arriscavam fazendo o registro eleitoral de cidadãos negros.

Em agosto daquele ano, Dylan e Baez dividiram o palco em meio à marcha pelos direitos civis, em Washington, a mesma em que Martin Luther King proferiu seu discurso histórico “eu tenho um sonho”.

Mas em 1965, a avaliação sobre todos esses movimentos era um tanto pessimista. Todas as manifestações e protestos tinham como lideranças negras pessoas de discurso pacifista, moderado, antiviolência. Mas o outro lado, geralmente materializado na forma de forças policiais, não hesitava em usar a força. Assassinatos de manifestantes e de lideranças negras se sucediam. A repressão policial contra uma marcha em Montgomery ficou conhecida como “Domingo Sangrento”, em razão da tresloucada ação policial.

Uma semana depois, o presidente do país, Lyndon Johnson, sucessor de Kennedy após seu assassinato, foi à TV apresentar seu projeto da Grande Sociedade (Great Society) e terminou seu discurso pronunciando “we shall overcome” – ou venceremos -, frase que se tornaria título de canção de sucesso na voz de Joan Baez.

Mas a situação política não arrefecia. O primeiro trimestre de 1965 viu o assassinato de Malcolm X, uma das mais importantes lideranças e negras e que já havia radicalizado o discurso antiviolência pregado pela sua contraparte, Martin Luther King, Jr.

Quanto a Dylan, este se mostrava um tanto cansado do efeito insignificante que suas músicas tinham no cenário político. Além disso, surgiam incessantemente desavenças com os próprios membros das organizações que ajudava a promover. Não se deve descartar também a sensação de que o sucesso que perseguia se tornava mais distante conforme seu nome era associado a movimentos políticos.
Em suas palavras: “Não há nenhuma canção acusatória aqui. Eu não quero mais compor para as pessoas... entende?... ser um porta-voz. De agora em diante, quero escrever sobre o que vem de dentro de mim. A bomba está ficando chata porque o que rola é mais profundo do que a bomba. Eu não sou parte de nenhum movimento. Simplesmente não me dou bem em nenhuma organização.”

De fato, ainda em março de 1965, lança seu álbum “Bringing it All Back Home”, por meio do qual pretende trazer de volta a música americana, “sequestrada” por jovens britânicos em meio à “british invasion”. Neste álbum não havia uma música sequer de protesto...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “O som da revolução”

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