Após anos de sucesso e de muita polêmica, o que lhes era
inerente, a banda The Doors foi contratada para um show na Flórida, em Miami.
Seu vocalista, Jim Morrison, era natural da Flórida, embora nunca tivesse
retornado para lá após se mudar para Los Angeles, em 1965.
Talvez por contrariedade, Morrison perdeu o voo ao lado da
banda. Teve de embarcar no avião seguinte, embarque esse precedido de muita bebedeira
no saguão do aeroporto. Até chegar ao destino, Jim ainda aumentaria muito seu
teor etílico.
O local do show era uma sucursal do inferno: além do
vocalista completamente alcoolizado, o local era um auditório sem refrigeração,
muito quente, o proprietário enfiou 15 mil pessoas lá dentro sem que houvesse
espaço para tanto... O empresário da banda ameaçou não haver show, mas o
produtor local conseguiu contra argumentar e venceu a discussão.
Como já vinha fazendo com certa frequência, Jim Morrison
passou a provocar seu público de todas as formas: “Deixar todo mundo te dizer o
que fazer. Vocês são um bando do idiotas da porra. Deixar todo mundo te
empurrar para os lados. Talvez vocês gostem de ser empurrados. Talvez vocês
adorem. Talvez vocês gostem de ter a cara enfiada na merda. São um bando de
escravos. Bando de escravos.”
Não tardou para que o vocalista provocador e alcoolizado
perdesse totalmente o controle sobre a situação: “Vocês querem ver meu pau, não
querem? Foi para isso que vocês vieram, não foi? Yeeah!” O pianista Ray
Manzarek se apressou e chamou um segurança, que impediu o vocalista
descontrolado de baixar as calças no palco. Embora haja algum contradição entre
os depoimentos, a maioria diz que Morrison não conseguiu seu intento pornográfico.
Quando chegou a hora do grande hit do conjunto, Ligh My Fire,
Morrison ainda pôs dezenas de pessoas sobre o palco – os organizadores
ameaçaram parar tudo, porque a estrutura poderia não aguentar -, depois simulou
uma masturbação, desceu e iniciou um trenzinho com o público até, finalmente,
correr para os camarins e pôr um ponto final na histeria coletiva que
comandara.
As imagens do fim do espetáculo mais se pareciam com um final
de protestos violentos somados a uma orgia sexual: palco totalmente depredado, o
chão coberto de saias, calcinhas, meias, cuecas... Tudo isso retornaria à banda
na forma de um preço alto demais para arcar.
O grupo foi passar alguns dias no Caribe, descansando. Mas
em casa se armava uma tempestade. Um jornal resolveu contar os fatos do show de
uma maneira bem sensacionalista. Depois, ligou para políticos, que se mostraram
revoltados com o que leram a respeito do comportamento da banda naquela noite “obscena”.
Quando o clima esquentou mais, a polícia foi interpelada sobre
porque não interferiu no show. A resposta publicada dizia que os oficiais
temiam os incidentes que se seguiriam à ação policial, por isso agiram como
quem nada viu de absurdo. Cobrados pelos cidadãos “de bem”, agora a polícia
resolveu abrir investigação e pediu que a imprensa lhes enviasse informações
que pudessem orientar a apuração. O objetivo era pôr Jim Morrison na cadeia.
Antevendo uma bela oportunidade, apenas quatro dias depois o
FBI engrossou as fileiras policiais e logo foi expedido um mandado de prisão
contra o vocalista e líder do The Doors.
Morrison era agora o inimigo-público da Nação, praticamente nenhum
local para shows no país lhe franqueava dos microfones (foram banidos em 16
estados), o empresário comunicou que a conjunto estava com suas atividades
suspensas. Morrison encarnava tudo o que a maior parte do país, isto é, os “caretas”
que não sentiam qualquer vontade de empunhar bandeiras ou protestar por
qualquer causa, detestavam. Eliminá-lo equivalia, em suas mentes, a retomar o
controle sobre o futuro dos filhos, jogar todos as rusgas sociais para debaixo
do tapete novamente. E a recente eleição de Dick Nixon para a Casa Branca
(embora devesse muito à exagerada idade mínima de 21 anos para votar), ao lado
do governador da Califórnia, Ronald Reagan, inimigo declarado dos hippies e de
todas as suas aspirações sociais, mostrava que os conservadores estavam com
armas em punho, prontos para a guerra.
A primeira ação do gênero ocorreu em Miami: o “Comício do
Decência” foi organizado por jovens com o apoio da Igreja Católica. No panfleto
de divulgação podia-se ler que cabeludos e gente de roupa esquisita não seriam
bem vindos. Mais de 30 mil pessoas se reuniram em torno de um garoto de 17 anos
que defendia cinco “virtudes”: Deus, patriotismo, família, sexo e igualdade.
Seus antagonistas sociais eram taxados de subversivos.
O tal garoto de 17 anos, chamado Mike Levesque, recebeu um telegrama
de Nixon, parabenizando-o pelo evento. Inspirado, o governo federal resolveu
fazer a sua própria versão, a Semana de Unidade Nacional, que se mostrou um
fracasso em termos de público.
