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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O BALÉ CACOFÔNICO DAS MANIFESTAÇÕES DE RUA



As diversas manifestações de rua ocorridas nos EUA no final dos anos 1960, grande parte reprimida com exagerada violência pela polícia e pelas tropas federais enviadas ás cidades mais conflagradas, inspiraram diversas canções. Essa é uma daquelas de sucesso mais duradouro.
As pessoas a se manifestarem são referidas como dançarinos desfilando pelas ruas. Ao longo da letra, são citadas as cidades onde ocorreram protestos mais relevantes e cuja violência foi marcante: Chicago, Detroit, Miami etc.


DANCING IN THE STREET – MARTHA AND THE VANDELLAS

Calling out around the world
Are you ready for a brand new beat
Summer's here
And the time is right
For dancing in the street

Gritando para o mundo
Você está pronto para uma novíssima batida
O verão chegou
E a hora é agora
Para dançar pelas ruas

They're dancing in Chicago
Down in New Orleans
Up in New York City

Estão dançando em Chicago
Aqui em New Orleans
E lá em NY City

All we need is music
Sweet music
There'll be music everywhere

Todo o que precisamos é de música
Música doce
Haverá música em todo lugar

There'll be swinging
Swaying
And records playing
Dancing in the street

Haverá danças
Agitação
E gravações de discos
Dançando nas ruas

Oh
It doesn't matter what you wear
Just as long
As you are there

Oh
Não importa o que você está vestindo
Desde que
você esteja lá

So come on
Every guy
Grab a girl
Everywhere around the world
They'll be dancing
They're dancing in the street

Então, venha
Todos os garotos
Peguem uma garota
Em todos os lugares do mundo
Eles estarão dançando
Dançando pelas ruas

It's just an invitation
Across the nation
A chance for folks to meet

É só um convite
Feito à Nação
Uma chance para as pessoas se encontrarem

There'll be laughing
Singing
Music swinging
Dancing in the street

Eles estarão rindo
Cantando
Dançando a música
Dançando pelas ruas

Philadelphia, PA
Baltimore and D.C. now
Can't forget the Motor City

Filadélfia, Pensilvânia
Baltimore e Washington D.C. agora
Não se esqueçam de Detroit (Motor City)

All we need is music
Sweet music
There'll be music everywhere

Tudo de que precisamos é de música
Música doce
Haverá música em todos os lugares

There'll be swinging
Swaying
And records playing
Dancing in the street

Haverá danças
Agitação
E gravações de discos
Dançando pelas ruas

Oh
It doesn't matter what you wear
Just as long
As you are there

Oh
Não importa o que você veste
Desde que
Você esteja lá

So, come on
Every guy
Grab a girl
Everywhere
Around the world
Dancing
They're dancing in the street

(...)

Way down in L.A
Every day
(Dancing in the street)
Across the ocean blue
Me and you
We're dancing in the street
(Dancing in the street)

Lá em Los Angeles
Todos os dias
(Dançando nas ruas)
Do outro lado do Atlântico
Eu e você
Estamos dançando nas ruas
(Dançando nas ruas)


Rubem L. de F. Auto

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CANTANDO, DEITANDO E ROLANDO NA LAMA: WOODSTOCK



WOODSTOCK – JONI MITCHELL


I came upon a child of God
He was walking along the road
And I asked him, "Where are you going?"
And this he told me...

Eu me aproximei de um filho de Deus
Ele andava seguindo a estrada
E lhe perguntei, “Aonde você vai?”
E ele me respondeu isso...

I'm going on down to Yasgur's Farm
I'm gonna join in a rock and roll band
I'm gonna camp out on the land
I'm gonna get my soul free

Eu estou indo até a fazenda do Yasgur
Vou me juntar a uma banda de rock
Vou acampar no terreno
Vou libertar minha alma

We are stardust
We are golden
And we've got to get ourselves back to the Garden

Somos poeiras estelares
Somos dourados
E temos que retornar ao Paraíso

Then can I walk beside you?
I have come here to lose the smog
And I feel to be a cog in something turning

Então, podemos ir com você?
Vim aqui para me desintoxicar da poluição
E me sentir uma engrenagem de algo que gira

Well maybe it is just the time of year
Or maybe it's the time of man
I don't know who I am
But you know life is for learning

Bem, talvez seja efeito da época do ano
Ou talvez da era humana atual
Não sei quem sou
Mas você sabe, viver é aprender

We are stardust
We are golden
And we've got to get ourselves back to the garden

(...)

By the time we got to Woodstock
We were half a million strong
And everywhere there was song and celebration

Quando chegamos a Woodstock
Éramos a soma das forças de 500 mil
E por todo lado havia música e celebração

And I dreamed I saw the bombers
Riding shotgun in the sky
And they were turning into butterflies
Above our nation

E sonhei que via bombardeiros
Carregando metralhadoras pelo ar
E elas se tornavam borboletas
Sobre nossa Nação

We are stardust
Billion year old carbon
We are golden..
Caught in the devil's bargain
And we've got to get ourselves back to the garden

Somos poeiras estelares
Carbonos velhos de bilhões de anos
Somos dourados...
Pegos pela oferta do diabo
E temos todos que retornarmos a nosso jardim

(To some semblance of a garden.)

(Ou a algo que lembre o jardim)

Nesse trecho, a música fala do engarrafamento interminável que fez, literalmente, milhares de pessoas largarem seus carros na estrada e seguirem a pé até o local do espetáculo.




O festival de Woodstock levou esse nome, mas não foi realizado na cidade com esse nome, no estado de NY. Foi realizado num povoado próximo, nas terras alugadas pelo Sr. Yasgur. Emocionado, Yasgur deu um depoimento emocionado no final do evento, sendo muito aplaudido pelos presentes.


Citação da famosa frase de Sagan, faz alusão aos materiais subatômicos nascidos de supernovas. A parte do Paraíso (Jardim do Éden) faz alusão à bíblia, Adão, Eva etc. Os participantes seriam almas sem pecado, tentando retornar para a companhia de Deus, ficando longe do mundo carcomido que habitamos.



A fazenda ficava no estado de NY, mas longe da cidade poluída e agitada. Termina falando de querer se sentir parte de uma máquina que leva para frente.




