Impossível falar de folk music sem falar de Bob Dylan.
Impossível falar de Dylan sem falar de seu maior idoso: Woody Guthrie.
Guthrie foi o maior compositor folk americano. Carregava
consigo um lendário violão, em que se lia “esta máquina mata fascistas”. Passou
a década de 1940 cantando de graça em sindicatos, dormindo em trens, na caçamba
de caminhões. Em represália, apanhou muito da polícia, dos seguranças das
fábricas, dos capangas dos ruralistas. Sua composição “This Land is Your Land”
foi pedra fundamental na luta dos direitos civis – sua filmografia em português
se chama Este Terra é Minha Terra. Satirizava os ricos, como em “Old Man Trump”,
na qual fazia troças de Fred Trump, pai de Donald Trump e maior especulador de
imóveis de NY.
Dylan se mudou de Minesota para NY com o objetivo de
conhecer seu ídolo – e apresentar-lhe uma composição que fez em sua homenagem, “Song
for Woody”.
Em NY, Dylan se dirigiu ao centro da boemia norte-americana,
o bairro de Greenwich Village, que possuía a maior concentração de artistas,
traficantes e prostitutas dos EUA.
Mas o renascimento do folk se iniciou pouco antes, ainda nos
anos 1950, quando o folk servia como trilha sonora do Partido Comunista dos
EUA, papel equivalente ao da literatura beatkink no meio literário, em meio à
paranoia e ao punitivismo persecutório da Guerra Fria.
Desde o fim da II Guerra Mundial, o Village se revelava um
centro intelectual, haja vista toda a legião de escritores beatnik ter se
mudado para suas imediações.
A década de 1960 se inicia com a eleição de John Kennedy, e
toda aquela tensão e conservadorismo típicos dos longos anos de governos
dirigidos por militares se esvaía. O folk ganhava mais liberdade e se
revitalizava. E isso tudo era quase palpável no ar se você estivesse no
Village. Com a sensação de que havia agora maior liberdade para se manifestar,
uma série de compositores folk oriundos da classe média reforçou a fileira dos
que lutavam por mais direitos sociais. Alguns compositores inclusive eram mais
celebrados pelo seu papel político do que pela qualidade musical de suas obras,
como era o caso de Peter Seeger.
Foi justamente nesses dias que uma menina de 19 anos elevou
sua voz e se tornou ídolo de uma época: Joan Baez.
Este momento da folk music lembra um pouco o início da bossa
nova no Brasil. Em pequenos apartamentos e alojamentos estudantis da
Universidade de Cambridge, nos arredores de Boston, jovens iniciavam um
movimento musical que desaguaria em algo muito maior. Contudo, ao contrário da
bossa nova, que precisaria de alguns anos para atuar numa vertente
politicamente engajada, o folk nasceu com a áurea de “movimento não alinhado”. A
indústria fonográfica era repudiada, as baladas que tocavam tinham séculos de
existência e as composições saíram da mente criativa de cantores rurais
absolutamente desconhecidos do público.
Mas muitos daqueles rapazes e moças queriam fazer algo
contemporâneo, que tratasse dos sonhos e das angústias que permeavam seu
ambiente urbano e conturbado, política e socialmente. Enquadravam-se aqui: Phil
Ochs, Buffy Saint-Marie (descendente direta de índios), Tom Paxton, Eric von
Schmidt, o trio Peter, Paul e Mary, além de Joan Baez e muitos outros.
Aliás, o trio Peter, Paul e Mary lançou o primeiro sucesso
arrasa quarteirão de Dylan, Blowing in the Wind, em junho de 1963, na forma de
um single que vendeu o número expressivo de 320 mil cópias.
A obra prima de Dylan, composta quando tinha apenas 22 anos
de idade, fazia referências à era Kennedy, aos conflitos raciais no sul do
país, aos protestos antitestes nucleares etc. Dylan passou o verão de 1963 em
algumas das regiões mais racistas e conflagradas do sul, quando voluntários de
todo o país se arriscavam fazendo o registro eleitoral de cidadãos negros.
Em agosto daquele ano, Dylan e Baez dividiram o palco em
meio à marcha pelos direitos civis, em Washington, a mesma em que Martin Luther
King proferiu seu discurso histórico “eu tenho um sonho”.
Mas em 1965, a avaliação sobre todos esses movimentos era um
tanto pessimista. Todas as manifestações e protestos tinham como lideranças
negras pessoas de discurso pacifista, moderado, antiviolência. Mas o outro
lado, geralmente materializado na forma de forças policiais, não hesitava em
usar a força. Assassinatos de manifestantes e de lideranças negras se sucediam.
A repressão policial contra uma marcha em Montgomery ficou conhecida como “Domingo
Sangrento”, em razão da tresloucada ação policial.
Uma semana depois, o presidente do país, Lyndon Johnson,
sucessor de Kennedy após seu assassinato, foi à TV apresentar seu projeto da
Grande Sociedade (Great Society) e terminou seu discurso pronunciando “we shall
overcome” – ou venceremos -, frase que se tornaria título de canção de sucesso
na voz de Joan Baez.
Mas a situação política não arrefecia. O primeiro trimestre
de 1965 viu o assassinato de Malcolm X, uma das mais importantes lideranças e
negras e que já havia radicalizado o discurso antiviolência pregado pela sua
contraparte, Martin Luther King, Jr.
Quanto a Dylan, este se mostrava um tanto cansado do efeito
insignificante que suas músicas tinham no cenário político. Além disso, surgiam
incessantemente desavenças com os próprios membros das organizações que ajudava
a promover. Não se deve descartar também a sensação de que o sucesso que
perseguia se tornava mais distante conforme seu nome era associado a movimentos
políticos.
Em suas palavras: “Não há nenhuma canção acusatória aqui. Eu
não quero mais compor para as pessoas... entende?... ser um porta-voz. De agora
em diante, quero escrever sobre o que vem de dentro de mim. A bomba está
ficando chata porque o que rola é mais profundo do que a bomba. Eu não sou
parte de nenhum movimento. Simplesmente não me dou bem em nenhuma organização.”
De fato, ainda em março de 1965, lança seu álbum “Bringing it
All Back Home”, por meio do qual pretende trazer de volta a música americana, “sequestrada”
por jovens britânicos em meio à “british invasion”. Neste álbum não havia uma
música sequer de protesto...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O som da revolução”
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