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quarta-feira, 27 de junho de 2018

I CAN`T GET NO DITADURA – ROLLING STONES NO BRASIL, SÓ QUE NÃO




Com torturas, prisões arbitrárias e desaparecimentos, a Ditadura Militar manchou de sangue e repressão a história recente do nosso país. Isso se aprende na escola, mas o que poucos sabem é que o autoritarismo do regime impediu os Rolling Stones de fazerem seu primeiro show no Brasil em 1975. Na época, a banda estava divulgando o álbum It’s Only Rock ‘n Roll (1974) com a Tour of the Americas, a primeira turnê em que participou o guitarrista Ron Wood.

Se não fosse pelos militares, a história do rock no Brasil seria outra, pois os Stones já tinham uma forte relação com nosso país que poderia ter sido mais profunda ainda. Segundo o livro Sexo, Drogas e Rolling Stones, foi no dia 6 de janeiro de 1968 que Mick Jagger e sua esposa Marianne Faithful vieram pela primeira vez ao Rio de Janeiro, hospedando-se no Copacabana Palace com os nomes de Michael Phillip e Marianne Evelyn Dunbar. O casal passou cerca de um mês entre o Rio e a Bahia, onde Mick se envolveu bastante com a cultura do candomblé, uma vivência determinante para a sonoridade de “Sympathy For The Devil”, lançada no Beggars Banquet (1968).

Em dezembro do mesmo ano, Mick e Marianne voltaram para cá com Keith Richards e sua mulher Anita Pallenberg em um navio que saiu de Lisboa. Foi nessa viagem que surgiu o apelido “Glimmer Twins”, que Mick e Keith usam para se referir a si mesmos até hoje. Os quatro desembarcaram no Rio (onde Anita descobriu que estava grávida do primeiro filho de Keith, Marlon Richards) e, depois de lá, foram para Matão, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Lá, eles passaram cerca de 15 dias na Fazenda Boa Vista, propriedade do banqueiro Walter Moreira Salles. Como os Stones conheceram o banqueiro e o que eles foram fazer lá, ainda é um mistério. Sabe-se apenas que eles compuseram “Country Honk” (que virou “Honky Tonk Women”) nessa fazenda. “[A música] foi composta num violão acústico e me lembro do lugar porque cada vez que dava descarga no banheiro apareciam uns sapos pretos pulando – uma imagem interessante”, relata Keith em sua autobiografia, Vida (2010). Depois de Matão, eles passaram ainda por Araraquara, Ouro Preto e Belo Horizonte.

Cinco anos depois disso, Mick Jagger voltou ao Rio com sua nova esposa, Bianca Jagger, ocasião em que gravou uma música chamada “Scarlet” com vários músicos de estúdio (dentre eles, Dadi Carvalho, baixista dos Novos Baianos). Infelizmente, essa gravação nunca saiu em lugar nenhum. Em janeiro de 1974, Mick Taylor, o guitarrista que substituiu Brian Jones em 1969, passou meses no Rio de Janeiro e conheceu também Manaus. Ele só ficou na banda até dezembro daquele ano, sendo substituído por Ron Wood, que está na banda até hoje. Seria com essa formação que os Stones se apresentariam em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1975.

Acontece que, de 29 de maio a 1 de junho daquele ano, São Paulo sediou um dos maiores festivais de rock que o Brasil já tinha visto até então: o Banana Progressyva. Na ocasião, 16 grupos se apresentaram no auditório da Fundação Getúlio Vargas, dentre eles Erasmo Carlos, Hermeto Pascoal e várias lendas do rock psicodélico/progressivo brasileiro, como A Bolha, Barca do Sol e Som Nosso de Cada Dia. Quem organizou esse evento foi Fernando Tibiriçá, com sua produtora Trinka e quem também estava lá era Alberto Byington Jr., presidente da gravadora Continental. A história dos Rolling Stones e do Banana Progressyva se cruzam no momento em que, ao ver o sucesso do festival, Alberto foi aos bastidores do evento convidar Fernando Tibiriçá para produzir um show dos ingleses em São Paulo naquele mesmo ano.

Conversamos com o Fernando sobre isso e, a partir daqui, ele próprio pode contar melhor essa história.
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Mas as negociações do show começaram em junho mesmo? Logo depois do Banana você já começou a negociar isso com o Alberto?
Isso, foi caminhando de uma forma mais ou menos lenta por causa até da comunicação da época. Eu estava colocando à disposição uma estrutura pra que os Stones ficassem bem hospedados, fossem bem tratados, tivessem um local onde pudessem fazer o evento com bons equipamentos – ainda que a maior parte do equipamento viria com a banda. Mas precisava-se de garantias financeiras e garantias em geral. E, nessa hora de garantias, surgiu a história de que eles não poderiam fazer o que bem entendessem.

Quanto tempo demorou para se saber isso?
A coisa foi se diluindo no segundo semestre de 1975, não sei dizer exatamente se foi por volta de setembro ou outubro que já tinha-se como certo que era impossível eles virem. Teve aquele momento da euforia, que correu junho e julho, negociações em agosto e, a partir de setembro, foi se sentindo que era inviável, praticamente impossível, por causa das condições que ele tinham. Veja bem, vários outros artistas já tinha estado no Rio de Janeiro fazendo grandes festas, se drogando à vontade. Mas eles não expunham isso profissionalmente, não faziam promoção disso. O projeto se diluiu sem ninguém assumir a responsabilidade pelo “não”, mas também sem ninguém dizendo “Sim, vamos fazer”. Porque não dava pra encarar.

A gravadora Continental não quis defender o show até as últimas consequências?
Eu não sei, é muito difícil mencionar a Continental. Na realidade, o sistema não permitia que você entrasse em choque com ele. Se você criasse algum empecilho, perderia algum privilégio. Era difícil brigar porque o governo não permitiria que os caras fizessem putaria, orgias, bacanais, alto consumo de drogas e ainda trouxessem uma galera junto pra passar uns dias no Brasil… Isso as autoridades não permitiam. É nessa época que surge a expressão “careta” e quem era careta não fazia a menor questão de ver os Rolling Stones aqui. Hoje, se os Stones vierem, o cara que é careta vai ser um dos primeiros a comprar o ingresso. Na época, o careta não entendia isso.
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Rubem L. de F. Auto

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