Era verão, época propensa para se repensar o modo de agir. Talvez houvesse algo maior acontecendo. Fato é que Joni Mitchell não esteve em Woodstock, tendo escrito essa letra baseada apenas no relato de seu namorado, que tocou no festival.












Aqui, uma referência à famosa frase: A união faz a força.







Claro, o tema anti-guerras não poderia deixar de se fazer presente.









Devil`s bargain = dinheiro


Rubem L. de F. Auto

terça-feira, 28 de agosto de 2018

CINEMA E CONTRACULTURA – SEM ORIGEM E SEM DESTINO



O verão de 1969, nos EUA, é historicamente lembrado por um festival de bandas de rock, ocorrido numa localidade no norte do estado de NY e cuja marca ressoa ainda hoje: Woodstock. Mas não foi apenas isso.

Foi em 1969 que o homem pôs os pés na lua, em meio aos temores da Guerra Fria. Foi em 1969 que o movimento gay “saiu do armário”, numa época em que era crime ser gay em muitos estados norte americanos.  O estopim se deu em meio aos protestos em Stonewall, bar localizado no Greenwich Village, NY, cujo estopim foi uma violenta repressão policial. Foi também em 1969 que estreou a peça “Oh! Calcuta”, celebrizada por seus atores se apresentarem nus.

O ano 1969 também seria marcado pela volta das apresentações de Elvis Presley, após 10 anos longe dos palcos. Seria o ano que marcaria ainda a morte de Brian Jones, um dos fundadores dos Rolling Stones.

De memória ainda mais triste foi o brutal assassinato da esposa do cineasta polonês Roman Polanski, além de alguns convidados da mansão que alugara em Los Angeles, pelos membros da “família” do sociopata Charles Manson.

Em 1969 ocorreu uma revolução na indústria cinematográfica – e o início dessa revolução se deu de maneira completamente inesperada e surpreendente. Na década de 1940, foi produzido um desenho de Walt Disney chamado Fantasia. Não chamou a atenção e muito menos fez sucesso, mas cerca de 30 anos após foi reapresentado nas telas e causou um frisson impressionante. Os hippies correram às salas de cinema atrás do que o escritor William Zinsser descreveu nas seguintes palavras: “Disney estava nos dando uma experiência sensorial, o primeiro acontecimento lisérgico da América”. As imagens ligeiras acompanhadas da belíssima “Tocata e Fuga em Ré Menor”, de Bach, agradaram a tal ponto que a associação nacional de cinemas teve de preparar os donos das salas de exibição por meio da seguinte carta: “Não fiquem tensos em relação à plateia potencial. Eles são gente boa, cidadãos maconheiros pouco ligados em banho. A galera pirada. Eles estão aqui para uma viagem. Eles se encaminharão para as poltronas da frente, se deitarão nos corredores e em cima uns dos outros, mas bem na frente. Fumarão um baseado e oferecerão conselhos ao Mickey Mouse.”

Mas nada se compararia à pedra fundamental do novo cinema, aquele que seria o alicerce da New Hollywood, já destituída das leis que mantinham o monopólio do Studio System. Easy Rider, por aqui intitulado “Sem Destino”, chegou ao patamar de block buster tendo recebido um investimento total de singelos 500 mil dólares – faturou mais de 18 milhões ao final do primeiro ano. Após essa obra, Hollywood se esmearia em produzir filmes baratos, dando total liberdade de produção a jovens diretores, desejosos de pôr abaixo a velha ordem, exageradamente identificada com filmes que mais remetiam a uma sociedade que não sobreviveu muitos anos após a II Guerra Mundial. Agora os diretores de cinema eram barbudos, jovens recém-formados, utilizavam largamente técnicas desenvolvidas no cinema underground europeu. Simultaneamente, era revogado o código de censura que vigia desde os anos 1930. Até a sexualidade era tratada de maneira mais amena, fruto da enxurrada de filmes suecos, notadamente livres dos pudores saxões puritanos e hipócritas.
“Sem Destino” saiu da mente imaginativa de dois jovens, Peter Fonda e Dennis Hopper, produtores e atores da película. Contaram com a participação do indefectível Jack Nicholson, com quem já haviam encenado em The Trip (Viagem ao mundo da alucinação). Eram todos amigos e parceiros de roqueiros da época, usavam drogas comuns naquela época, como LSD e maconha. Peter Fonda era filho do ator veterano de Hollywood Henry Fonda. Dennis Hopper se destacara atuando ao lado de James Dean em Juventude Transviada.

“Sem Destino” quase não tinha roteiro. O filme seguia uma filmagem que lembrava os Westerns, com planos que valorizavam mais a paisagem do que os atores. Tudo proposital. O filme procurava passar uma perspectiva dos fatos políticos e sociais que haviam atormentado  a América nos últimos anos, por meio de analogias e metáforas com pessoas e paisagens da “deep America”, a América profunda.
Dois hippies, Wyatt e Billy, compram uma boa quantidade de cocaína no México e a revendem a um contato na fronteira com a Califórnia. Com o dinheiro, compram duas motos Harley-Davidson e caem na estrada em direção a New Orleans, onde pretendem curtir o carnaval local, chamado Mardi Gras. Mais à frente decidiriam seguir até a Flórida.

O tema central da obra é a liberdade, simbolizada pela cena em que os motoqueiros jogam fora seus relógios. Interessante notar que a entrada da cocaína na história tem o condão de fazer oposição às drogas mais identificadas com os movimentos hippies, como LSD e maconha. O fim desses movimentos contra culturais foi marcado pela entrada em cena de drogas pesadas e identificadas com a individualidade, com o egoísmo, como cocaína e heroína.

Ao longo da viagem, a dupla conhece alguns outros personagens. O primeiro deles é um hippie, que os apresenta a comuna (comunidade hippie autossuficiente) onde mora. Todos consomem apenas o que plantam. Ficam bem impressionados, mas reagem como a sociedade reagiu aos hippies: com uma certa indiferença. Apesar de terem se desfeito de seus relógios, a pressa e a vontade de ir em frente são irresistíveis. Na despedida, recebem um LSD de presente.

