Em seus ensinamentos
presentes em “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, de 1916, Lênin lecionou:
“A propriedade privada
baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência, a democracia,
todas essas palavras de ordem por meio das quais os capitalistas e a sua
imprensa enganam os operários e os camponeses, pertencem a um passado distante.
O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de
estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um
punhado de países «avançados». A partilha desse «saque» efetua-se entre duas ou
três potências rapaces, armadas até aos dentes (América, Inglaterra, Japão),
que dominam o mundo e arrastam todo o planeta para a sua guerra pela partilha
do seu saque.”
Em plena concentração do
capital, no debute do século XX, percebemos que a concentração da indústria,
seguida da concentração dos bancos, levou à criação do capital financeiro e à
sua exportação para todo o globo. Ao modo que acharam para tanto, chamamos de
partilha do mundo. Não pela propriedade propriamente dita, mas por áreas de
influência.
Lênin analisou a economia
alemã da época para tirar suas próprias conclusões:
“O enorme incremento da
indústria e o processo notavelmente rápido de concentração da produção em
empresas cada vez maiores constituem uma das particularidades mais
características do capitalismo.
Na Alemanha, por exemplo,
em cada 1000 empresas industriais, em 1882, 3 eram grandes empresas, quer
dizer, empregavam mais de 50 operários assalariados; em 1895 eram 6, e 9 em
1907. De cada 100 operários correspondiam-lhes, respectivamente, 22, 30 e 37.
Mas a concentração da produção é muito mais intensa do que a dos operários,
pois o trabalho nas grandes empresas é muito mais produtivo, como indicam os
dados relativos às máquinas a vapor e aos motores elétricos. Se considerarmos
aquilo a que na Alemanha se chama indústria no sentido lato desta palavra, quer
dizer, incluindo o comércio, as vias de comunicação, etc., obteremos o seguinte
quadro: grandes empresas, 30.588 num total de 3.265.623, isto é, apenas 0,9 %.
Nelas estão empregados 5.700.000 operários, num total de 14.400.000, isto é,
39,4 %; cavalos-vapor, 6.600.000 para um total de 8.800.000, ou seja, 75,3 %;
energia elétrica, 1.200.000 quilowatts para um total de 1.500.000, ou seja,
77,2 %. Menos da centésima parte das empresas tem mais de 3/4 da quantidade
total da força motriz a vapor e elétrica! Aos 2.970.000 pequenos
estabelecimentos (até 5 operários assalariados), que constituem 91% de todas as
empresas, correspondem unicamente 7% da energia elétrica e a vapor! Algumas
dezenas de milhares de grandes empresas são tudo, os milhões de pequenas
empresas não são nada.”
O quadro acima ficou
completo com o surgimento dos Cartéis e Trusts: grandes empresas estabelecem
acordos entre si, por meio dos quais controlam os preços de custo de
matérias-primas, ou forçam empresas não cartelizadas a vender seus produtos
abaixo do custo de produção, ou definiam níveis de produção, manipulando oferta
e preços.
Países europeus e os EUA
proibiram tais cartéis, mas na prática eles continuavam existindo e atuando
quase sem amarras.
No entanto, não se deve pensar
que tais acordos surgiam pacificamente. Lênin citou o economista alemão
Kertner, de “Da coação à organização”, em que o autor listava os meios usados
pelas organizações em sua luta “moderna, atual, civilizada”: privação de
matérias-primas; privação de mão-de-obra, acordos entre capitalistas e
operários no sentido de fazer com que estes só aceitassem ofertas de emprego dos
proponentes, privação de meios de transporte, dumping, privação de acesso ao
crédito e boicote.
O exemplo trazido por
Lênin para ilustrar suas assertivas foi o da indústria elétrica:
“A indústria elétrica é a
mais típica, do ponto de vista dos últimos progressos da técnica, para o capitalismo
de fins do século XIX e princípios do século XX. E, entre os novos países
capitalistas, adquiriu maior impulso nos dois mais avançados, os Estados Unidos
e a Alemanha. Na Alemanha, a crise de 1900 contribuiu particularmente para a
concentração deste ramo da indústria. Os bancos, que nessa época se encontravam
já bastante ligados à indústria, aceleraram e aprofundaram ao mais alto grau,
durante essa crise, a ruína das empresas relativamente pequenas, a sua absorção
pelas grandes (...)
