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sexta-feira, 20 de julho de 2018

O LONGO SÉCULO XX MUSICAL – 2ª PARTE



O último suspiro da Bossa Nova se deu em grande estilo. Em 1964, uma versão em inglês de Garota de Ipanema veio a público. Esta versão foi escrita pelo norte-americano Norman Gimbel, a melodia foi composta pelo jazzista Stan Getz, o violão foi dedilhado pelo perfeccionista João Gilberto. A voz doce foi emprestada por Astrud Gilberto, na época esposa de João.

Aqui no Brasil, outra cisão se anunciava. Carlinhos Lyra, até então muito popular pelo violão e pela beleza de suas alunas de música, rapidamente se aproximava dos movimentos políticos na UNE, tentando unir os protestos políticos e a cultura brasileira. Sua atitude levou-o de encontro a outros bossanovistas mais apegados às raízes do movimento, como Ronaldo Bôscoli. Nara Leão, pouco tempo depois, aderiu à proposta de Carlinhos.

Apenas Vinícius conseguia transitar entre os dois movimentos: tanto buscava a melodia e o lirismo da Bossa Nova, quanto incentivava a agitação cultural do CPC da UNE – Vinícius escreveu a letra do hino da UNE, cantado por Carlinhos Lyra.

Ao se integrar ao CPC, Carlinhos se punha lado a lado com Oduvaldo Vianna Filho (o Vianinha, fundador do Teatro de Arena), Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, Leon Hirszman e muitos outros nomes que marcaram culturalmente toda uma geração.

O CPC da Une teve vida curta: foi encerrado em 1964, quando do Golpe militar e do quase simultâneo incêndio da UNE, provocado por membros do Comando de Caça aos Comunistas – tendo sido esta cassada pouco depois.

O chamado Golpe de 1964 foi, essencialmente, uma intensa campanha midiática que pregava um modelo econômico neoliberal, apoiado principalmente por diversos intelectuais, políticos e empresários, que ajudaram a fundar diversos institutos (como IBAD e IPES) cujo objetivo era emprestar uma feição nacional àquela reivindicação bastante particular. Esses institutos produziram panfletos, seminários, pagaram para publicar matérias enviesadas – em muitas dessas publicações, acusava-se João Goulart de estar a serviço do comunismo da URSS e de Cuba. O dinheiro que irrigava essas entidades saía dos gordos caixas da Coca-Cola, Ford, Esso, Texaco, Shell e outras.

O esforço do IBAD-IPES deu frutos quando o país viu sair à rua uma imensa passeata, em 19 de março de 1964, em São Paulo: A Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, apenas seis dias após o discurso de Goulart na Central do Brasil, quando defendeu ideias diametralmente opostas à dos manifestantes em São Paulo.

Seguindo a cadeia de acontecimentos que engatilharam o Golpe, Goulart ainda anistiou diversos marinheiros condenados por ações políticas. O alto oficialato entendeu aquilo como quebra de hierarquia e se lançaram às ações para enxotar Jango da Presidência. A partir das ações do general Olímpio Mourão Filho, desde Juiz de Fora, respaldado pelo governador de Minas, Magalhães Pinto, dono do Banco Nacional, sucederam-se as ações que culminaram com a fuga de Jango do país.

Esses anos viam a entrada em cena da televisão – a TV Globo nasceu em 1965, no Rio de Janeiro e no ano seguinte adquiriu a TV Paulista, dando início à sua trajetória ascendente. As novelas já eram muito populares, especialmente aquelas escritas pela imigrante cubana Glória Magadan. O primeiro grande sucesso novelístico foi O Direito de Nascer, da TV Tupi de SP, transmitida de 1964 a 1965.

A cultura de massa tomou impulso com o movimento rockeiro tupiniquim, bastante diferente da contraparte americana, que se caracterizava por ser muito mais rebelde e crítica, pois comportado, ingênuo e muito conservador: era a Jovem Guarda, cujo nome se deve a uma frase de Lênin, “O futuro pertence à jovem guarda, porque a velha está ultrapassada”, utilizada pelo publicitário Carlito Maia bastante fora do contexto.     