Mais à frente, entram numa confusão, após tentarem participar de um desfile a bordo de suas motos. São presos e conseguem sair da cadeia com a ajuda de um advogado, interpretado por Jack Nicholson: George Hanson. Alcoólatra, George está em meio a uma crise existencial e decide seguir viagem com a dupla. Quando param para acampar, à noite, George é apresentado à maconha. Primeiro repete o discurso proibicionista, cheio de preconceitos, diz que aquilo o levaria a drogas mais pesadas... Mas termina fumando e até se impressiona quando lhe dizem que ela não faz mal.

Finalmente na Lousiana, o agora trio enfrenta o preconceito mortal de toda uma cidade. O filme agora tenta fazer um paralelo com a maneira como a sociedade americana reagiu à contracultura em seus estertores. Ao entrarem num restaurante, são ignorados pelas atendentes e ouvem que dificilmente conseguirão sair daquele lugar. Percebem o ódio mórbido contra seus cabelos compridos, seus aspectos desgrenhados, vestindo roupas esquisitas.

Receosos, deixam o lugar e acampam no entorno da cidade. É quando George faz seu discurso, dizendo que a América era um lugar ótimo para se viver, mas agora se afundava em mares de preconceito e racismo. George defende que o povo fala muito em liberdade, mas quando se deparam com a liberdade travestida em hippies como aqueles dois, sentem medo e repulsa.

Mais tarde, o trio é atacado por alguns dos clientes do restaurante que visitaram mais cedo. Billy consegue reagir com uma faca, mas George é morto ali mesmo, enquanto Wyatt sofre um ferimento no braço. Certamente George representa todos os líderes sociais vitimados naqueles anos turbulentos.
Em New Orleans, os motoqueiros conhecem duas prostitutas num bordel local e as levam até o local de celebração do Mardi Gras. Entram num cemitério e finalmente consomem o LSD com que foram presenteados no início da jornada. As cenas da viagem lisérgica são perturbadoras, dignas de uma “bad trip”.

Por fim, decidem estender o roteiro até a Flórida. No caminho, cruzam com uma caminhonete cheia de pessoas que nutriam um ódio profundo por qualquer coisa que lembrasse um hippie. Decididos a provocar os motoqueiros, os rapazes da caminhonete de aproximam e desferem uma série de insultos. Depois, ameaçam atirar neles. Difícil não ver aqui uma referência aos confrontos entre policiais e manifestantes, cena bem comum naqueles dias.

Billy responde às provocações erguendo o dedo médio contra seus antagonistas. Enfurecido, um dos provocadores atira contra Billy,q eu cai no acostamento. Wyatt para ajudá-lo, enquanto a caminhonete faz a volta e atiram novamente, agora contra a moto de Wyatt, que explode devido ao tiro ter acertado no tanque de combustível.

A cortina abaixa pouco depois de o personagem de Peter Fonda pronunciar sua frase lapidar: “nós estragamos tudo”. Certamente uma referência ao agravamento dos conflitos sociais, que levou ao recrudescimento da reação conservadora, a cargo de reacionários de plantão, a postos em todos os grotões do país – mas não só lá...


Rubem L. de F. Auto

Fontes: O Som da Revolução

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

REAÇÃO CONSERVADORA – REAGANITES SOBRE JIM MORRISON



Após anos de sucesso e de muita polêmica, o que lhes era inerente, a banda The Doors foi contratada para um show na Flórida, em Miami. Seu vocalista, Jim Morrison, era natural da Flórida, embora nunca tivesse retornado para lá após se mudar para Los Angeles, em 1965.

Talvez por contrariedade, Morrison perdeu o voo ao lado da banda. Teve de embarcar no avião seguinte, embarque esse precedido de muita bebedeira no saguão do aeroporto. Até chegar ao destino, Jim ainda aumentaria muito seu teor etílico.

O local do show era uma sucursal do inferno: além do vocalista completamente alcoolizado, o local era um auditório sem refrigeração, muito quente, o proprietário enfiou 15 mil pessoas lá dentro sem que houvesse espaço para tanto... O empresário da banda ameaçou não haver show, mas o produtor local conseguiu contra argumentar e venceu a discussão.

Como já vinha fazendo com certa frequência, Jim Morrison passou a provocar seu público de todas as formas: “Deixar todo mundo te dizer o que fazer. Vocês são um bando do idiotas da porra. Deixar todo mundo te empurrar para os lados. Talvez vocês gostem de ser empurrados. Talvez vocês adorem. Talvez vocês gostem de ter a cara enfiada na merda. São um bando de escravos. Bando de escravos.”

Não tardou para que o vocalista provocador e alcoolizado perdesse totalmente o controle sobre a situação: “Vocês querem ver meu pau, não querem? Foi para isso que vocês vieram, não foi? Yeeah!” O pianista Ray Manzarek se apressou e chamou um segurança, que impediu o vocalista descontrolado de baixar as calças no palco. Embora haja algum contradição entre os depoimentos, a maioria diz que Morrison não conseguiu seu intento pornográfico.

Quando chegou a hora do grande hit do conjunto, Ligh My Fire, Morrison ainda pôs dezenas de pessoas sobre o palco – os organizadores ameaçaram parar tudo, porque a estrutura poderia não aguentar -, depois simulou uma masturbação, desceu e iniciou um trenzinho com o público até, finalmente, correr para os camarins e pôr um ponto final na histeria coletiva que comandara.

As imagens do fim do espetáculo mais se pareciam com um final de protestos violentos somados a uma orgia sexual: palco totalmente depredado, o chão coberto de saias, calcinhas, meias, cuecas... Tudo isso retornaria à banda na forma de um preço alto demais para arcar.

O grupo foi passar alguns dias no Caribe, descansando. Mas em casa se armava uma tempestade. Um jornal resolveu contar os fatos do show de uma maneira bem sensacionalista. Depois, ligou para políticos, que se mostraram revoltados com o que leram a respeito do comportamento da banda naquela noite “obscena”.

Quando o clima esquentou mais, a polícia foi interpelada sobre porque não interferiu no show. A resposta publicada dizia que os oficiais temiam os incidentes que se seguiriam à ação policial, por isso agiram como quem nada viu de absurdo. Cobrados pelos cidadãos “de bem”, agora a polícia resolveu abrir investigação e pediu que a imprensa lhes enviasse informações que pudessem orientar a apuração. O objetivo era pôr Jim Morrison na cadeia.

