A recepção idílica dada pelos ameríndios aos portugueses
recém-aportados foi muito bem descrita por Pero Vaz de Caminha: os nativos,
após deporem seus arcos e flechas em sinal de paz, “foram recebidos com muito
prazer e festa” pelos lusitanos, trouxeram água, lenha, mostraram-se “mansos e
seguros” o tempo todo, trocaram oferendas e presentes... mas não muito tempo
depois essas delicadezas se transformariam em guerras sangrentas, escravidão
brutas, epidemias genocidas, conversões forçadas, dentre outros “avanços
civilizacionais” trazidos pelos europeus.
As primeiras vilas e povoados litorâneos eram apensos dos
engenhos de açúcar da região; vilas e povoados do sertão viviam a mesma
dependência em relação à atividade pecuária. Tanto um como o outro sofriam constantes
ataques de flechas e lanças dos nativos revoltados com aquela invasão
alienígena.
O Recôncavo baiano viu uma das piores dessas rebeliões
indígenas, a cargo de indígenas escravizados. Foi em 1567, quando eles atacaram
os latifundiários e lideraram uma fuga em massa.
A região que compreende Rio Grande do Norte e Ceará passou a
sofrer iguais ameaças a desde 1680, quando o processo e apropriação das terras
para a agricultura e a pecuária resultou numa rebelião generalizada dos índios
tapuias (isto é, índios não tupis), especialmente os membros da nação janduí. Particularmente violentos, numa ocasião mataram mais de 100 colonos, além de
milhares de cabeças de gado. Para esta nação indígena, o temor da escravidão
era maior, pois haviam lutado ao lado dos holandeses quando estes ocuparam
Pernambuco e seu entorno (na verdade, quase toda a região nordeste) entre 1630
e 1654.
A revolta dos janduí foi combatida com o envio de diversas
expedições militares e só foi contida em 1695. O grande líder foi sem dúvidas
Canindé: ele comandou índios de diversas etnias, que compreenderam a certa
altura 22 aldeias, que se localizavam no sertão de várias capitanias; o
exército indígena chegou a contar com 14 mil pessoas armadas de arcos e
flechas, sendo 5 mil deles habilitados a usarem armas de fogo.
Mas o lado inimigo era muito forte e, em 1692, propuseram um
armistício: queriam “uma paz perpétua para viver essa nação e a portuguesa como
amigas”, prometiam “agir como submissos vassalos com obediência para sempre”, e
também se comprometiam a combater forças inimigas, índiso inimigos dos
portugueses e a notificar as autoridades sobre minas de ouro, ou outras pedras
preciosas que eventualmente achassem. Em troca, pediam para serem mantidos
livres, cediam terras aos portugueses, mas pediam para manterem um naco grande
o suficiente para seu sustento.
Muitos conflitos também assolaram a capitania de São Paulo.
A proporção de índios em relação a brancos era de 8 para 1; havia um
contingente enorme de índios escravizados; tudo isso levou a rebeliões
sangrentas a partir de 1650. Um episódio ocorrido em Juqueri, em 1652, terminou
com o extermínio dos brancos, incluindo o proprietário da fazenda, a plantação
foi queimada e os animais, mortos. Tudo isso causado por 500 a 600 escravos
índios rebelados.
As terras pertencentes ao fidalgo Fernão Cabral viram o
nascimento de uma seita religiosa, que assumiria contornos de resistência à
escravidão. Chamada “Santidade de Jaguaripe”, nasceu por volta de 1580, nasceu
numa das regiões onde mais se praticava a escravidão de índios, e seus
seguidores criam que suas preces levariam a tempos mais felizes. Era um
sincretismo com elementos do catolicismo, possuíam templos, liturgia,
cerimônias, tinham ídolos de pedra e reconheciam um papa e diversos bispos.
As cerimônias eram realizadas com consumo de bebidas e chás
de tabaco (a erva santa), que levavam transes espirituais. Criam os membros da
Igreja na “Terra sem Mal” crença já enraizada na cultura tupinambá, etnia
indígena mais populosa no litoral brasileiro até o século XVI. Aos poucos,
passou a atrair também escravos e ex-escravos africanos fugidos. O líder da
seita era um índio tupi chamado Antônio, catequizado por jesuítas, mas que
ainda mantinha muitos traços de sua cultura original.
Inicialmente, o novo culto religioso foi tolerado porque
parecia aumentar o fluxo de índios para a região, o que resultava em mais
índios escravizados. Mas foi se tornando algo agressivo à medida que saques,
ataques e incêndios praticados por seus membros se tornavam mais comuns -
plantações e engenhos eram seus alvos preferenciais. Passaram também a recrutar
novos membros dentre os escravos das fazendas.
Não demorou para que o alerta fosse dado e “um motim e
alevantamento geral contra os brancos” se tornassem uma possibilidade iminente.
O tom da reação foi dado pelos senhores de engenho e pela administração
colonial, bastante conhecidos pela violência de suas medidas.
Após capturado, em 1585, um de seus papas teve a língua
arrancada antes de ser enforcado.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Desvendando a história da África”
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