Em seu “Imperialismo, a fase superior do capitalismo”, Lênin
reservou bastante espaço para discorrer sobre o que lhe parecia ser a pedra de
canto de todos os males, isto é, os bancos:
“A operação fundamental e inicial que os bancos realizam é a
de intermediários nos pagamentos. É assim que eles convertem o capital-dinheiro
inativo em capital ativo, isto é, em capital que rende lucro; reúnem toda a
espécie de rendimentos em dinheiro e colocam-nos à disposição da classe
capitalista.
À medida que vão aumentando as operações bancárias e se
concentram num número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se, de
modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem
de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos
patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de
matérias-primas de um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos
modestos intermediários num punhado de monopolistas constitui um dos processos
fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, e por
isso devemos deter-nos, em primeiro lugar, na concentração bancária.”
As crises sistêmicas que acompanharam o capitalismo ao longo
de todo o século XX dão provas de que o processo de concentração denunciado por
Lênin há mais de 100 anos não arrefeceu. Sempre que um banco grande adquire um
banco menor, muitos argumentam que esse processo é prejudicial à sociedade,
pois o mercado ficará nas mãos de menos players e o cada um dos bancos restantes
terá maior poder de mercado.
Contudo, tais argumentações são respondidas de
plano, com variações do mesmo discurso: bancos maiores trazem maior segurança ao
investidor e a escala maior reduzirá os custos, o que se traduzirá em maiores
vantagens para os clientes... Mas, no fundo, trata-se do mesmo processo de
sobrevivência do sistema (capitalista): concentração do Capital.
Entre 1820 e 1914, no coração do Império britânico, o número
de bancos desmoronou de 600 para 55. Houve diversos períodos em que esse processo
se acelerou, como entre 1984 e 1989. O procedimento adotado pode ser por fusão
ou aquisição, de maneira acordada ou mediante oferta “hostil, precedidas ou não
por aliança estratégica. O objetivo pode ser até mesmo político, como obter
escala para se beneficiar de um eventual processo de privatização.
O processo de aceleração da concentração de capital, nos
EUA, teve a ver com a desregulamentação do setor. Na Europa, decorreu da
liberalização dos movimentos de capitais e de serviços bancários entre países
europeus, conseqüência da criação da União Européia.
Nas palavras de Lênin:
“Os grandes estabelecimentos, particularmente os bancos, não
só absorvem diretamente os pequenos como os "incorporam", subordinam,
incluem-nos no "seu" grupo, no seu "consórcio" - segundo o
termo técnico - por meio da "participação" no seu capital, da compra
ou da troca de ações, do sistema de créditos, etc., etc.”
Interessante notar que muitos dos colossos financeiros
surgidos após tais processos infindáveis de fusões e aquisições foram à lona
após a crise de 2008, somente sobrevivendo após a intervenção generosa dos
bancos centrais, lançando mão do orçamento público numa escala inédita na
história. De uma hora para outra o discurso oco em favor do Estado mínimo foi
esquecido. Produtos financeiros, antes propagandeados como invenções
revolucionárias eram agora rotulados como produtos “tóxicos” a serem extirpados.
A “ajuda” governamental foi oferecida sem que se precisasse
implorar aos governos: muitas daquelas instituições já controlavam as economias
nacionais onde atuavam. E não importa o sistema de governo: ditaduras ou
democracias são igualmente atingidas em seu centro de poder. Nas palavras de
Lênin:
“Ao movimentar contas correntes de vários capitalistas, o
banco realiza, aparentemente, uma operação puramente técnica, unicamente
auxiliar. Mas quando esta operação cresce até atingir proporções gigantescas,
resulta que um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e
industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições - por
meio das suas relações bancárias, das contas correntes e de outras operações
financeiras -, primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes
capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a
ampliação ou a restrição do crédito, facilitando-o ou dificultando-o, e,
finalmente, de decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar a sua
rendibilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e
em grandes proporções, etc.”
Os excedentes gerados nas indústrias, principalmente, foram
convertidos em capitais financeiros, que poderiam ser aplicados em qualquer
negócio, desde que oferecesse boas oportunidades de retorno. Lênin também
tratou disso:
“O autor divide os grandes bancos russos em dois grupos
fundamentais: a) os que funcionam segundo o “sistema de participação” e b) os
“independentes” entendendo, contudo, arbitrariamente por “ independência” a
independência em relação aos bancos estrangeiros. O autor divide o primeiro
grupo em três subgrupos: 1) participação alemã, 2) inglesa e 3) francesa,
referindo-se à “participação” e ao domínio dos grandes bancos estrangeiros da
nação em causa. Divide os capitais dos bancos em capitais de investimento
“produtivo” (no comércio e na indústria) e de investimento “especulativo”, (nas
operações bolsistas e financeiras), supondo, de acordo com o ponto de vista pequeno-burguês
reformista que lhe é próprio, que é possível sob o capitalismo separar a primeira
forma de investimento da segunda e suprimir esta última.