Antevendo uma bela oportunidade, apenas quatro dias depois o FBI engrossou as fileiras policiais e logo foi expedido um mandado de prisão contra o vocalista e líder do The Doors.

Morrison era agora o inimigo-público da Nação, praticamente nenhum local para shows no país lhe franqueava dos microfones (foram banidos em 16 estados), o empresário comunicou que a conjunto estava com suas atividades suspensas. Morrison encarnava tudo o que a maior parte do país, isto é, os “caretas” que não sentiam qualquer vontade de empunhar bandeiras ou protestar por qualquer causa, detestavam. Eliminá-lo equivalia, em suas mentes, a retomar o controle sobre o futuro dos filhos, jogar todos as rusgas sociais para debaixo do tapete novamente. E a recente eleição de Dick Nixon para a Casa Branca (embora devesse muito à exagerada idade mínima de 21 anos para votar), ao lado do governador da Califórnia, Ronald Reagan, inimigo declarado dos hippies e de todas as suas aspirações sociais, mostrava que os conservadores estavam com armas em punho, prontos para a guerra.

A primeira ação do gênero ocorreu em Miami: o “Comício do Decência” foi organizado por jovens com o apoio da Igreja Católica. No panfleto de divulgação podia-se ler que cabeludos e gente de roupa esquisita não seriam bem vindos. Mais de 30 mil pessoas se reuniram em torno de um garoto de 17 anos que defendia cinco “virtudes”: Deus, patriotismo, família, sexo e igualdade. Seus antagonistas sociais eram taxados de subversivos.

O tal garoto de 17 anos, chamado Mike Levesque, recebeu um telegrama de Nixon, parabenizando-o pelo evento. Inspirado, o governo federal resolveu fazer a sua própria versão, a Semana de Unidade Nacional, que se mostrou um fracasso em termos de público.

Para engrossar suas fileiras, os conservadores lançaram mãos de celebridades que lhes apoiassem. E acharam: John Wayne (e sua bravata anti-vermelhos), “atriz-mirim” Shirley Temple e Ronald Reagan foram alguns deles. Reagan se tornou ídolo conservador quando ordenou a invasão à Universidade de Berkley, instituição pública de ensino superior e nascedouro de diversas organizações progressistas. Em maio de 969, tropas estaduais invadiram o People`s Park, espaço até então tido como um santuário para movimentos sociais exprimirem livremente suas teses. Por duas semanas, a Universidade foi cercada por arames farpados e tanto alunos como professores foram proibidos de se manifestarem publicamente. Quando a panela de pressão estourou e os manifestantes saíram em protesto, as tropas desceram-lhes cassetetes. Um estudante morreu. Quando era acusado de ter sangue nas mãos, Reagan respondia que as lavaria com detergente...

No final de maio, foi realizado um show em San Francisco, em apoio aos estudantes e professores, que reuniu Creedence, Jefferson Airplane e Grateful Dead.

A reação conservadora contou até com um tema musical pontuado por lugares-comuns caipiras: Okie from Muskogee. “Nós não fumamos maconha em Muskogee/E não fazemos viagem de LSD/Não queimamos cartões de convocação na rua principal/Nós gostamos de viver direito e ser livres”. Okie era um sinônimo de caipira, ou red neck; Muskogee era um nome de uma cidade tipicamente sulista.
Poucos notaram que o autor da canção, Merle Haggard, era conhecido por seu alcoolismo, pelas brigas constantes e por ter ficado preso por dois anos em Los Angeles.

Muitos dos problemas causados aos progressistas surgiram por conta de grupos que usavam e apoiavam o uso da violência em seus protestos. A reação insanamente violenta da polícia nos primeiros dias dos protestos pelos direitos civis levaram ao fortalecimento de discursos como o de Malcolm X, em oposição à linguagem pacifista de Martin Luther King. Seja como for, em menos de 3 anos ambos os líderes forma assassinados, e a maioria parecia disposta a responder à violência policial com violência, na mesma dose. Apenas no chamado Verão do Amor, em 1967, 127 cidades americanas viram suas ruas principais se tornaram palco de protestos violentíssimos.
No meio musical, a grande vítima daqueles tempos bicudos foi Jimi Hendrix. Guitarrista negro, cujo público era notoriamente conformado por brancos, rico e famoso, Hendrix foi o alvo preferencial dos Black Panthers, os Panteras Negras.

Este grupo nasceu em meio a um movimento de valorização das raízes africanas e conhecido como Black Power. Os símbolos eram vistos nas roupas, nos cortes de cabelo, na música, especialmente na soul music. O gesto mais conhecido eram os punhos erguidos cerrados, gesto praticado por Tommie Smith nas Olimpíadas do México em 1968 – seu retorno aos EUA foi acompanhado de uma intensa campanha na imprensa que o execrou publicamente.

Os Panteras Negras estavam registros como partido político, seguiam a ideologia comunista-maoísta, andavam armados em defesa própria e sua organização era na forma militar. Foram os primeiros a chamarem os policiais de porcos e não deixavam as personalidades negras que queriam se manter longe de polêmicas em paz.

Hendrix foi militar da aeronáutica, era adorado pelos soldados negros no Vietnã, mas nunca foi muito bem aceito pela militância negra. Seu hábito de se vestir com trajes hippies não era bem aceito, especialmente porque os hippies eram vistos como um movimento de brancos. Sua espetacularização das apresentações com guitarras lhe renderam o apelido de Tio Tom (Uncle Tom, personagem de um negro que só queria agradar aos brancos). Diziam os movimentos negros que Hendrix tocava um blues “bastardo”, com dois europeus brancos no palco. Para completar, era empresariado por um branco e foi lançado nos EUA num festival de brancos (Monterey). Diziam que era mais fácil ver um negro num filme de Hollywood do que na plateia de seus shows.

