Pesquisar as postagens

segunda-feira, 25 de junho de 2018

TRIBOS EM GUERRA EM 1965 – LEGIÃO URBANA



Renato Russo, assim como todos os roqueiros vindos de Brasília nos anos 1980, pertencia a uma família da elite do serviço público, diretamente beneficiada após o Golpe Militar de 1964. Daí ser ele um dos filhos da “revolução” (ou golpe de 1964), e que também se pôs contra a mesma, após adquirir consciência do que de fato se tratava de fato aquilo tudo.
Essa música reflete um pouco da conflito mental e social que acompanhou aquela geração.


1965 (Duas Tribos) - Legião Urbana

Vou passar
Quero ver
Volta aqui
Vem você

Esse trecho apresenta o conflito entre dois grupos opostos. Um ameaça, o outro se opõe.

Como foi?
Nem sentiu

Aqui, um dos polos em conflito realizou o que queria, ao mesmo tempo em que demonstra uma indiferença flagrante em relação às consequências dos seus atos.

Se era falso
Ou fevereiro
Temos paz
Temos tempo
Chegou a hora
E agora é aqui

A palavra “falso” faz referência à data de 1º de abril, data do Golpe de 1964. “Fevereiro” faz referência ao carnaval. Como a letra fala em 1965, apenas um ano após o Golpe, certamente ainda havia muitas dúvidas sobre a qualidade do Golpe militar. Foi bom ou foi ruim para o país?

Cortaram meus braços
Cortaram minhas mãos
Cortaram minhas pernas

Claras referências à censura, nos dois primeiros versos, e à tortura, no terceiro, de opositores ao Regime que se instalou no país.

Num dia de verão
Num dia de verão
Num dia de verão

Aqui, uma referência ao AI 5, que seria promulgado em dezembro de 1968.

Podia ser meu pai
Podia ser meu irmão

Aqui, a aleatoriedade com que se abatiam vítimas. Qualquer um que ousasse expressar suas ideias poderia ajudar a engrossar a fileira dos “desaparecidos”.

Não se esqueça
Temos sorte
E agora é aqui

Nesse trecho, lemos o alívio de quem não se vitimou naquele período e estava vendo o fim daqueles anos de chumbo. Agora, estariam vendo o início de um futuro brilhante...

Quando querem transformar
Dignidade em doença?
Quando querem transformar
Inteligência em traição?
Quando querem transformar
Estupidez em recompensa?
Quando querem transformar
Esperança em maldição?

Os versos acima mostram o pior dos efeitos colaterais que regimes autoritários têm sobre as pessoas: o clima social de perseguição, denuncismo, ameaças veladas ou `{as claras, levam pessoas covardes, sem convicção e especialmente ignorantes a ocuparem cargos e postos sociais muito importantes, em detrimentos de pessoas corajosas e convictas de suas ideias.
Ao cabo desses anos de repressão, tem-se uma sociedade formada por pessoas que não têm coragem de expor suas ideias, que temem até o vizinho e que rejeitam o conhecimento, como algo insalubre.

É o bem contra o mal
E você de que lado está?
Estou do lado do bem
E você de que lado está?
Estou do lado do bem
Com a luz e com os anjos

Aqui fica claro o conflito que a letra procura abordar. Existe um lado, que ele considera o lado do bem, e o outro, certamente aquele identificado com as torturas, censura etc.

Mataram um menino
Tinha arma de verdade
Tinha arma nenhuma
Tinha arma de brinquedo

Aqui, uma referência à pobreza  e à violência que levam ao assassinato de milhares de pessoas todos os anos. Deve-se lembrar de que aquele período viu uma ascensão vertiginosa de esquadrões da morte e de grupos paramilitares que atuavam à sombra da lei.
A discussão dos dois últimos versos reflete a disputa na sociedade entre os que apoiam um lado e o outro, na forma da estrofe anterior.

Eu tenho autorama
Eu tenho Hanna-Barbera
Eu tenho pera, uva e maçã
Eu tenho Guanabara
E modelos Revell

Os versos acima fazem oposição àqueles abordados anteriormente: aqui se trata de um menino rico, cujos pais podem comprar para ele os brinquedos mais caros, frutas de clima temperado e outros objetos que traduzem status social. Uma pequena parcela da sociedade, de fato, ascendeu, ao contrário da maioria, vitimada pelo aumento extraordinário da desigualdade social.

O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país

Aqui, a repetição da frase de Stefan Zweig, que serviu de título a sua obra escrita nestes “tristes trópicos” (frase de Levy-Stauss). Embora surrada, ainda suscita alguma esperança nesses tupiniquins.

Em toda e qualquer situação
Eu quero tudo pra cima
Pra cima, pra cima

A canção termina com uma característica bem brasileira: a alegria que tem de ser demonstrada em todos os momentos e situações. Mesmo naquelas circunstâncias mais sérias, que demandam um comportamento mais sisudo.
Afinal, esta característica dos brasileiros é positiva ou negativa para que cheguemos a esse futuro promissor? O Brasil é o país do futuro ou da alegria imotivada? É o paradoxo deixado por Renato Russo.


Rubem L. de F. Auto

Nenhum comentário:

Postar um comentário