Estes dados mostram que, do total aproximado de 4.000
milhões de rublos que constituem o
capital “ ativo” dos grandes bancos, mais de 3/4, mais de
3.000 milhões, correspondem a bancos que, no fundo, são filiais dos bancos
estrangeiros, em primeiro lugar dos parisienses (o famoso trio bancário União
Parisiense, Banco de Paris e Países Baixos e Sociedade Geral ) e dos
berlinenses (particularmente o Banco Alemão e a Sociedade de Desconto). Dois
dos bancos russos mais importantes, o Russo (Banco Russo de Comércio Externo) e
o Internacional (Banco Comercial Internacional de São Petersburgo), aumentaram
os seus capitais, no período compreendido entre 1906 e 1912, de 44 para 98
milhões de rublos, e os fundos de reserva de 15 para 39 milhões, “trabalhando em
3/4 com capitais alemães”; o primeiro banco pertence ao “consórcio” do Banco
Alemão de Berlim; o segundo pertence à Sociedade de Desconto, da mesma capital.
(...)
O século XX assinala, pois, o ponto de viragem do velho
capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do
capital financeiro.”
Após expor os dados que o guiaram ao longo dos estudos,
Lênin assim concluía:
“Destes dados vê-se imediatamente com que força se destacam
os quatro países capitalistas mais ricos, que dispõem aproximadamente de 100 a
150 mil milhões de francos em valores. Desses quatro, dois - Inglaterra e
França são os países capitalistas mais velhos e, como veremos, os mais ricos em
colônias; os outros dois - os Estados Unidos e a Alemanha - são países
capitalistas avançados pela rapidez de desenvolvimento e pelo grau de difusão
dos monopólios capitalistas na produção. Os quatro juntos têm 479 mil milhões
de francos, isto é, cerca de 80 % do capital financeiro mundial. Quase todo o resto
do mundo exerce, de uma forma ou de outra, funções de devedor e tributário
desses países, banqueiros internacionais, desses quatro “pilares” do capital
financeiro mundial.”
Após apenas 13 anos da publicação dos textos de Lênin, o
mundo viria a Crise de 1929, deflagrada exatamente por uma crise bancária. A
origem da crise tem como um dos pilares a ausência de distinção entre bancos
comerciais e bancos de investimento, o que permitia aos bancos comerciais
investirem seus próprios recursos e recursos de terceiros em atividades
bastante arriscadas.
Como conseqüência lógica, a saída crise se fez acompanhar de
todo um conjunto de leis reguladoras que não mais permitiriam aos bancos agirem
como antes. A principal destas leis atendia pelo nome de Glass-Steagall Act –
GSA –, aprovado em 1933. Os bancos teriam apenas 1 ano para decidirem se
pretendiam atuar no mercado de crédito, ou no mercado de investimentos.
Essas limitações foram relativamente superadas pela criação
de Holdings interestaduais que abarcavam entidades de ambas atividades, mas sem
sombra de dúvidas trouxe segurança ao cidadão.
Após a II Grande Guerra, o foco se voltou para o mercado de
seguros, levando à promulgação da Bank Holding Company Act – BHC -, de 1956.
Pois bem, a década de 1980 veria Reagan e Thatcher trazendo
os ventos do neoliberalismo. No fim daquela década, via-se a implosão do
império soviético. Nesse ambiente, poucas coisas floresceram mais do que a
desregulamentação bancária.
A década de 1990 veria a desconstrução de todo aquele
aparato legal. Sob Clinton, o Riegel-Neal Interstate Banking and Branching
Efficiency Act, de 1994, focou na desregulamentação das fusões e aquisições. O
Gramm-Leach-Blibey Act, de 1999, levou este processo ainda mais longe. Tudo no
mais fiel espírito do Consenso de Washington: disciplina fiscal, redução dos
gastos públicos, reforma tributária liberalizante, juros e câmbio balizados
pelo mercado, abertura comercial, fim das restrições aos investimentos
externos, privatizações, desregulamentação do mercado financeiro e do mercado
de trabalho.