Hendrix era cobrado por nunca ter lançado uma música que protestasse contra o racismo ou nunca ter participado de manifestações políticas. Muitos inclusive diziam que quando chegou à Inglaterra, no início de sua carreira, ele se posicionava a favor da presença dos EUA no Vietnã. Quando Martin Luther King foi assassinado, no mesmo dia Hendrix tinha show em NY. A polícia pediu e Hendrix não fez qualquer comentário sobre o episódio durante o show.

Na verdade, Jimmi estava em meio a um turbilhão enlouquecedor. Embora já tivesse vendido mais de 2 milhões de discos, enfrentava uma mudança de empresário e tinha shows marcados em mais de 100 cidades, enquanto o país passava por tamanha convulsão interna. Além disso, sua relação com os músicos do Experience desandava rapidamente. Seu álbum Eletric Ladyland foi um sucesso estrondoso, mas sua relação com as drogas entrava numa fase delicada.

Em maio de 1969, foi flagrado pela polícia canadense com heroína em sua bagagem. No Tribunal, alegou que um fã pusera a droga em sua bagagem, mas não evitou a abertura do inquérito.
O festival de Newport, em NY, foi marcado pela saída do baixista da banda, Noel Redding. Ele formaria agora sua Band of Gipsies, que tentaria fazer um som mais negro, poupando-o da perseguição policialesca dos Black Panthers - que chegaram ao cúmulo de cercá-lo nos camarins pouco antes de subir ao palco, em diversas ocasiões.

Quanto ao inquérito do Canadá, em dezembro de 1969 Hendrix foi inocentado da acusação de porte de droga. Jimmi viria a morrer apena 9 meses depois, de overdose.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: O Som da Revolução

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

GUERRA, RELIGIÃO, POLÍTICA... UNIVERSALIDADES IMUTÁVEIS DA HUMANIDADE



UNIVERSAL SOLDIER – SOLDADO UNIVERSAL
DONOVAN


He's five foot-two, and he's six feet-four
He fights with missiles and with spears
He's all of thirty-one, and he's only seventeen
Been a soldier for a thousand years

He'a a Catholic, a Hindu, an Atheist, a Jain
A Buddhist and a Baptist and a Jew
And he knows he shouldn't kill
And he knows he always will
Kill you for me my friend and me for you

And he's fighting for Canada
He's fighting for France
He's fighting for the USA
And he's fighting for the Russians
And he's fighting for Japan
And he thinks we'll put an end to war this way

And he's fighting for Democracy
He's fighting for the Reds
He says it's for the peace of all
He's the one who must decide
Who's to live and who's to die
And he never sees the writing on the wall

But without him
How would Hitler have condemned them at Dachau?
Without him Caesar would have stood alone
He's the one who gives his body
As a weapon of the war
And without him all this killing can't go on

He's the Universal Soldier and he really is to blame
His orders come from far away no more
They come from here and there and you and me
And brothers can't you see
This is not the way we put the end to war
Ele tem 1,60m, e ele tem 1,90m
Ele luta com mísseis e com lanças
Ele tem meros 31 anos, e ele tem apenas 17
Têm sido soldados por milhares de anos

Ele é católico, hindu, ateu, jaino
Budista e batista e judeu
E ele sabe que não deveria matar
E ele sabe que ele está sempre matando
Eu te mato por mim, amigo, e você me mata por você mesmo
E ele está matando pelo Canadá
Está matando pela França
Está matando pelos EUA
E ele está matando pelos russos
E está matando pelo Japão
E ele pensa que poremos fim às guerras dessa maneira

E ele mata pela democracia
Ele está matando pelos vermelhos (russos)
Ele diz que é pela paz de todos
Ele é quem decide
Quem ficará vivo e quem morrerá
E ele nunca vê as mensagens nos muros

Mas, sem ele
Como Hitler teria matado todos aqueles em Dachau (campo de concentração nazista)?
Sem ele, Cesar teria ficado falando sozinho
Ele é quem dá sua vida
Como uma arma de guerra
E sem ele toda essa matança não continuaria

Ele é o soldado universal e é ele quem devemos condenar
As ordens que seguem não vêm mais de um lugar distante
Vêm daqui, dali, de você e de mim
E, irmãos, vocês não conseguem perceber
Que não é assim que se põe fim às guerras?



Rubem L. de F. Auto

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

OS FIÉIS SEGUIDORES DO MESSIAS LEPROSO E OUTRAS ILUSÕES



LEPER MESSIAH – MESSIAS LEPROSO
METALLICA

O nome da canção foi inspirado num trecho do clássico de David Bowie “Ziggy Stardust”. Trata-se de críticas aos milionários televangelistas, ou telepastores, que reinaram na TV americana anos 1980.
O sentido da expressão é: um líder religioso tão coberto de pecados quanto seus fiéis.  

Spineless from the start, sucked into the part
Circus comes to town, you play the lead clown
Please, please
Spreading his disease, living by his story
Knees, knees
Falling to your knees, suffer for his glory
You will

Time for lust, time for lie
Time to kiss your life goodbye
Send me money, send me green
Heaven you will meet
Make a contribution
And you'll get a better seat
Bow to leper messiah

Marvel at his tricks, need your Sunday fix
Blind devotion came, rotting your brain
Chain, chain
Join the endless chain
Taken by his glamour
Fame, Fame
Infection is the game, stinking drunk with power
We see

Time for lust, time for lie
Time to kiss your life goodbye
Send me money, send me green
Heaven you will meet
Make a contribution
And you'll get a better seat
Bow to leper messiah

Witchery, weakening
Sees the sheep are gathering
Set the trap, hypnotize
Now you follow

Time for lust, time for lie
Time to kiss your life goodbye
Send me money, send me green
Heaven you will meet
Make a contribution
And you'll get a better seat
Lie [x8]
Débeis, sem vontade própria
O circo chegou e você é o principal palhaço
Por favor, Por favor
Espalhando sua doença, vivendo segundo sua fantasia (estória, bíblia)
Joelhos, joelhos
Dobrando seus joelhos, sofrendo para sua glória
Você deseja

Vez das perdas, vez das mentiras
Vez de dar um beijo de adeus em sua vida
Dê-me o dinheiro, dê-me dólares
O paraíso que você encontrará
Dê sua contribuição
E terá um lugar melhor
Reverencie um messias leproso

Maravilhe-se com seus truques, preciso de seu perdão de domingo
Uma devoção cega chegou, apodrecendo seu cérebro
Corrente, corrente
Junte-se à corrente infinita
Tomada por seu glamour
Fama, fama
Infectar é o jogo, intoxicado pelo poder
Podemos ver

(...)





