O ano de 1967 ainda se desenrolava em meio à contracultura,
especialmente nas duas cidades que se tornaram polo do movimento hippie: San
Francisco e Londres. Também foi o ano que viu o lançamento do álbum histriônico
dos Beatles, Sgt. Pepper`s Lonely Heart Club Band. Cumprindo à risca o que
definira John Lennon numa entrevista à revista Rolling Stones, em 1970, na qual
disse que os Rolling Stones faziam tudo o que dos Beatles faziam, mas seis
meses depois, os Stones lançaram um dos seus mais marcantes álbuns: Their
Satanic Majesties Request, claramente concebido como resposta a seus
concorrentes mais famosos.
Este ano ainda viu outro evento célebre. Em 25 de junho, os
Beatles cantaram All You Need is Love, um dos seus maiores sucessos, na
primeira transmissão via satélite destinada a cinco continentes. Mais de 400
milhões de pessoas assistiram ao quarteto entoar seus versos ao lado de diversas
celebridades.
Dentre elas, havia dois especialmente angustiados. Mick
Jagger e Keith Richards sabiam que dali a dois dias estariam sentados no banco
dos réus, em meio a um processo criminal por porte de drogas, instaurado nos
primeiros meses daquele ano. Mas os sinais que previam aquele desfecho
começaram a surgir algum tempo antes.
Os Stones lançaram a canção “Let`s Spend the Night Together”,
a qual cantaram num programa de grande audiência na Ilha britânica: Sunday
Night at the London Palladium. Além de ter uma letra abundante em citações e
referências de cunho sexual, a banda deixou o palco sem ao menos acenar ao
público. Os dias seguintes foram profícuos em mensagens de ódio contra os
membros, que pareciam estar com os egos exageradamente inflados.
No domingo seguinte, um segundo golpe na banda. O jornal
musical News of the World, cuja vendagem alcançava 18 milhões de cópias na
Inglaterra, trouxe a primeira de uma série de reportagens intitulada “Pop Stars
e Drogas”. A primeira matéria descrevia as festas regadas a orgias e LSD
promovidas pelos membros da banda Moody Blues. A certa altura, o repórter
citava que um dos convidado, um tal de Mick Jagger, fora flagrado fazendo uso
de LSD. Depois, descobriu-se que foi houve uma sequência de erros: o tal
convidado era Brian Jones, companheiro de Mick nos Stones, e a droga em apreço
era haxixe, não LSD. Mas a confusão já estava feita.
No fim de janeiro, Keith Richards promoveu uma festa particular,
na inauguração da casa que comprar recentemente. Mick Jagger, até então careta
no que se referia a LSD, prometeu que experimentaria aquela droga naquele
evento. Entre os convidados, estavam Marianne Faithfull, namorada de Jagger,
Michael Cooper, fotógrafo a capa de Sgt. Pepper, George Harrison com sua
esposa, Pati, David Schneiderman, um traficante californiano encarregado de
trazer as melhores pastilhas de LSD do mundo.
Como o domingo, dia da festa, revelava uma manhã chuvosa e
fria, tipicamente londrina, George e sua namorada foram embora. Marianne tomou
um banho, como não encontrou roupas secas se enrolou num tapete, e todos se
encontraram na sala de jantar. Ouviam Bob Dylan quanto, às 19h30, tocam a
campainha. Ao atender, todos viram, assustados, um inspetor adentrar,
acompanhado por 18 policiais, avisando possuir um mandado. Assim se desenrolou
aquela que seria a primeira viagem lisérgica do líder dos Stones.
Marianne foi revistada por uma policial. Revistaram açucareiros,
levantaram as cortinas, abriram caixas, enquanto os convidados ficavam
perfilados no meio da sala. Richards não pode conter os risos quando, em meio à
“dura”, ouvia Bob Dylan cantando “Everybody must get Stones” – isto é, “todo mundo
tem que ficar chapado”.
Jagger certamente sentiu calafrios quando viu um policial
pegar sua jaqueta pra revistar – ele sabia que havia restos de maconha em um
dos bolsos. Mas pôde respirar aliviado, quando o viu largar a jaqueta no chão, repugnando
a maconha como sujeira.
