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quarta-feira, 6 de junho de 2018

COMO A “MÃO INVISÍVEL” SUMIU E RESSURGIU NO SEU BOLSO!


Em seus ensinamentos presentes em “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, de 1916, Lênin lecionou:

“A propriedade privada baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência, a democracia, todas essas palavras de ordem por meio das quais os capitalistas e a sua imprensa enganam os operários e os camponeses, pertencem a um passado distante. O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países «avançados». A partilha desse «saque» efetua-se entre duas ou três potências rapaces, armadas até aos dentes (América, Inglaterra, Japão), que dominam o mundo e arrastam todo o planeta para a sua guerra pela partilha do seu saque.


Em plena concentração do capital, no debute do século XX, percebemos que a concentração da indústria, seguida da concentração dos bancos, levou à criação do capital financeiro e à sua exportação para todo o globo. Ao modo que acharam para tanto, chamamos de partilha do mundo. Não pela propriedade propriamente dita, mas por áreas de influência.

Lênin analisou a economia alemã da época para tirar suas próprias conclusões:

“O enorme incremento da indústria e o processo notavelmente rápido de concentração da produção em empresas cada vez maiores constituem uma das particularidades mais características do capitalismo.

Na Alemanha, por exemplo, em cada 1000 empresas industriais, em 1882, 3 eram grandes empresas, quer dizer, empregavam mais de 50 operários assalariados; em 1895 eram 6, e 9 em 1907. De cada 100 operários correspondiam-lhes, respectivamente, 22, 30 e 37. Mas a concentração da produção é muito mais intensa do que a dos operários, pois o trabalho nas grandes empresas é muito mais produtivo, como indicam os dados relativos às máquinas a vapor e aos motores elétricos. Se considerarmos aquilo a que na Alemanha se chama indústria no sentido lato desta palavra, quer dizer, incluindo o comércio, as vias de comunicação, etc., obteremos o seguinte quadro: grandes empresas, 30.588 num total de 3.265.623, isto é, apenas 0,9 %. Nelas estão empregados 5.700.000 operários, num total de 14.400.000, isto é, 39,4 %; cavalos-vapor, 6.600.000 para um total de 8.800.000, ou seja, 75,3 %; energia elétrica, 1.200.000 quilowatts para um total de 1.500.000, ou seja, 77,2 %. Menos da centésima parte das empresas tem mais de 3/4 da quantidade total da força motriz a vapor e elétrica! Aos 2.970.000 pequenos estabelecimentos (até 5 operários assalariados), que constituem 91% de todas as empresas, correspondem unicamente 7% da energia elétrica e a vapor! Algumas dezenas de milhares de grandes empresas são tudo, os milhões de pequenas empresas não são nada.”  


O quadro acima ficou completo com o surgimento dos Cartéis e Trusts: grandes empresas estabelecem acordos entre si, por meio dos quais controlam os preços de custo de matérias-primas, ou forçam empresas não cartelizadas a vender seus produtos abaixo do custo de produção, ou definiam níveis de produção, manipulando oferta e preços.
Países europeus e os EUA proibiram tais cartéis, mas na prática eles continuavam existindo e atuando quase sem amarras.

No entanto, não se deve pensar que tais acordos surgiam pacificamente. Lênin citou o economista alemão Kertner, de “Da coação à organização”, em que o autor listava os meios usados pelas organizações em sua luta “moderna, atual, civilizada”: privação de matérias-primas; privação de mão-de-obra, acordos entre capitalistas e operários no sentido de fazer com que estes só aceitassem ofertas de emprego dos proponentes, privação de meios de transporte, dumping, privação de acesso ao crédito e boicote.

O exemplo trazido por Lênin para ilustrar suas assertivas foi o da indústria elétrica:

“A indústria elétrica é a mais típica, do ponto de vista dos últimos progressos da técnica, para o capitalismo de fins do século XIX e princípios do século XX. E, entre os novos países capitalistas, adquiriu maior impulso nos dois mais avançados, os Estados Unidos e a Alemanha. Na Alemanha, a crise de 1900 contribuiu particularmente para a concentração deste ramo da indústria. Os bancos, que nessa época se encontravam já bastante ligados à indústria, aceleraram e aprofundaram ao mais alto grau, durante essa crise, a ruína das empresas relativamente pequenas, a sua absorção pelas grandes (...)

Como resultado, a concentração avançou, depois de 1900, a passos de gigante. Até 1900 tinham existido 7 ou 8 “grupos” na indústria elétrica; cada um era composto por várias sociedades (no total havia 28” e por detrás de cada um havia 2 a 11 bancos. Por volta de 1908-1912 todos esses grupos se fundiram em um ou dois (...)