A história do rock no Brasil se deu embalada na voz de Nora Ney em 1955, quem gravou Rock Around the Clock, música tornada bastante popular nos EUA por causa do cover da banda Bill Haley and His Comets – aliás, lançadas com pouquíssimo espaço de tempo entre ambas, pois a gravação americana é de 1954. Logo após, Agostinho dos Santos gravou a versão de Júlio Nagib para “See you later aligátor”: “Até logo, jacaré”. Outro que viveu sua aventura rockeira foi Cauby Peixoto, quem teve carreira nos EUA se apresentando com o pseudônimo de Ron Coby. Ele gravou Rock`n Roll em Copacabana. Depois, surgiu a primeira banda de rock brasilieira: Betinho e seu conjunto, que lançaram Enrolando o Rock.  

Mas apenas em 1959 surgiu o primeiro grande sucesso de rock produzido no Brasil: Toni e Cely Campello lançaram o single Banho de Lua, versão brasileira da italiana “Tintarella di Luna”; e Estúpido Cupido, versão de “Stupid Cupid”, de Neil Sedaka. O sucesso dos irmãos foi tamanho que ganharam um programa de TV: Crush em Hi-Fi, da TV Record de SP.

Em 1960, o cenário rock no Brasil se consolida com a banda The Jordans e com o primeiro grande ídolo juvenil do país, Sérgio Murilo – quem deu à Jovem Guarda a feição com a qual se tornou conhecida do público. Esses nomes anteciparam nome que se tornariam mais famosos como Golden Boys, Erasmo Carlos, Renato e seus Blue Caps e, finalmente, Roberto Carlos.

Roberto se tornou notório somente após Sérgio Murilo investir de maneira completamente atabalhoada numa eventual carreira internacional. Após viver o sucesso estrondoso de “Marcianita” e “Broto Legal”, de 1960, Sérgio partiu para a Argentina em 1963, onde suas músicas eram muito executadas, sem que se houvesse consolidado no Brasil antes. Aproveitando a ausência do ídolo maior, Roberto e seu empresário, Carlos Imperial, investiram no estilo nascente (Roberto era cantor de Bossa Nova até então) e, quando Sérgio voltou, o maior ídolo de rock do Brasil atendia por outro nome – Sérgio Murilo nunca mais alcançou a mesma fama e faleceu em 1992, aos 51 anos.

O sucesso de Roberto o levou à televisão: o programa Jovem Guarda, da TV Record de SP.  
Mas a diferença entre o rock que se produzia aqui e o que faziam americanos e britânicos nessa época era gritante. Para se ter ideia, aqueles eram os anos de Byrds, Animals, The Doors, Rolling Stones, The Who etc. – amplamente diferentes do que os jovemnguardistas se propunham fazer com aquelas versões abrasileiradas de Pat Boone, Platters, Neil Sedaka, Paul Anka e toda aquela ingenuidade acrítica e amorfa.  

O trio de apresentadores-cantores Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa levaram ao público artistas como Jorge Ben Jor, Tim Maia, Bobby di Carlo, Os Incríveis, Fevers e outros. Até o Sérgio Murilo, embora sentindo-se um tanto traído pelos acontecimentos, aderiu ao movimento que tomava corpo sem lembrar do seu pioneirismo. Cely, contudo, anunciava sua aposentadoria dos palcos para se dedicar à família que constituía. Retornaria no início da década de 1970, quando suas músicas foram tornadas populares novamente por integrarem trilhas de novelas. Morreria em 2003, casada e feliz.

O movimento da Jovem Guarda foi acompanhado por uma renovação da Bossa Nova. Um grupo resolveu unir a musicalidade brasileira com o espírito inquieto do folk americano, inspirados em Bob Dylan, Pete Seger e Woody Guthrie, este último inclusive autor de uma música em que protestava contra Trump, o especulador imobiliário pai do Presidente dos EUA.

Essa fusão deu origem ao que conhecemos como MPB. Foi esse o estilo que brilhou durante a Era dos Festivais. Seus maiores divulgadores foram Chico Buarque, Edu Lobo, Elis Regina (que iniciou carreira na Jovem Guarda, mas ficou famosa após cantar Arrastão, de Vinicius e Edu, em 1965, e ganhar o I Festival de MPB) e outros.

Elis, aliás, presava pelo ecletismo: gravou Roberto Carlos, Zé Rodrix, Belchior (autor do marcante blues de Como Nossos Pais) e Rita Lee (Alô, Alô, Marciano). Elis também ganhou um programa de TV, O Fino da Bossa (concorrente do programa da Jovem Guarda), da TV Record de SP, que apresentava ao lado de Jair Pereira (sambista, mas também autor do primeiro rap brasileiro, Deixa Isso Pra Lá).

