Pesquisar as postagens

terça-feira, 31 de julho de 2018

O SOUTH AMERICAN WAY DE GAROTO



Desde meados da década de 1930, quando das excursões de músicos brasileiros à Argentina, Carmen Miranda era a embaixatriz informal do samba brasileiro no exterior. Após a implantação da “política da boa vizinhança”, iniciativa de Roosevelt de aproximação com os países das Américas, o papel de Carmen junto à cultura brasileira atingiria novas alturas.

Regressando com o seu Bando da Lua de algumas apresentações no interior de São Paulo, Carmen se preparava para sua estreia no Cassino da Urca, no dia 3 de fevereiro de 1939. Por si só, esse evento já era de suma importância para sua carreira, mas a presença do empresário norte-americano Lee Schubert fê-lo fundamental para Carmen.

Schubert encantou-se, convidou Carmen para um jantar no transatlântico Normandie e, lá, propôs a Carmen apresentações nos EUA. Mas havia uma condição intransponível para Camen ela deveria ir sozinha, sem o Bando da Lua. A cantora não aceitou tal condição, e somente aceitou a proposta quando o Bando pôde ir junto. E assim transcorreu a conversa: o governo brasileiro pagaria as passagens dos músicos e de Carmen, para que se apresentassem no pavilhão brasileiro na Feira Mundial de NY, que se iniciaria em 30 de abril daquele ano.

Ainda no final de abril o grupo de apresentou em Caxambu, ao lado de Laurindo e Garoto, especialmente para o Presidente da República. Esclareça-se que Garoto não embarcou com os demais para o EUA, ainda.

Importante notar que o Bando da Lua era um conjunto vocal de imenso sucesso, contando já mais de 10 anos de atividade, três discos pela Odeon e 39 pela RCA Victor, além de temporadas em Buenos Aires ao lado de Carmen.

O embarque da trupe se deu no navio Uruguai, evento acompanhado por uma multidão amontoada em frente ao Touring Club do Cais do Porto, tendo sido necessário chamar a polícia para conter os mais exaltados e garantir um embarque seguro.

Carmen Miranda e o Bando da Lua foram escalados para o musical Street os Paris. A estreia se deu na Broadway, onde foram ovacionados quando ela cantou “O que é que a baiana tem?”.

Após cerca de cinco meses de turnê, um dos músicos da trupe, Ivo Astolfi, retornou ao Brasil para se casar. Foi quando Garoto recebeu um telegrama, onde se lia: “Queridíssimo Garoto, espero que você tenha gostado da ideia de vir para cá e aceite-a, pois esta terra é a melhor do mundo, só estando aqui é que acreditará. Estamos ansiosos que você venha, eu e os rapazes. Abraços da Carmen.” Quanto à remuneração, a Garoto foi oferecido o mesmo contrato firmado pelos demais músicos: 50 dólares por semana para atuar no musical, embora Carmen tenha-lhe sugerido a possibilidade de ganhar 200 dólares semanais.

Sua chegada a NY foi assim registrada em seu diário: “Cheguei a Nova Iorque no dia 30 de outubro e fiz uma viagem maravilhosa do Rio até NY.”

Mas a felicidade emanada das linhas acima durou pouco tempo. Garoto chegara a NY com a papelada incompleta e foi, portanto, enviado a Ellis Island, onde ficavam detidos os imigrantes ilegais. Foi graças aos advogados contratados por Lee Schubert que Garoto foi liberado.

Ao conhecer o pavilhão brasileiro, Garoto anotou: “O pavilhão brasileiro em Nova York é um pouco do nosso país. Ali sentimos a nossa grandeza, a nossa casa, enfim. Nele encontramos Romeu Silva com a sua formidável orquestra, que prazer acharmo-nos entre patrícios.” Garoto ainda reencontraria seu amigo e “concorrente” Zezinho. E foi em San Francisco, mais tarde, que Zezinho confessou a Garoto que pretendia fixar-se nos States, fato que realmente ocorreu e lhe proporcionou uma carreira internacional.

Em 1939, a trupe registrou seus primeiros trabalhos em solo gringo, lançados pelo selo Decca. Gravaram o primeiro, com as faixas South American Way e Touradas em Madrid. O segundo trazia “O que é que a baiana tem?” e “Co, Co, Co, Co, Co, Co, Co, Ro”. O terceiro tinha “Mamãe, eu quero” e “Bambu bambu”.

No cinema, atuaram em Down Argentine Way, em 1940. Esta película foi lançada aqui com o título de Serenata Tropica.

Após oito meses de imenso sucesso Broadway, o musical Street of Paris caiu na estrada. Apresentaram-na em Chicago, em Detroit, Pittsburgh, Saint Louis e Filadélfia. Em Washington, apresentaram-se para o presidente Rossevelt, na Casa Branca. Assim deixou registrado Garoto, em seu diário: “O presidente, muito camarada, veio nos abraçar, trocando impressões sobre as coisas brasileiras.”

Os artistas brasileiros ainda se deslocaram até o Canadá, onde Garoto se encantou com uma nevada em Toronto e com as cataratas do Niágara.