Como resultado, a
concentração avançou, depois de 1900, a passos de gigante. Até 1900 tinham
existido 7 ou 8 “grupos” na indústria elétrica; cada um era composto por várias
sociedades (no total havia 28” e por detrás de cada um havia 2 a 11 bancos. Por
volta de 1908-1912 todos esses grupos se fundiram em um ou dois (...)
A famosa AEG (Sociedade Geral
de Eletricidade), assim desenvolvida, exerce o seu domínio sobre 175 ou 200
sociedades (através do sistema de “participação”) e dispõe de um capital total
de cerca de 1500 milhões de marcos. Só no estrangeiro conta com 34
representações diretas, 12 das quais são sociedades anônimas estabelecidas em
mais de dez países. já em 1904 calculava-se que os capitais investidos pela
indústria elétrica alemã no estrangeiro ascendiam a 233 milhões de marcos, dos quais
62 milhões na Rússia. Escusado será dizer que a Sociedade Geral de Eletricidade
constitui uma
gigantesca empresa
“combinada” - só o número das suas sociedades fabris é de 16 - que produz os mais
variados artigos, desde cabos e isoladores até automóveis e aparelhos de
aviação.”
A marinha mercante não
escapou desse processo de concentração:
“Na marinha mercante, o
gigantesco processo de concentração conduziu também à partilha do mundo. Na
Alemanha destacaram-se duas grandes sociedades: Hamburg-Amerika e a Lloyd da Alemanha
do Norte, com um capital de 200 milhões de marcos (ações e obrigações) cada
uma, e possuindo barcos num valor de 185 a 189 milhões de marcos. Por outro
lado, foi fundado na América, em 1 de janeiro de 1903, o chamado trust Morgan,
a Companhia Internacional de Comércio Marítimo, que agrupa nove companhias de
navegação americanas e inglesas, e dispõe de um capital de 120 milhões de
dólares (480 milhões de marcos). Já em 1903 foi assinado um contrato sobre a
partilha do mundo entre os colossos alemães e esse trust anglo-americano no que
se refere à partilha dos lucros. As sociedades alemãs renunciaram a entrar em
concorrência nos transportes entre a Inglaterra e a América. Fixaram-se
taxativamente os portos “reservados” a cada um, criou-se um comitê de controlo comum,
etc. O contrato foi concluído para vinte anos, com a prudente reserva de que
perderia a validade em caso de guerra.”
Mesmo no entre-guerras esse
processo se manteve, apenas foi abrandado pela Crise de 1929. O processo pós-II
Grande Guerra levou à concepção das transnacionais e multinacionais atuais, que
correspondem a grande parcela do PIB mundial.
Possuindo tamanho poder,
esses entes fazem serem aprovados diversos mecanismos de desregulação que lhes
favorecem sobremaneira, como: abertura para investimentos no exterior, fim de
procedimentos de emissão de autorização, desregulamentação de exigências de
investimentos de capitais nacionais ao lado daqueles internacionais, dentre
outros.
Naomi Klein fez um
paralelo interessante entre os movimentos do capital em tempos recentes e
aqueles da época do outro filósofo neoliberal Adam Smith:
“O movimento que Milton
Friedman lançou na década de 1950 é mais bem compreendido se visto como uma
tentativa por parte do capital das multinacionais de recapturar as fronteiras
sem leis e altamente lucrativas que Adam Smith, o antepassado intelectual dos
neoliberais de hoje, tanto admirava – mas com uma variação. Em vez de viajar
pelas “nações selvagens e bárbaras" ”e Smith onde não existiam as leis
ocidentais (pois já não eram uma opção prática), este movimento optou pelo
desmantelamento sistemático das leis e regulamentos existentes para recriar
essa desordem primordial. E enquanto os colonizadores de Smith obtiveram os
seus lucros recorde ao tomarem posse do que era descrito como “terras desoladas”
por “uma ninharia”, as multinacionais modernas vêem os programas governamentais
os ativos públicos e tudo o que não está à venda como terreno para ser
conquistado e tomado – os correios, os parques nacionais, as escolas, a
segurança social, o alívio de desastres e tudo o mais que seja administrado
pelo governo.”
Privatização e abertura
comercial de países antes refratários à entrada de capitais vindos do exterior
foram apenas contribuições a esse processo quase irresistível.
Nesse sentido, as
atividades comerciais foram as primeiras a exceder as fronteiras nacionais; em
seguida vieram as atividades de produção. Pesquisa e desenvolvimento da gestão permaneceram
nas matrizes.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Pobres e
ricos: globalização ou neoliberalismo”
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