Apesar da desconfiança do compositor, Geraldo Vandré, Jair gravou Disparada, obra prima de Vandré, apresentando-se no II Festival de Música Popular Brasileira. Foi o único caso de empate, pois Chico Buarque, que concorria com A Banda, não aceitou ser premiado no lugar de Disparada: ambos levaram o prêmio.

Aos poucos, o Golpe, que se apresentara como uma interrupção transitória da democracia, que retornaria em 1965, com o país em ordem, foi tomando feições mais permanentes: JK e Carlos Lacerda, este último apoiador do Golpe, tiveram seu direitos políticos cassados; Jango, no exílio no Uruguai e pretendente a vice de JK também foi cassado; e cancelaram as eleições de 1965.

Com isso, o clima contra a situação do país se tornava tenebroso, deixando quase impossível cantar canções de amor ao Brasil, no estilo da Bossa Nova. Aos poucos, tornava-se proibido falar bem do país. Como a censura se fazia presente, criptografar as críticas políticas e sociais era imprescindível. A música brasileira se enriquecia, mas se tornava a cada dia mais menos popular.

Então, surpreendentemente, apresentou-se ao país uma terceira via musical. Artistas baianos recentemente aportados em São Paulo evocavam Carmem Miranda, Vicente Celestino, Chacrinha, estilos musicais diversos, como Jovem Guarda e música nordestina, tudo isso fazendo uso da temida guitarra elétrica: era o Tropicalismo (ou Tropicália) entrando em cena. Os expoentes atendiam pelo nome de Chico Buarque e Gilberto Gil – mas também havia Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Nara Leão e muitos outros. Outro membro do movimento foi o aluno da Escola de Música da UNB Tom Zé. A teatralidade típica ficava a cargo da experiência que o grupo teve na Bahia, quando se apresentavam no Teatro Vila Velha. Completavam o cenário o poeta Capinam, Torquato Neto, Rogério Duprat e Mutantes – banda de rock psicodélico. Aliás, o rock psicodélico brasileiro contou também com a contribuição de Ronnie Von, em três discos, hoje cult, mas grandes fracassos comerciais na época.

Os Mutantes eram compostos pelos irmãos Arnaldo Batista, músico talentoso e excêntrico, Sérgio Dias, irão de Arnaldo e músico de rock progressivo, Rita Lee, que se tornaria cantora pop após sair do grupo, e Arnolpho Lima Sobrinho, o Liminha, que se tornaria importante produtor anos depois.

Surgiram obras como “Domingo no Parque” e “Alegria, Alegria”, que amealharam fãs no II Festival da MPB. Caetano e Gil ainda apresentaram um programa de TV, Divino Maravilhoso, mas log, em 1969, foram presos no quartel do Exército no bairro carioca de Realengo. Logo após foram soltos, mas tiveram de buscar o exílio em Londres, onde permaneceram por dois anos. Lá, fizeram uma apresentação no Festival da Ilha de Wight, em 1970, onde também se apresentou Hendrix pela última vez.

O rock brasileiro ainda contou com o sucesso da canção “Era um garoto que como eu amava os Beatles e rolling stones”, dos Incríveis, uma versão de uma música italiana. Em 1967, veio a público o primeiro disco do grupo Raulzito e os Panteras, comandado por Raul Seixas. Ele compôs uma versão de Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, que se chamava Você ainda pode sonhar.

Mas o clima político ficava a cada dia mais cerrado, o cenário no exterior também não era animador. Em dezembro de 1968, como resposta à Passeata dos Cem Mil e ao discurso do deputado Márcio Moreira Alves contra o governo, a ditadura fez passar o AI5. O que se seguiu então foi um clima de desânimo e de impotência, que descambaria no ambiente do rock progressivo, embalado por muito álcool, drogas alucinógenas e curtição sem preocupação com o futuro – foi a época em que se multiplicavam comunidades hippies, em que se buscava, simplesmente, escapar do mundo.

Aos poucos, os símbolos do que ficava para traz iam morrendo, um após o outro: a cantora Sylvia Telles morreu em acidente de carro, depois nos deixou o jornalista cultural Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, seguiu-se então Cacilda Becker, a atriz Leila Diniz, Torquato Neto, Agostinho dos Santos, Vianinha, dentre outros.


 Rubem L. de F. Auto                                                                                                                                                   
 Fonte: livro “Música brasileira e cultura popular em crise”

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