A conseqüência mais imediata foi a criação de valores
financeiros completamente desvinculados da economia real: a partir de agora o
mundo do trabalho estava formalmente voltado para a criação de valores a serem
usados em investimentos especulativos; e estes investimentos passaram a contar
com todo um arcabouço de produtos financeiros que inflaram as Bolsas de Valores
de todo o mundo.
Metais preciosos, alimentos, energia, times de futebol, tudo
estava sujeito à especulação em escala global. Obrigações, ações, derivativos,
produtos estruturados, diversos tipos de papéis davam o suporte a essas
operações. O número de Bolsas de Valores explodiu em todo o mundo.
As conseqüências eram óbvias: redução da parte dos orçamentos
públicos dedicados às necessidades da sociedade (saúde, educação, etc.),
aumento da renda advinda do capital (mediante aumento da tributação da renda
advinda do trabalho), transferência para a iniciativa provada de todas as
atividades estatais lucrativas, extinção das diversas vitórias obtidas pelos
trabalhadores ao longo do século XX.
Após verterem todos esses recursos no mercado de
investimentos (ou melhor, especulação), este conseguiu a proeza de superar todo
o PIB mundial. Nos últimos 20 anos, os recursos negociados em Bolsa aumentaram
5 vezes mais depressa do que o PIB mundial. Nos EUA, esse valor, que representava
43% do PIB em 1981, saltou para 180% em 1999.
Este processo teve a ajuda providencial das crises de dívida
que afligiram os países em desenvolvimento, após receberem soberbos empréstimos
dos países centrais. A crise dos anos 1980 levou à inversão dos fluxos de
capitais, que agora se movimentavam em direção ao Norte. Outro processo nesse
sentido foi a entrada em cena dos petrodólares e de todo o mecanismo que
permitia sua reciclagem.
Pois bem: a razão entre o Capital especulativo e o Capital
produtivo é extremamente ameaçadora. O aumento do primeiro levará o sistema a
focar neste, em detrimento do setor produtivo, o responsável pela criação dos
bens e serviços que atendem a sociedade. Por conseguinte, os países
capitalistas desenvolvidos passarão a conviver com taxas cada vez mais altas de
desemprego; enquanto suas contrapartes mais pobres sofrerão com níveis cada vez
mais altos de repressão contra a sociedade, com o fim de mantê-la no nível da
mais absoluta subserviência, no limite da escravidão.
Deve-se ainda citar o caso dos tipos de investimentos que
correm por fora das Bolsas, como os CDS – Credit Defalt Swaps: o risco de
crédito de um setor é amenizado por um seguro (ou resseguro), mediante
pagamento de dado montante. Se tudo correr bem, ótimo! Mas, se ocorrer inadimplemento,
o detentor do CDS ou vai à falência, ou são resgatados pelo governo. Esses
títulos arriscados e sem qualquer controle somavam 60 trilhões de dólares em
2007.
Grande parte das negociações envolvendo os papéis citados
ocorre em paraísos fiscais, também chamados de CFOs – Centros Financeiros
Offshore: Estados, Regiões Autônomas, bairros ou mesmo ruas onde legalmente se
criam empresas de qualquer ramo, quer servem exclusivamente para movimentar
capitais, legais ou ilegais. Seus atrativos são o sigilo bancário absoluto e a
ausência de impostos. Enfim, para alguns, o real paraíso. Estão nesse grupo
desde a Região Autónoma da Madeira, até a Suíça e o Luxemburgo. Segundo o
próprio FMI, tais Centros são fator de instabilidade global, especialmente em
razão de sua falta de transparência. Aliás, segundo o mesmo FMI, Londres, Nova Iorque
ou Tóquio podem ser classificados como CFOs.
Como comparativo, as Ilhas Caimã contam como 600 bancos lá
sediados, 800 companhias de seguros, 25 mil trusts cerca de 5 mil fundos de
investimentos. Como citara Barack Obama em sua campanha, apenas o edifício
Ugland House era sede de 18 mil empresas. Aliás, as regras lá estabelecidas são
bastante semelhantes à do Estado de Delaware, nos EUA, que abriga mais de 500
mil empresas; cerca de metade das companhias norte-americanos que negociam
ações têm sede em Delaware. Um edifício apenas abriga mais de 200 mil empresas –
no papel, claro.
Por fim, deve-se deixar claro que as Ilhas Caimã abrigam
também diversos órgãos do governos dos EUA, instituições privadas com
atividades reconhecidamente legais e até um fundo de investimento do Banco
Mundial – e a ilha é território do Reino Unido.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Pobres e Ricos: globalização e neoliberalismo”
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