A famosa AEG (Sociedade Geral de Eletricidade), assim desenvolvida, exerce o seu domínio sobre 175 ou 200 sociedades (através do sistema de “participação”) e dispõe de um capital total de cerca de 1500 milhões de marcos. Só no estrangeiro conta com 34 representações diretas, 12 das quais são sociedades anônimas estabelecidas em mais de dez países. já em 1904 calculava-se que os capitais investidos pela indústria elétrica alemã no estrangeiro ascendiam a 233 milhões de marcos, dos quais 62 milhões na Rússia. Escusado será dizer que a Sociedade Geral de Eletricidade constitui uma
gigantesca empresa “combinada” - só o número das suas sociedades fabris é de 16 - que produz os mais variados artigos, desde cabos e isoladores até automóveis e aparelhos de aviação.”


A marinha mercante não escapou desse processo de concentração:

“Na marinha mercante, o gigantesco processo de concentração conduziu também à partilha do mundo. Na Alemanha destacaram-se duas grandes sociedades: Hamburg-Amerika e a Lloyd da Alemanha do Norte, com um capital de 200 milhões de marcos (ações e obrigações) cada uma, e possuindo barcos num valor de 185 a 189 milhões de marcos. Por outro lado, foi fundado na América, em 1 de janeiro de 1903, o chamado trust Morgan, a Companhia Internacional de Comércio Marítimo, que agrupa nove companhias de navegação americanas e inglesas, e dispõe de um capital de 120 milhões de dólares (480 milhões de marcos). Já em 1903 foi assinado um contrato sobre a partilha do mundo entre os colossos alemães e esse trust anglo-americano no que se refere à partilha dos lucros. As sociedades alemãs renunciaram a entrar em concorrência nos transportes entre a Inglaterra e a América. Fixaram-se taxativamente os portos “reservados” a cada um, criou-se um comitê de controlo comum, etc. O contrato foi concluído para vinte anos, com a prudente reserva de que perderia a validade em caso de guerra.”


Mesmo no entre-guerras esse processo se manteve, apenas foi abrandado pela Crise de 1929. O processo pós-II Grande Guerra levou à concepção das transnacionais e multinacionais atuais, que correspondem a grande parcela do PIB mundial.

Possuindo tamanho poder, esses entes fazem serem aprovados diversos mecanismos de desregulação que lhes favorecem sobremaneira, como: abertura para investimentos no exterior, fim de procedimentos de emissão de autorização, desregulamentação de exigências de investimentos de capitais nacionais ao lado daqueles internacionais, dentre outros.

Naomi Klein fez um paralelo interessante entre os movimentos do capital em tempos recentes e aqueles da época do outro filósofo neoliberal Adam Smith:

“O movimento que Milton Friedman lançou na década de 1950 é mais bem compreendido se visto como uma tentativa por parte do capital das multinacionais de recapturar as fronteiras sem leis e altamente lucrativas que Adam Smith, o antepassado intelectual dos neoliberais de hoje, tanto admirava – mas com uma variação. Em vez de viajar pelas “nações selvagens e bárbaras" ”e Smith onde não existiam as leis ocidentais (pois já não eram uma opção prática), este movimento optou pelo desmantelamento sistemático das leis e regulamentos existentes para recriar essa desordem primordial. E enquanto os colonizadores de Smith obtiveram os seus lucros recorde ao tomarem posse do que era descrito como “terras desoladas” por “uma ninharia”, as multinacionais modernas vêem os programas governamentais os ativos públicos e tudo o que não está à venda como terreno para ser conquistado e tomado – os correios, os parques nacionais, as escolas, a segurança social, o alívio de desastres e tudo o mais que seja administrado pelo governo.”


 Finalmente, os progressos das técnicas de comunicação e dos transportes facilitaram a gestão e a circulação de matérias-primas e bens manufaturados, condições necessárias para que as empresas pudessem deslocar-se para os países de mão-de-obra barata. O estabelecimento de acordos em matéria de proteção de investimentos e de isenções fiscais permitiu um maior lucro aos bancos e às empresas que se lançaram nesse processo de expansão internacional.

Privatização e abertura comercial de países antes refratários à entrada de capitais vindos do exterior foram apenas contribuições a esse processo quase irresistível.  

Nesse sentido, as atividades comerciais foram as primeiras a exceder as fronteiras nacionais; em seguida vieram as atividades de produção. Pesquisa e desenvolvimento da gestão permaneceram nas matrizes.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Pobres e ricos: globalização ou neoliberalismo”


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