Bruxaria, fraqueza
Ele vê que as ovelhas estão reunidas
Aciona a armadilha, hipnotiza
Agora você é um seguidor

(...)





Mentira


Rubem L. de F. Auto

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

DESIGUALDADES E INIQUIDADES: A DISTÂNCIA ENTRE A BORDA E O FUNDO REVELA O TAMANHO DA QUEDA



É evidente que muitos dos problemas capitais por que passa o Brasil têm origem comum naquela que é uma de nossas maiores características: uma desigualdade no mínimo obscena. É tão grande que quase não encontra paralelo no mundo atual. Mas nós somos recordistas ou precursores?

A desigualdade, por si, não é nova e já foi muito grande em diversos lugares. A Inglaterra vitoriana, do século XIX, exibia níveis de desigualdade gritantes: os empresários que surfaram na onda da industrialização e acumularam fortunas espetaculares não se envergonhavam de ver famílias proletárias vivendo em meio a privações e habitando residências tão pobres quanto um barraco de uma favela no Brasil atual.

Com o passar das décadas, diversas políticas sociais ajudaram a reduzir a distância abissal entre ricos e pobres em muitos lugares do mundo, mas esse ainda é um tema relevante da agenda política. Entre 1980 e 2005, os níveis de desigualdade aumentaram em todo o mundo. Três exceções confirmam a regra: França, Grécia e Espanha. No Reino Unido e nos EUA o aumento foi especialmente elevado, a ponto de superarem os alarmantes índices da década de 1930.

É natural que uma sociedade capitalista conviva com algum nível de desigualdade. Afinal, os níveis de esforço e dedicação individuais não são iguais, portanto a recompensa não o seria. Mas a amplitude dessa desigualdade importa para análise: nos EUA, os 10% mais ricos têm renda 16 vezes maior do que os 10% mais pobres. No México, um bom exemplo de como os problemas atingem um nível trágico nos países em desenvolvimento, a desproporção se eleva a 25 vezes.

Já nos países nórdicos – Dinamarca, Suécia e Finlândia -, sociedades recorrentemente usadas como exemplo de politicas de equidade, a desproporção entre ricos e pobres cai a 5 vezes.

Caso a análise se refira a países, o cenário que era trágico toma forma de hecatombe: os 20% mais pobres do mundo, como milhões de habitantes da África subsaariana, vivem em condições econômicas equivalentes às da Idade Média. Situação, sem sombras de dúvida, ano-luz atrás daquele em que vivem os norte-americanos ou ingleses mais pobres.

Todos os números referentes a desigualdades sociais forma calculados segundo o índice de Gini.
As políticas de redução de desigualdade vigente nos países europeus, mormente nos nórdicos, passam pelos mecanismos tributários: alta carga tributária sobre os cidadãos mais ricos, seguida por redistribuição desses recursos aos mais pobres, por meio de sistemas de bem-estar social e da redução dos impostos arcados pelos mais pobres.

Os sistemas de  bem-estar social dos países mais desenvolvidos foram inaugurados após a II Guerra Mundial e ajudaram a reduzir os níveis de desigualdade vigentes até então. Acesso universal à educação e à saúde se tornaram palavras de ordem, gerando frutos ao ampliar as oportunidades disponíveis aos mais pobres para melhorarem de vida.

Deve-se alertar, entretanto, que tais políticas têm um limite para o exequível. No Reino Unido, por exemplo, durante os anos em que os Trabalhistas chefiaram o governo, tanto a carga tributário quanto a renda das famílias com um filho aumentaram (11%). Todavia, a desigualdade aumentou. A OCDE investigou e chegou à causa: a renda do filho está intimamente relacionada à renda dos pais, o que sugere que os mais pobres, independente do esforço despendido, dificilmente se livram da pobreza.

Outras críticas já foram arguidas. Críticos das politicas de redução de desigualdade afirmam que o aumento desmesurado dos impostos sobre os mais ricos podem levar à fuga de capitais; alternativamente, à própria fuga de pessoas ricos do país. Afirmam também que sociedades assim configuradas reduzem o estímulo ao trabalho duro, o que pode levar ao próprio empobrecimento da sociedade como um todo.

O momento por que o mundo passa atualmente também importa para fins de análise da desigualdade. Quando o cenário econômico se torna turbulento, o que ocorre geralmente quando uma mudança abrupta entra em cena, os atores mais bem posicionados tendem a lucrar sobremaneira; por sua vez, quem estiver “sentado sobre a bomba” não terá um destino tão brilhante. O momento atual da economia mundial, em meio aos solavancos causados pelas novas tecnologias, inteligência artificial, desestabilização de indústrias há muito estabelecidas, engrossam o caldo do aumento das distâncias sociais. Vide Detroit, antanho centro da indústria automobilística, atualmente habit de operários cujo chão sumiu sob seus pés.

Uma bela maneira de se desviar de todas essas incertezas e vicissitudes é “ficar rico”. Mas o complemento “ou morra tentando” é bem mais provável. No Reino Unido, os 10% mais ricos ganham uma média de 105 mil libras por ano; mas o estrato superior dos 0,1% mais abastados (cerca de 30 mil pessoas) faturam, em média, 1,1 milhão anualmente.

Aqueles muito ricos contam com mecanismos típicos do mundo das finanças que lhes permitem driblar os altos impostos, por meio de depósitos em paraísos fiscais, por exemplo. Alguns argumentam que os muito ricos possuem padrões de consumo altos, e o naco tributário que lhes corresponde aumenta se considerarmos os impostos indiretos incidentes sobre os produtos de luxo que adquirem. Essa tese é muitas vezes chamada de “efeito de gotejamento”.

Contudo, deve-se considerar esse fenômeno com parcimônia. O economista Robert Barro afirma que a desigualdade, ao mesmo passo que reduz a possibilidade de um país em desenvolvimento aumentar sua renda, fomenta o enriquecimento de países desenvolvidos, haja vista serem os tais produtos de luxo, em geral, provenientes de países ricos.

