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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

BAD TRIP – DAS PORTAS DA PERCEPÇÃO ÀS PORTAS DA CADEIA



O ano de 1967 ainda se desenrolava em meio à contracultura, especialmente nas duas cidades que se tornaram polo do movimento hippie: San Francisco e Londres. Também foi o ano que viu o lançamento do álbum histriônico dos Beatles, Sgt. Pepper`s Lonely Heart Club Band. Cumprindo à risca o que definira John Lennon numa entrevista à revista Rolling Stones, em 1970, na qual disse que os Rolling Stones faziam tudo o que dos Beatles faziam, mas seis meses depois, os Stones lançaram um dos seus mais marcantes álbuns: Their Satanic Majesties Request, claramente concebido como resposta a seus concorrentes mais famosos.

Este ano ainda viu outro evento célebre. Em 25 de junho, os Beatles cantaram All You Need is Love, um dos seus maiores sucessos, na primeira transmissão via satélite destinada a cinco continentes. Mais de 400 milhões de pessoas assistiram ao quarteto entoar seus versos ao lado de diversas celebridades.

Dentre elas, havia dois especialmente angustiados. Mick Jagger e Keith Richards sabiam que dali a dois dias estariam sentados no banco dos réus, em meio a um processo criminal por porte de drogas, instaurado nos primeiros meses daquele ano. Mas os sinais que previam aquele desfecho começaram a surgir algum tempo antes.

Os Stones lançaram a canção “Let`s Spend the Night Together”, a qual cantaram num programa de grande audiência na Ilha britânica: Sunday Night at the London Palladium. Além de ter uma letra abundante em citações e referências de cunho sexual, a banda deixou o palco sem ao menos acenar ao público. Os dias seguintes foram profícuos em mensagens de ódio contra os membros, que pareciam estar com os egos exageradamente inflados.

No domingo seguinte, um segundo golpe na banda. O jornal musical News of the World, cuja vendagem alcançava 18 milhões de cópias na Inglaterra, trouxe a primeira de uma série de reportagens intitulada “Pop Stars e Drogas”. A primeira matéria descrevia as festas regadas a orgias e LSD promovidas pelos membros da banda Moody Blues. A certa altura, o repórter citava que um dos convidado, um tal de Mick Jagger, fora flagrado fazendo uso de LSD. Depois, descobriu-se que foi houve uma sequência de erros: o tal convidado era Brian Jones, companheiro de Mick nos Stones, e a droga em apreço era haxixe, não LSD. Mas a confusão já estava feita.

No fim de janeiro, Keith Richards promoveu uma festa particular, na inauguração da casa que comprar recentemente. Mick Jagger, até então careta no que se referia a LSD, prometeu que experimentaria aquela droga naquele evento. Entre os convidados, estavam Marianne Faithfull, namorada de Jagger, Michael Cooper, fotógrafo a capa de Sgt. Pepper, George Harrison com sua esposa, Pati, David Schneiderman, um traficante californiano encarregado de trazer as melhores pastilhas de LSD do mundo.

Como o domingo, dia da festa, revelava uma manhã chuvosa e fria, tipicamente londrina, George e sua namorada foram embora. Marianne tomou um banho, como não encontrou roupas secas se enrolou num tapete, e todos se encontraram na sala de jantar. Ouviam Bob Dylan quanto, às 19h30, tocam a campainha. Ao atender, todos viram, assustados, um inspetor adentrar, acompanhado por 18 policiais, avisando possuir um mandado. Assim se desenrolou aquela que seria a primeira viagem lisérgica do líder dos Stones.

Marianne foi revistada por uma policial. Revistaram açucareiros, levantaram as cortinas, abriram caixas, enquanto os convidados ficavam perfilados no meio da sala. Richards não pode conter os risos quando, em meio à “dura”, ouvia Bob Dylan cantando “Everybody must get Stones” – isto é, “todo mundo tem que ficar chapado”.

Jagger certamente sentiu calafrios quando viu um policial pegar sua jaqueta pra revistar – ele sabia que havia restos de maconha em um dos bolsos. Mas pôde respirar aliviado, quando o viu largar a jaqueta no chão, repugnando a maconha como sujeira.

