Pesquisar as postagens

segunda-feira, 4 de junho de 2018

DA RECEPÇÃO FESTIVA ÀS JURAS DE MORTE – REBELIÕES INDÍGENAS


A recepção idílica dada pelos ameríndios aos portugueses recém-aportados foi muito bem descrita por Pero Vaz de Caminha: os nativos, após deporem seus arcos e flechas em sinal de paz, “foram recebidos com muito prazer e festa” pelos lusitanos, trouxeram água, lenha, mostraram-se “mansos e seguros” o tempo todo, trocaram oferendas e presentes... mas não muito tempo depois essas delicadezas se transformariam em guerras sangrentas, escravidão brutas, epidemias genocidas, conversões forçadas, dentre outros “avanços civilizacionais” trazidos pelos europeus.

As primeiras vilas e povoados litorâneos eram apensos dos engenhos de açúcar da região; vilas e povoados do sertão viviam a mesma dependência em relação à atividade pecuária. Tanto um como o outro sofriam constantes ataques de flechas e lanças dos nativos revoltados com aquela invasão alienígena.

O Recôncavo baiano viu uma das piores dessas rebeliões indígenas, a cargo de indígenas escravizados. Foi em 1567, quando eles atacaram os latifundiários e lideraram uma fuga em massa.

A região que compreende Rio Grande do Norte e Ceará passou a sofrer iguais ameaças a desde 1680, quando o processo e apropriação das terras para a agricultura e a pecuária resultou numa rebelião generalizada dos índios tapuias (isto é, índios não tupis), especialmente os membros da nação janduí. Particularmente violentos, numa ocasião mataram mais de 100 colonos, além de milhares de cabeças de gado. Para esta nação indígena, o temor da escravidão era maior, pois haviam lutado ao lado dos holandeses quando estes ocuparam Pernambuco e seu entorno (na verdade, quase toda a região nordeste) entre 1630 e 1654.

A revolta dos janduí foi combatida com o envio de diversas expedições militares e só foi contida em 1695. O grande líder foi sem dúvidas Canindé: ele comandou índios de diversas etnias, que compreenderam a certa altura 22 aldeias, que se localizavam no sertão de várias capitanias; o exército indígena chegou a contar com 14 mil pessoas armadas de arcos e flechas, sendo 5 mil deles habilitados a usarem armas de fogo. 

Mas o lado inimigo era muito forte e, em 1692, propuseram um armistício: queriam “uma paz perpétua para viver essa nação e a portuguesa como amigas”, prometiam “agir como submissos vassalos com obediência para sempre”, e também se comprometiam a combater forças inimigas, índiso inimigos dos portugueses e a notificar as autoridades sobre minas de ouro, ou outras pedras preciosas que eventualmente achassem. Em troca, pediam para serem mantidos livres, cediam terras aos portugueses, mas pediam para manterem um naco grande o suficiente para seu sustento.   

Muitos conflitos também assolaram a capitania de São Paulo. A proporção de índios em relação a brancos era de 8 para 1; havia um contingente enorme de índios escravizados; tudo isso levou a rebeliões sangrentas a partir de 1650. Um episódio ocorrido em Juqueri, em 1652, terminou com o extermínio dos brancos, incluindo o proprietário da fazenda, a plantação foi queimada e os animais, mortos. Tudo isso causado por 500 a 600 escravos índios rebelados.

As terras pertencentes ao fidalgo Fernão Cabral viram o nascimento de uma seita religiosa, que assumiria contornos de resistência à escravidão. Chamada “Santidade de Jaguaripe”, nasceu por volta de 1580, nasceu numa das regiões onde mais se praticava a escravidão de índios, e seus seguidores criam que suas preces levariam a tempos mais felizes. Era um sincretismo com elementos do catolicismo, possuíam templos, liturgia, cerimônias, tinham ídolos de pedra e reconheciam um papa e diversos bispos.

As cerimônias eram realizadas com consumo de bebidas e chás de tabaco (a erva santa), que levavam transes espirituais. Criam os membros da Igreja na “Terra sem Mal” crença já enraizada na cultura tupinambá, etnia indígena mais populosa no litoral brasileiro até o século XVI. Aos poucos, passou a atrair também escravos e ex-escravos africanos fugidos. O líder da seita era um índio tupi chamado Antônio, catequizado por jesuítas, mas que ainda mantinha muitos traços de sua cultura original.

Inicialmente, o novo culto religioso foi tolerado porque parecia aumentar o fluxo de índios para a região, o que resultava em mais índios escravizados. Mas foi se tornando algo agressivo à medida que saques, ataques e incêndios praticados por seus membros se tornavam mais comuns - plantações e engenhos eram seus alvos preferenciais. Passaram também a recrutar novos membros dentre os escravos das fazendas.

Não demorou para que o alerta fosse dado e “um motim e alevantamento geral contra os brancos” se tornassem uma possibilidade iminente. O tom da reação foi dado pelos senhores de engenho e pela administração colonial, bastante conhecidos pela violência de suas medidas.

Após capturado, em 1585, um de seus papas teve a língua arrancada antes de ser enforcado.


Rubem L. de F. Auto 

Fonte: livro “Desvendando a história da África”


Nenhum comentário:

Postar um comentário