Outra face indesejada da desigualdade tem a ver com altos índices de violência e criminalidade. Localidades em que a desigualdade é pequena contam com maior confiança entre os indivíduos, mesmo porque não há tantos motivos para que um inveje as posses do outro. Crimes violentos ou fatais não são incomuns.

Mesmo a saúde pública denuncia os níveis de desigualdade de dado país, porquanto a expectativa de vida se torna menor à medida que a desigualdade aumenta.

Por tudo o que foi dito, resolver o intervalo entre ricos e pobres é uma ótima ferramenta de desenvolvimento de um país.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: “50 Ideias de Economia”

terça-feira, 21 de agosto de 2018

APPLE RECORDS – A MAÇÃ DOS BESOUROS



Após atingirem o posto de banda mais popular do mundo, os Beatles estavam prontos para investirem mais de 2 milhões de dólares do próprio bolso na realização de um sonho: manter a liberdade total para criar músicas, mas mantendo um estrutura empresarial de apoio.

Criaram então uma empresa: a Apple Records. O nome era referência a um quadro de Henry Matisse, que fazia parte da coleção particular de Paul McCartney. A Apple estava estruturada em 5 departamentos: música, eletrônica, cinema, moda e publicações. O impacto sobre o mercado e sobre os novos artistas, em busca de uma oportunidade, foi tremendo.

Mas os garotos de Liverpool não queriam ver seu empreendimento sendo administrado pelos “engravatados” mercenários da indústria. Puseram na direção velhos amigos dos tempos de infância e pessoas do círculo de confiança.

A gastança que se seguiu deu ao público a ideia de que agora havia uma gravadora disposta a investir em novos e inexperientes músicos, o que levou à formação de filas imensas na porta da sede da empresa, em Londres.

Mas faltava absoluta falta de afinidade com os negócios. O único que procurava parecer um administrador cioso e responsável era Paul, que viu a sangria descontrolada tomando conta da Apple. Embora tenha estancado a saída descontrolada de recursos, os resultados financeiros iniciais eram risíveis: todos os departamentos estavam no vermelho, inclusive aquele dedicado à música.

A bagunça imperava. Viam-se traficantes de drogas procurando clientes dentro da sede da Apple, uma funcionária foi destacada para a função de enrolar baseados e preparar drinks. Havia um funcionário especializado em jogar tarô e indicar qual decisão empresarial deveria ser tomada, orientado pelas cartas. Certa feita, motoqueiros dos Hell`s Angels desembarcaram na frente da sede para cobrar uma promessa feita por George Harrison, quando os encontrou na Califórnia: “Se estiverem em Londres, me liguem!”. Pois bem, eles chegaram e ficaram por lá, até o Beatle os receber. Até uma família de sem tetos da Califórnia invadiu o prédio, procurando ajuda dos roqueiros ingleses.

Mas, se como administradores os quatro eram pífios, como músicos continuavam geniais. E meio à catástrofe empresarial, lançaram um single que trazia Hey Jude e Revolution. Foi a maior vendagem atingida pelo quarteto em seis anos. Mas ainda tiveram de dividir os lucros com a EMI, por força do contrato ainda em vigor. Além disso, mantiveram o trabalho voltado para a finalização de um álbum duplo.

Finalmente, após cinco meses de trabalho duro, veio a público o álbum, laconicamente intitulado “The Beatles”, mas ficaria mais famoso pelo epíteto: Álbum branco. O disco contava com “While My Guitar Gently Weeps”, composta por um inspiradíssimo George Harrison. Mas havia também folk, rock pesado, reggae, uma balada em homenagem aos Beach Boys, country e algumas experimentações de estúdio.

Embora o trabalho final tenha sido de tirar o fôlego, o ambiente em que a banda estava inserida não era dos mais amistosos. Quase todas as faixas foram compostas e executadas sem muita discussão, Yoko Ono incomodava os demais membros da banda por não desgrudar de Lennon. As próprias contribuições de Lennon faziam referência a um relacionamento angustiante, pontuado por momentos de desespero – além das constantes metáforas com a heroína, droga que passara a usar havia pouco tempo.

Com certeza, não fosse tanto talento musical, o desastrado empreendimento teria ido à lona muito cedo.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: O Som da Revolução

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

BAD TRIP – DAS PORTAS DA PERCEPÇÃO ÀS PORTAS DA CADEIA



O ano de 1967 ainda se desenrolava em meio à contracultura, especialmente nas duas cidades que se tornaram polo do movimento hippie: San Francisco e Londres. Também foi o ano que viu o lançamento do álbum histriônico dos Beatles, Sgt. Pepper`s Lonely Heart Club Band. Cumprindo à risca o que definira John Lennon numa entrevista à revista Rolling Stones, em 1970, na qual disse que os Rolling Stones faziam tudo o que dos Beatles faziam, mas seis meses depois, os Stones lançaram um dos seus mais marcantes álbuns: Their Satanic Majesties Request, claramente concebido como resposta a seus concorrentes mais famosos.

Este ano ainda viu outro evento célebre. Em 25 de junho, os Beatles cantaram All You Need is Love, um dos seus maiores sucessos, na primeira transmissão via satélite destinada a cinco continentes. Mais de 400 milhões de pessoas assistiram ao quarteto entoar seus versos ao lado de diversas celebridades.

Dentre elas, havia dois especialmente angustiados. Mick Jagger e Keith Richards sabiam que dali a dois dias estariam sentados no banco dos réus, em meio a um processo criminal por porte de drogas, instaurado nos primeiros meses daquele ano. Mas os sinais que previam aquele desfecho começaram a surgir algum tempo antes.

Os Stones lançaram a canção “Let`s Spend the Night Together”, a qual cantaram num programa de grande audiência na Ilha britânica: Sunday Night at the London Palladium. Além de ter uma letra abundante em citações e referências de cunho sexual, a banda deixou o palco sem ao menos acenar ao público. Os dias seguintes foram profícuos em mensagens de ódio contra os membros, que pareciam estar com os egos exageradamente inflados.

