O termo diáspora, ou dispersão, dos africanos pela Europa,
Ásia e América é um fenômeno observado entre os séculos XV a XIX. Calcula-se
que entre 5 e 10 milhões de africanos tenham sido descolados compulsoriamente
através do Atlântico nesse período – o que representa aproximadamente 100
milhões a menos de africanos no seu continente atualmente, se considerarmos os
descendentes que eles não tiveram.
Anteriormente, os africanos já estavam presentes em todo o
mundo – como soldados nas Legiões romanas, ou lavradores na Ásia, ou
estivadores na China, ou estivadores e marinheiros em embarcações no Oceano
Índico, ou como trabalhadores domésticos, ourives ou cortesãs no Oriente Médio
-, durante a Idade Média européia produziram-se mais mercadorias manufaturadas
na África do que na Europa; além disso, as maiores cidades e centros comerciais
e de finanças do Ocidente estavam localizados na África, no mesmo período.
Mas o tráfico internacional de pessoas, cuja origem estava
na África, desestruturou toda a base civilizacional sobre a qual se sustentavam
reinos e impérios, que vinham seguindo seu curso histórico desde tempos imemoriais.
A venda de inimigos ou desafetos na condição de escravos a
europeus estabelecidos em fortes localizados nas franjas do continente privou
nações inteiras de suas pessoas mais valiosas: jovens, saudáveis e férteis, que
contribuíram compulsoriamente para o desenvolvimento de doutras sociedades que
não as suas. Pior do que isso: aquele comércio desumano, alçado a uma escala inédita,
levou ao acúmulo de riquezas na Europa, o que viabilizou o processo de
industrialização nas metrópoles, especialmente na Inglaterra.
Esse processo de desenraizamento de africanos se modificou
bastante no século XIX, quando o progresso técnico europeu permitiu o
desenvolvimento de ferramentais que permitiam dominar o próprio continente
africano, sem intermediários e em sua própria casa.
A despeito de todas as conseqüências inomináveis e cruéis
derivadas do processo acima descrito, houve uma aproximação cultural entre africanos
e o resto do mundo, por meio do qual pessoas, culturas, tecnologias e
conhecimentos circularam e modificaram a todos.
Entre 1830 e 1870, cerca de 8 mil negros livres, a maioria
dos quais africano, retornaram à África a partir do Brasil. Eram chamados de
retornados em casa, mas no seu continente originários, ou originário de seus
antepassados, eram conhecidos como brasileiros – ou recebiam o nome
correspondente na língua local, como agudas, amaros, ta-bom etc.
Estabelecidos em regiões litorâneas, usavam o conhecimento
que trouxeram consigo: falavam português, praticavam o catolicismo, tinham
hábitos e costumes muito mais próximos dos brasileiros do que dos africanos com
quem se relacionavam, como as roupas que vestiam, a culinária que praticavam,
os folclores que conheciam, a arquitetura de suas casas.
Evidentemente o processo de aquisição cultural continuou na
África, onde aprenderam tecnologias, conhecimentos e línguas que até então não
conheciam. Mas o ferramental que traziam poderia ter sido adquirido a partir de
portos os mais diversos.
Este fato fica patente na história de Mohammah Gardo
Baquaqua. Tornado escravo na África Ocidental, por volta de 1840, Baquaqua
desembarcou no Recife em 1845; após, foi levado ao Rio de Janeiro; depois, ao
Rio Grande do Sul. Algum tempo depois, foi embarcado num navio que transportava
café para os Estados Unidos, ainda como escravo. Depois, foi levado para o
Haiti. Dali, retornou aos EUA, mais especificamente a NY. Após permanecer ali por
anos, foi para o Canadá.
Ali aprendeu inglês e escraveu sua autobiografia, publicada
em 1854. Seus últimos relatos davam conta de que estava em Liverpool, em 1857;
demonstrava uma imensa vontade de retornar a sua África natal, mas não se sabe
se ele conseguiu esse feito, pois as pistas sobre sua vida se perderam a partir
destes anos.
O final do processo da diáspora negra
terminou com a criação de uma cultura que une os negros de todo o mundo, batizada
de Pan-Africanismo. Entre os dias 12 e 15 de junho de 2006 se realizou em
Salvador a II CIAD – Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora – cujo
tema foi “A diáspora e o renascimento africano”. Nada mais apropriado para o
país com o maior número de negros do mundo, fora da África.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Rebeliões no Brasil Colônia”
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