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terça-feira, 19 de junho de 2018

FÉ CEGA, FACA AFIADA



Em seu julgamento no Tribunal de Nuremberg, Adolf Eichmann se defendeu das acusações desferidas contra si com a seguinte afirmação: “Só estava cumprindo ordens.”

Quando questionados sobre o massacre de civis inocentes que perpetraram em My Lai, no Vietnã, os soldados americanos sob o comando do Tenente Calley alegaram a mesma razão para seus atos.

Pois bem. Agir de modo tresloucado e cruel, como as pessoas citadas, é uma peculiaridade de homens em situação de guerra ou é algo que pode ser observado em pessoas comuns, no seu cotidiano? Parece desconcertante, mas um estudo dos anos 1970 aponta que a resposta a essa pergunta é a segunda opção.

O tal estudo foi conduzido por Stanley Milgram, em 1974, é causou muita polêmica. Os voluntários eram informados de que se tratava de um estudo sobre a aprendizagem humana. Um aluno era submetido a um teste de palavras emparelhadas. A cada erro cometido, o voluntário deveria lhe aplicar choques elétricos.

Em alguns casos, o aluno chegava a informar o experimentador de que sofria de problemas cardíacos, ao que o experimentador arguia que ele não sofreria lesões permanentes por causa dos choques.
A máquina de choques era um dispositivo medonho, com botões que indicavam choques de 15 a 450 volts, aumentando numa escala de 15 volts botão a botão. Poderiam-se ver etiquetas com as inscrições: “choque leva”; “choque intenso” e “Perigo: choque grave”. A última só indicava “XXX”.

Portanto a primeira resposta errada deveria ser punida com um choque de 15 volts. A segunda merecia um choque de 30 volts, e assim por diante. Mas nenhum dos voluntários sabia que, na verdade, o aluno do experimento era um amigo do experimentador e nenhum dos tais choques era real.

Durante os testes, os primeiros choques e até os 75 volts transcorriam sem sustos. Mas a partir dos 75 volts, o aluno começava a emitir sons doloridos. Quando já nos 120 volts, o aluno gritava ao voluntário que os choques estavam doendo muito. Aos 150 volts, o aluno gritava por misericórdia, pedindo para parar o experimento. Aos 270 volts, os gritos eram agonizantes. Era o ponto em que se caracterizava um ato de tortura conjunto.

Quando atingiam os 300 volts, o aluno berrava dizendo que já era incapaz de reconhecer os pares de palavras do desafio. Era quando o experimentador dizia ao voluntário que este deveria tratar a ausência de resposta como uma resposta incorreta, portanto deveria desferir mais uma sessão de choques. Dali em diante o voluntário já não poderia dizer se o aluno estava vivo, ou não. Embora estivesse claro que o experimento não tinha mais sentido em continuar, o voluntário ia até o final, quando então era informado de que deveria continuar usando o último botão para punir os “erros” do aluno.

Durante todo o experimento, os voluntários não eram impedidos de abandonar a sessão de tortura, embora o aluno estivesse amarrado na cadeira com eletrodos espalhados por seu corpo.

Dos quarenta voluntários do sexo masculino, vinte e seis não abandonaram o experimento até o fim. Para o sexo feminino, a proporção foi a mesma. Só pararam quando o experimentador mandou.

Os estudos posteriores mostraram que os experimentadores convenciam os voluntários a continuar ao convencê-los de que eram moralmente obrigados a ir até o final. E o convencimento do voluntário era decorrência do comportamento impessoal do pesquisador.

Como diria Nietzche, Eichmann era humano, demasiadamente humano...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de Psicologia”

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