Logo após, um dos policiais achou quatro tabletes de
anfetamina, que pertenciam a Marianne. Jagger assumiu a droga como sua, dizendo
que era prescrição médica para se manter ativo durante as muitas horas de show
da banda tinha que fazer.
Foi então que um dos policiais se dirigiu a uma caixa, que
pertencia a David Schneiderman – na verdade, era o local onde se encontravam
todas as pílulas de LSD trazidas da Califórnia. Mas David agiu rapidamente,
gritando que o policial não abrisse a caixa, pois havia rolos de negativos de
filmes fotográficos, e a exposição à luz os degradaria irreversivelmente. Mais
uma vez, respiraram aliviados.
Quem parecia não conseguir sentir qualquer alívio era Robert
Fraser: ele trazia em um dos seus bolsos heroína. Quando flagrado, alegou que
era insulina, que adquirira com prescrição médica. Mas o policial, dessa vez, agiu
de maneira mais desconfiada, guardando uma pequena quantidade para análise
laboratorial.
E foi essa amostra que dei início ao malfadado processo
criminal.
O primeiro a depor foi Jagger – e o juiz se esforçou para pôr
o júri contra o cantor. Ao fim, decretou sua prisão cautelar. Ao final, veio a
sentença que lhe decretava 3 meses na cadeia.
Em seguida, foi a vez de Keith Richards. Seu caso era mais
delicado, pois a acusação era de que ele permitira o consumo de drogas em sua
residência. Após dois dias, foi emitida sua sentença: multa equivalente a 1.500
dólares, pagamento das custas e um ano atrás das grades.
Surgiram então os protestos e manifestações de praxe, em
solidariedade ao guitarrista. A banda The Who fez circular nos jornais que gravaria
e lançaria canções de Jagger e Richards até que saíssem da cadeia. Keith Moon,
baterista do The Who, liderou um grupo, com cartazes escritos “Libertem Keith”
em frente ao jornal News of the World. O fato de Jagger ter sido algemado
durante o trajeto até o Tribunal foi amplamente criticado.
Até o jornal conservador The Times saiu em defesa dos dois músicos:
“a hierarquia (os poderosos) se ressentia da qualidade anárquica das
performances dos Rolling Stones e desgostava da influência nos adolescentes”.
No dia seguinte, foi a vez de o Sunday Express expressar
mais uma opinião negativa sobre a ação policialesca estatal: “A sentença de três
meses imposta a Mick Jagger é monstruosamente fora de proporção à ofensa que
ele cometeu”.
Aproveitando todo esse burburinho pró-Stones, seus advogados
apelaram e, após 24 horas, Jagger e Richards se encontravam soltos.
O caso chamou atenção para os protestos em favor da legalização
da maconha – um movimento encampado com entusiasmo pela elite de Londres. Em 14
de junho, mais e 5 mil pessoas se aglomeraram no Hyde Park para um comício em
favor da causa.
No dia 24, circulou no jornal Times um anúncio patrocinado
por uma entidade chamada Soma – Society of Mental Awareness -, em que se lia: “A
lei contra a maconha é imoral no princípio e irrealizável na prática”. Dentre
os signatários, estavam todos os Beatles, o dramaturgo Kenneth Tynan, Brian
Epstein. Os 3 mil dólares da circulação foram pagos por Paul McCartney, usuário
entusiasta de cannabis, mas ainda insipiente no mundo do LSD.
Embora tenha agido de maneira sincera e corajosa, McCartney
foi criticado até pelos colegas de banda, preocupados com a possibilidade de
que aquela declaração de uso pudesse atrair a atenção da polícia em direção ao
grupo. Temor, aliás, bastante justificado pelo que se veria nos anos seguintes:
George Harrison foi preso por porte de maconha; Lennon foi preso por porte de maconha
também, contudo fora plantada pela polícia, que estava atrás de heróina – como não
acharam nada, inventaram uma acusação. O
sargento responsável pela operação seria preso anos depois, justamente por
forjar prisões em flagrante.
Mas o recado estava dado: os atores da contracultura estava
na mira do aparato policial.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: O Som da Revolução
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