Para engrossar suas fileiras, os conservadores lançaram mãos
de celebridades que lhes apoiassem. E acharam: John Wayne (e sua bravata
anti-vermelhos), “atriz-mirim” Shirley Temple e Ronald Reagan foram alguns
deles. Reagan se tornou ídolo conservador quando ordenou a invasão à
Universidade de Berkley, instituição pública de ensino superior e nascedouro de
diversas organizações progressistas. Em maio de 969, tropas estaduais invadiram
o People`s Park, espaço até então tido como um santuário para movimentos
sociais exprimirem livremente suas teses. Por duas semanas, a Universidade foi
cercada por arames farpados e tanto alunos como professores foram proibidos de
se manifestarem publicamente. Quando a panela de pressão estourou e os
manifestantes saíram em protesto, as tropas desceram-lhes cassetetes. Um
estudante morreu. Quando era acusado de ter sangue nas mãos, Reagan respondia
que as lavaria com detergente...
No final de maio, foi realizado um show em San Francisco, em
apoio aos estudantes e professores, que reuniu Creedence, Jefferson Airplane e
Grateful Dead.
A reação conservadora contou até com um tema musical pontuado
por lugares-comuns caipiras: Okie from Muskogee. “Nós não fumamos maconha em
Muskogee/E não fazemos viagem de LSD/Não queimamos cartões de convocação na rua
principal/Nós gostamos de viver direito e ser livres”. Okie era um sinônimo de
caipira, ou red neck; Muskogee era um nome de uma cidade tipicamente sulista.
Poucos notaram que o autor da canção, Merle Haggard, era
conhecido por seu alcoolismo, pelas brigas constantes e por ter ficado preso
por dois anos em Los Angeles.
Muitos dos problemas causados aos progressistas surgiram por
conta de grupos que usavam e apoiavam o uso da violência em seus protestos. A
reação insanamente violenta da polícia nos primeiros dias dos protestos pelos
direitos civis levaram ao fortalecimento de discursos como o de Malcolm X, em
oposição à linguagem pacifista de Martin Luther King. Seja como for, em menos
de 3 anos ambos os líderes forma assassinados, e a maioria parecia disposta a
responder à violência policial com violência, na mesma dose. Apenas no chamado
Verão do Amor, em 1967, 127 cidades americanas viram suas ruas principais se
tornaram palco de protestos violentíssimos.
No meio musical, a grande vítima daqueles tempos bicudos foi
Jimi Hendrix. Guitarrista negro, cujo público era notoriamente conformado por
brancos, rico e famoso, Hendrix foi o alvo preferencial dos Black Panthers, os
Panteras Negras.
Este grupo nasceu em meio a um movimento de valorização das
raízes africanas e conhecido como Black Power. Os símbolos eram vistos nas
roupas, nos cortes de cabelo, na música, especialmente na soul music. O gesto
mais conhecido eram os punhos erguidos cerrados, gesto praticado por Tommie
Smith nas Olimpíadas do México em 1968 – seu retorno aos EUA foi acompanhado de
uma intensa campanha na imprensa que o execrou publicamente.
Os Panteras Negras estavam registros como partido político,
seguiam a ideologia comunista-maoísta, andavam armados em defesa própria e sua
organização era na forma militar. Foram os primeiros a chamarem os policiais de
porcos e não deixavam as personalidades negras que queriam se manter longe de
polêmicas em paz.
Hendrix foi militar da aeronáutica, era adorado pelos
soldados negros no Vietnã, mas nunca foi muito bem aceito pela militância
negra. Seu hábito de se vestir com trajes hippies não era bem aceito,
especialmente porque os hippies eram vistos como um movimento de brancos. Sua
espetacularização das apresentações com guitarras lhe renderam o apelido de Tio
Tom (Uncle Tom, personagem de um negro que só queria agradar aos brancos).
Diziam os movimentos negros que Hendrix tocava um blues “bastardo”, com dois
europeus brancos no palco. Para completar, era empresariado por um branco e foi
lançado nos EUA num festival de brancos (Monterey). Diziam que era mais fácil
ver um negro num filme de Hollywood do que na plateia de seus shows.
Hendrix era cobrado por nunca ter lançado uma música que
protestasse contra o racismo ou nunca ter participado de manifestações
políticas. Muitos inclusive diziam que quando chegou à Inglaterra, no início de
sua carreira, ele se posicionava a favor da presença dos EUA no Vietnã. Quando
Martin Luther King foi assassinado, no mesmo dia Hendrix tinha show em NY. A
polícia pediu e Hendrix não fez qualquer comentário sobre o episódio durante o
show.
Na verdade, Jimmi estava em meio a um turbilhão
enlouquecedor. Embora já tivesse vendido mais de 2 milhões de discos, enfrentava
uma mudança de empresário e tinha shows marcados em mais de 100 cidades,
enquanto o país passava por tamanha convulsão interna. Além disso, sua relação
com os músicos do Experience desandava rapidamente. Seu álbum Eletric Ladyland
foi um sucesso estrondoso, mas sua relação com as drogas entrava numa fase
delicada.
Em maio de 1969, foi flagrado pela polícia canadense com
heroína em sua bagagem. No Tribunal, alegou que um fã pusera a droga em sua
bagagem, mas não evitou a abertura do inquérito.
O festival de Newport, em NY, foi marcado pela saída do
baixista da banda, Noel Redding. Ele formaria agora sua Band of Gipsies, que
tentaria fazer um som mais negro, poupando-o da perseguição policialesca dos Black
Panthers - que chegaram ao cúmulo de cercá-lo nos camarins pouco antes de subir ao palco, em diversas ocasiões.
Quanto ao inquérito do Canadá, em dezembro de 1969 Hendrix
foi inocentado da acusação de porte de droga. Jimmi viria a morrer apena 9 meses depois, de overdose.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: O Som da Revolução