Logo após, um dos policiais achou quatro tabletes de anfetamina, que pertenciam a Marianne. Jagger assumiu a droga como sua, dizendo que era prescrição médica para se manter ativo durante as muitas horas de show da banda tinha que fazer.

Foi então que um dos policiais se dirigiu a uma caixa, que pertencia a David Schneiderman – na verdade, era o local onde se encontravam todas as pílulas de LSD trazidas da Califórnia. Mas David agiu rapidamente, gritando que o policial não abrisse a caixa, pois havia rolos de negativos de filmes fotográficos, e a exposição à luz os degradaria irreversivelmente. Mais uma vez, respiraram aliviados.
Quem parecia não conseguir sentir qualquer alívio era Robert Fraser: ele trazia em um dos seus bolsos heroína. Quando flagrado, alegou que era insulina, que adquirira com prescrição médica. Mas o policial, dessa vez, agiu de maneira mais desconfiada, guardando uma pequena quantidade para análise laboratorial.

E foi essa amostra que dei início ao malfadado processo criminal.

O primeiro a depor foi Jagger – e o juiz se esforçou para pôr o júri contra o cantor. Ao fim, decretou sua prisão cautelar. Ao final, veio a sentença que lhe decretava 3 meses na cadeia.
Em seguida, foi a vez de Keith Richards. Seu caso era mais delicado, pois a acusação era de que ele permitira o consumo de drogas em sua residência. Após dois dias, foi emitida sua sentença: multa equivalente a 1.500 dólares, pagamento das custas e um ano atrás das grades.

Surgiram então os protestos e manifestações de praxe, em solidariedade ao guitarrista. A banda The Who fez circular nos jornais que gravaria e lançaria canções de Jagger e Richards até que saíssem da cadeia. Keith Moon, baterista do The Who, liderou um grupo, com cartazes escritos “Libertem Keith” em frente ao jornal News of the World. O fato de Jagger ter sido algemado durante o trajeto até o Tribunal foi amplamente criticado.

Até o jornal conservador The Times saiu em defesa dos dois músicos: “a hierarquia (os poderosos) se ressentia da qualidade anárquica das performances dos Rolling Stones e desgostava da influência nos adolescentes”.

No dia seguinte, foi a vez de o Sunday Express expressar mais uma opinião negativa sobre a ação policialesca estatal: “A sentença de três meses imposta a Mick Jagger é monstruosamente fora de proporção à ofensa que ele cometeu”.

Aproveitando todo esse burburinho pró-Stones, seus advogados apelaram e, após 24 horas, Jagger e Richards se encontravam soltos.

O caso chamou atenção para os protestos em favor da legalização da maconha – um movimento encampado com entusiasmo pela elite de Londres. Em 14 de junho, mais e 5 mil pessoas se aglomeraram no Hyde Park para um comício em favor da causa.

No dia 24, circulou no jornal Times um anúncio patrocinado por uma entidade chamada Soma – Society of Mental Awareness -, em que se lia: “A lei contra a maconha é imoral no princípio e irrealizável na prática”. Dentre os signatários, estavam todos os Beatles, o dramaturgo Kenneth Tynan, Brian Epstein. Os 3 mil dólares da circulação foram pagos por Paul McCartney, usuário entusiasta de cannabis, mas ainda insipiente no mundo do LSD.



Embora tenha agido de maneira sincera e corajosa, McCartney foi criticado até pelos colegas de banda, preocupados com a possibilidade de que aquela declaração de uso pudesse atrair a atenção da polícia em direção ao grupo. Temor, aliás, bastante justificado pelo que se veria nos anos seguintes: George Harrison foi preso por porte de maconha; Lennon foi preso por porte de maconha também, contudo fora plantada pela polícia, que estava atrás de heróina – como não acharam nada, inventaram uma acusação.  O sargento responsável pela operação seria preso anos depois, justamente por forjar prisões em flagrante.
Mas o recado estava dado: os atores da contracultura estava na mira do aparato policial.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: O Som da Revolução

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