Com torturas, prisões arbitrárias e desaparecimentos, a
Ditadura Militar manchou de sangue e repressão a história recente do nosso
país. Isso se aprende na escola, mas o que poucos sabem é que o autoritarismo
do regime impediu os Rolling Stones de fazerem seu primeiro show no Brasil em
1975. Na época, a banda estava divulgando o álbum It’s Only Rock ‘n Roll (1974)
com a Tour of the Americas, a primeira turnê em que participou o guitarrista
Ron Wood.
Se não fosse pelos militares, a história do rock no Brasil
seria outra, pois os Stones já tinham uma forte relação com nosso país que
poderia ter sido mais profunda ainda. Segundo o livro Sexo, Drogas e Rolling
Stones, foi no dia 6 de janeiro de 1968 que Mick Jagger e sua esposa Marianne
Faithful vieram pela primeira vez ao Rio de Janeiro, hospedando-se no
Copacabana Palace com os nomes de Michael Phillip e Marianne Evelyn Dunbar. O
casal passou cerca de um mês entre o Rio e a Bahia, onde Mick se envolveu
bastante com a cultura do candomblé, uma vivência determinante para a
sonoridade de “Sympathy For The Devil”, lançada no Beggars Banquet (1968).
Em dezembro do mesmo ano, Mick e Marianne voltaram para cá
com Keith Richards e sua mulher Anita Pallenberg em um navio que saiu de
Lisboa. Foi nessa viagem que surgiu o apelido “Glimmer Twins”, que Mick e Keith
usam para se referir a si mesmos até hoje. Os quatro desembarcaram no Rio (onde
Anita descobriu que estava grávida do primeiro filho de Keith, Marlon Richards)
e, depois de lá, foram para Matão, uma pequena cidade no interior de São Paulo.
Lá, eles passaram cerca de 15 dias na Fazenda Boa Vista, propriedade do
banqueiro Walter Moreira Salles. Como os Stones conheceram o banqueiro e o que
eles foram fazer lá, ainda é um mistério. Sabe-se apenas que eles compuseram
“Country Honk” (que virou “Honky Tonk Women”) nessa fazenda. “[A música] foi
composta num violão acústico e me lembro do lugar porque cada vez que dava
descarga no banheiro apareciam uns sapos pretos pulando – uma imagem
interessante”, relata Keith em sua autobiografia, Vida (2010). Depois de Matão,
eles passaram ainda por Araraquara, Ouro Preto e Belo Horizonte.
Cinco anos depois disso, Mick Jagger voltou ao Rio com sua
nova esposa, Bianca Jagger, ocasião em que gravou uma música chamada “Scarlet”
com vários músicos de estúdio (dentre eles, Dadi Carvalho, baixista dos Novos
Baianos). Infelizmente, essa gravação nunca saiu em lugar nenhum. Em janeiro de
1974, Mick Taylor, o guitarrista que substituiu Brian Jones em 1969, passou
meses no Rio de Janeiro e conheceu também Manaus. Ele só ficou na banda até
dezembro daquele ano, sendo substituído por Ron Wood, que está na banda até
hoje. Seria com essa formação que os Stones se apresentariam em São Paulo e no
Rio de Janeiro em 1975.
Acontece que, de 29 de maio a 1 de junho daquele ano, São
Paulo sediou um dos maiores festivais de rock que o Brasil já tinha visto até
então: o Banana Progressyva. Na ocasião, 16 grupos se apresentaram no auditório
da Fundação Getúlio Vargas, dentre eles Erasmo Carlos, Hermeto Pascoal e várias
lendas do rock psicodélico/progressivo brasileiro, como A Bolha, Barca do Sol e
Som Nosso de Cada Dia. Quem organizou esse evento foi Fernando Tibiriçá, com
sua produtora Trinka e quem também estava lá era Alberto Byington Jr.,
presidente da gravadora Continental. A história dos Rolling Stones e do Banana
Progressyva se cruzam no momento em que, ao ver o sucesso do festival, Alberto
foi aos bastidores do evento convidar Fernando Tibiriçá para produzir um show
dos ingleses em São Paulo naquele mesmo ano.
Conversamos com o Fernando sobre isso e, a partir daqui, ele
próprio pode contar melhor essa história.
(...)
Mas as negociações do show começaram em junho mesmo? Logo
depois do Banana você já começou a negociar isso com o Alberto?
Isso, foi caminhando de uma forma mais ou menos lenta por
causa até da comunicação da época. Eu estava colocando à disposição uma
estrutura pra que os Stones ficassem bem hospedados, fossem bem tratados,
tivessem um local onde pudessem fazer o evento com bons equipamentos – ainda
que a maior parte do equipamento viria com a banda. Mas precisava-se de
garantias financeiras e garantias em geral. E, nessa hora de garantias, surgiu
a história de que eles não poderiam fazer o que bem entendessem.
Quanto tempo demorou para se saber isso?
A coisa foi se diluindo no segundo semestre de 1975, não sei
dizer exatamente se foi por volta de setembro ou outubro que já tinha-se como
certo que era impossível eles virem. Teve aquele momento da euforia, que correu
junho e julho, negociações em agosto e, a partir de setembro, foi se sentindo
que era inviável, praticamente impossível, por causa das condições que ele
tinham. Veja bem, vários outros artistas já tinha estado no Rio de Janeiro
fazendo grandes festas, se drogando à vontade. Mas eles não expunham isso profissionalmente,
não faziam promoção disso. O projeto se diluiu sem ninguém assumir a
responsabilidade pelo “não”, mas também sem ninguém dizendo “Sim, vamos fazer”.
Porque não dava pra encarar.
A gravadora Continental não quis defender o show até as
últimas consequências?
Eu não sei, é muito difícil mencionar a Continental. Na
realidade, o sistema não permitia que você entrasse em choque com ele. Se você
criasse algum empecilho, perderia algum privilégio. Era difícil brigar porque o
governo não permitiria que os caras fizessem putaria, orgias, bacanais, alto
consumo de drogas e ainda trouxessem uma galera junto pra passar uns dias no
Brasil… Isso as autoridades não permitiam. É nessa época que surge a expressão
“careta” e quem era careta não fazia a menor questão de ver os Rolling Stones
aqui. Hoje, se os Stones vierem, o cara que é careta vai ser um dos primeiros a
comprar o ingresso. Na época, o careta não entendia isso.
(...)
Rubem L. de F. Auto
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