No domingo seguinte, um segundo golpe na banda. O jornal musical News of the World, cuja vendagem alcançava 18 milhões de cópias na Inglaterra, trouxe a primeira de uma série de reportagens intitulada “Pop Stars e Drogas”. A primeira matéria descrevia as festas regadas a orgias e LSD promovidas pelos membros da banda Moody Blues. A certa altura, o repórter citava que um dos convidado, um tal de Mick Jagger, fora flagrado fazendo uso de LSD. Depois, descobriu-se que foi houve uma sequência de erros: o tal convidado era Brian Jones, companheiro de Mick nos Stones, e a droga em apreço era haxixe, não LSD. Mas a confusão já estava feita.

No fim de janeiro, Keith Richards promoveu uma festa particular, na inauguração da casa que comprar recentemente. Mick Jagger, até então careta no que se referia a LSD, prometeu que experimentaria aquela droga naquele evento. Entre os convidados, estavam Marianne Faithfull, namorada de Jagger, Michael Cooper, fotógrafo a capa de Sgt. Pepper, George Harrison com sua esposa, Pati, David Schneiderman, um traficante californiano encarregado de trazer as melhores pastilhas de LSD do mundo.

Como o domingo, dia da festa, revelava uma manhã chuvosa e fria, tipicamente londrina, George e sua namorada foram embora. Marianne tomou um banho, como não encontrou roupas secas se enrolou num tapete, e todos se encontraram na sala de jantar. Ouviam Bob Dylan quanto, às 19h30, tocam a campainha. Ao atender, todos viram, assustados, um inspetor adentrar, acompanhado por 18 policiais, avisando possuir um mandado. Assim se desenrolou aquela que seria a primeira viagem lisérgica do líder dos Stones.

Marianne foi revistada por uma policial. Revistaram açucareiros, levantaram as cortinas, abriram caixas, enquanto os convidados ficavam perfilados no meio da sala. Richards não pode conter os risos quando, em meio à “dura”, ouvia Bob Dylan cantando “Everybody must get Stones” – isto é, “todo mundo tem que ficar chapado”.

Jagger certamente sentiu calafrios quando viu um policial pegar sua jaqueta pra revistar – ele sabia que havia restos de maconha em um dos bolsos. Mas pôde respirar aliviado, quando o viu largar a jaqueta no chão, repugnando a maconha como sujeira.

Logo após, um dos policiais achou quatro tabletes de anfetamina, que pertenciam a Marianne. Jagger assumiu a droga como sua, dizendo que era prescrição médica para se manter ativo durante as muitas horas de show da banda tinha que fazer.

Foi então que um dos policiais se dirigiu a uma caixa, que pertencia a David Schneiderman – na verdade, era o local onde se encontravam todas as pílulas de LSD trazidas da Califórnia. Mas David agiu rapidamente, gritando que o policial não abrisse a caixa, pois havia rolos de negativos de filmes fotográficos, e a exposição à luz os degradaria irreversivelmente. Mais uma vez, respiraram aliviados.
Quem parecia não conseguir sentir qualquer alívio era Robert Fraser: ele trazia em um dos seus bolsos heroína. Quando flagrado, alegou que era insulina, que adquirira com prescrição médica. Mas o policial, dessa vez, agiu de maneira mais desconfiada, guardando uma pequena quantidade para análise laboratorial.

E foi essa amostra que dei início ao malfadado processo criminal.

O primeiro a depor foi Jagger – e o juiz se esforçou para pôr o júri contra o cantor. Ao fim, decretou sua prisão cautelar. Ao final, veio a sentença que lhe decretava 3 meses na cadeia.
Em seguida, foi a vez de Keith Richards. Seu caso era mais delicado, pois a acusação era de que ele permitira o consumo de drogas em sua residência. Após dois dias, foi emitida sua sentença: multa equivalente a 1.500 dólares, pagamento das custas e um ano atrás das grades.

Surgiram então os protestos e manifestações de praxe, em solidariedade ao guitarrista. A banda The Who fez circular nos jornais que gravaria e lançaria canções de Jagger e Richards até que saíssem da cadeia. Keith Moon, baterista do The Who, liderou um grupo, com cartazes escritos “Libertem Keith” em frente ao jornal News of the World. O fato de Jagger ter sido algemado durante o trajeto até o Tribunal foi amplamente criticado.

Até o jornal conservador The Times saiu em defesa dos dois músicos: “a hierarquia (os poderosos) se ressentia da qualidade anárquica das performances dos Rolling Stones e desgostava da influência nos adolescentes”.

No dia seguinte, foi a vez de o Sunday Express expressar mais uma opinião negativa sobre a ação policialesca estatal: “A sentença de três meses imposta a Mick Jagger é monstruosamente fora de proporção à ofensa que ele cometeu”.

Aproveitando todo esse burburinho pró-Stones, seus advogados apelaram e, após 24 horas, Jagger e Richards se encontravam soltos.

O caso chamou atenção para os protestos em favor da legalização da maconha – um movimento encampado com entusiasmo pela elite de Londres. Em 14 de junho, mais e 5 mil pessoas se aglomeraram no Hyde Park para um comício em favor da causa.

No dia 24, circulou no jornal Times um anúncio patrocinado por uma entidade chamada Soma – Society of Mental Awareness -, em que se lia: “A lei contra a maconha é imoral no princípio e irrealizável na prática”. Dentre os signatários, estavam todos os Beatles, o dramaturgo Kenneth Tynan, Brian Epstein. Os 3 mil dólares da circulação foram pagos por Paul McCartney, usuário entusiasta de cannabis, mas ainda insipiente no mundo do LSD.



Embora tenha agido de maneira sincera e corajosa, McCartney foi criticado até pelos colegas de banda, preocupados com a possibilidade de que aquela declaração de uso pudesse atrair a atenção da polícia em direção ao grupo. Temor, aliás, bastante justificado pelo que se veria nos anos seguintes: George Harrison foi preso por porte de maconha; Lennon foi preso por porte de maconha também, contudo fora plantada pela polícia, que estava atrás de heróina – como não acharam nada, inventaram uma acusação.  O sargento responsável pela operação seria preso anos depois, justamente por forjar prisões em flagrante.
Mas o recado estava dado: os atores da contracultura estava na mira do aparato policial.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: O Som da Revolução