Carmen já era tratada pelo seu apelido mais famoso: Pequena Notável. E, de fato, fazia-se notar: foi escolhida a segunda maior celebridade de Nova York, deixando o prefeito Fiorello la Guardia na terceira posição.

Finalmente, após um intenso período de trabalho, Schubert aceitou conceder um período de dois meses de descanso aos músicos, que desembarcaram no Brasil em julho de 1940.
Carmen era a grande estrela brasileira: foi ovacionada em desfile em carro aberto. Garoto, do alto dos seus meros 25 anos de idade, era o grande nome da música brasileira: atraiu artistas do porte de Duke Ellington e Art Tatum para suas apresentações e foi apelidado pelo organista Jesse Crawford de “O Homem dos Dedos de Ouro”.  

Em uma entrevista que concedeu à revista carioca Cine-Rádio-Jornal, Garoto assim respondeu sobre se trazia novidades de sua estadia bem sucedida na terra do Tio Sam: “Algumas... Em Chicago, por exemplo, travei relações com um músico norte-americano possuidor de um órgão elétrico. Ofereci-lhe então a Aquarela do Brasil e todas as noites ouvíamos a linda música de Ary Barroso tocada num instrumento raríssimo no Brasil.”

Quanto ao que assistiu, Garoto declarou ter nutrido admiração por Bing Crosby e Ella Fitzgerald, e em especial pelas grandes orquestras dos EUA. Perguntado sobre se trazia melodias novas, respondeu: “Trouxe músicas havaianas e melodias do sul da Califórnia: Quando os pássaros voltam a Capistrano, Castelo dos sonhos, Irene, Tuxedo Junction e Em cima da Lua, que é um dos maiores sucessos nos EUA, são algumas delas.”

Apenas cinco dias após a chegada ao Brasil, Carmen e o Bando se apresentaram no Cassino da Urca, em um show beneficente. A plateia era ilustre, mas a apresentação foi um fiasco. Nas palavras de Aloísio Oliveira, líder do Bando: “Aquele mesmo público que tanto aplaudiu Carmen há um ano, recebeu-a com a maior frieza. Cantamos “O que é que a baiana tem?” e o gelo foi ainda maior. Carmen retirou-se do palco aos prantos, revoltada!”.

Ela respondeu cantando “Disso é que eu gosto” e “Disseram que voltei americanizada” . Depois, apresentaram-se na rádio Mayrink Veiga. Foi então que eles, sem Garoto, iniciaram uma temporada no Cassino da Urca – e ela ainda emplacou outro disco, pela Odeon.

Carmen e o Bando voltaram para o EUA em outubro de 1940. Mas o embarque agora foi sem multidões e sem pranto. E Garoto não os acompanhou dessa feita.

Essa, aliás, foi a grande incógnita: por que Garoto não embarcou junto? Afinal, ele já havia declarado sua intenção de excursionar pelos EUA de novo: “É claro! Em setembro devo seguir novamente e ignoro quando voltarei.”

As razões apontadas são as mais variadas, mas um fator pode ter sido preponderante: sua esposa era negra, e ele já havia demonstrado preocupação quanto à grave questão racial que testemunhara em solo yankee. Talvez isso tenha pesado mais do que as excelentes condições que por lá se ofereciam aos artistas.

Embora tenha declinado da oportunidade, Garoto não demonstrava rancores: “Não retornei aos Estados Unidos e indiquei para o meu lugar o Nestor Amaral, cuja situação financeira era precária e que tinha passagens muito engraçadas como a de fugir do hotel com as malas.”

Garoto então retornou ao Rio, montou um conjunto que reunia grandes nomes da música, como Ciro Monteiro, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Francisco Alves. Realizou ainda o filme Céu Azul, película carnavalesca com Francisco Alves, Oscarito, Arnaldo Amaral, Silvio Caldas, Grande Otelo e muitos outros.

Garoto também fez apresentações do Golden Room do Cassino Copacabana, em 1941.
Tocando seu violão e acompanhado de Poly, ao cavaquinho, tocaram na gravação de dois discos de Luiz Gonzaga. Com seu conjunto regional, gravou ao lado de Moreira da Silva.

Na rádio Mayrink, em 16 de novembro de 1941, Garoto estreou ao lado dos Quatro Diabos, conjunto que existia desde 1935 e que chegou a tocar ao lado de Carmen Miranda. Após a entrada de outros dois integrantes, o conjunto passou a se chamar Garoto e dos Donos do Ritmo, quando se apresentaram nos cassinos da Urca e Icaraí, no tênis Club de Petrópolis e no Canto do Rio F.C.

Em setembro de 1942, após a morte de César Ladeira, diretor artístico da Mayrink e grande nome do cenário musical do rádio, Garoto se apresentou junto com Pixinguinha, Edu da Gaita, Nelson Gonçalves, Alvarenga e Ranchinho e muitos outros artistas consagrados.

                                                                                                                            
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Gente Humilde: Vida e Música de Garoto”

Nenhum comentário:

Postar um comentário