Em junho de 1969, o jornalista Sérgio Porto, icônico
Stanislaw Ponte Preta, que ostentava um ar sisudo a despeito de seu senso de
humor original e crítico, deu à luz uma publicação que se tornaria marcante nos
anos seguintes: O Pasquim, hebdomanário no melhor estilo Charlie Hebdo.
Embora sofrendo ataques constantes por parte do governo,
sendo submetido a uma claustrofóbica censura, suas reportagens, resenhas,
entrevistas e cartoons, o jornal se manteve mais ou menos intacto até meados de
1972. O jornal emanava liberdade a partir de suas tintas, num tempo em que o
trabalho de informar era tolhido incessantemente.
O Pasquim tinha inspiração anos antes, na revista Pif Paf, lançada
em 1964 por Millôr Fernandes. O nome do semanário foi copiado do nome da coluna
que Millôr tinha na revista O Cruzeiro. A coluna teve fim após a demissão de
Millor, devida a uma série de artigos que ele escreveu sobre o paraíso bíblico,
chamada “A Verdadeira História do Paraíso”. Inevitavelmente o ateu Millor teve
problemas com os setores mais católicos da sociedade, e teve de ser tirado do
time de jornalistas.
Para o Pif Paf, Millor convocou Claudius Ceccon, Ziraldo,
Rubem Braga, Sérgio Porto, Eugênio Hirsch, Jaguar e muitos outros jornalistas
de peso. Mas os tempos eram bicudos e a publicação de Millor também seria
fechada quando, ainda no início da ditadura, ele escreveu: “se o governo
continuar deixando que circule esta revista, dentro em breve cairemos numa
democracia.” Esta seria a última edição da revista. Mas a censura que vitimou a
Pif Paf também atingiria sua sucessora, O Pasquim.
Os anos de 1975 e 1976 viram duras demonstrações de como
seriam tratados os desafetos do regime militar, mesmo que profissionais de
imprensa. Nesses anos, o jornalista Valdimir Herzog, da TV Cultura, foi preso
por se recusar a noticiar um ato político do governo de São Paulo.
Nesses mesmos anos, O Pasquim já não tinha mais o mesmo
fôlego e o vigor dos primeiros anos. E o episódio que quase levou a valente
publicação à lona foi, ao um só tempo, trágico e cômico, melhor dizendo,
tragicômico.
O cartunista Jaguar, em 1970, fez uma das suas paródias atrevidas:
criou uma montagem que utilizava o quadro histórico de Pedro Américo,
Independência ou Morte, na qual D. Pedro I gritava Eu Quero Mocotó – refrão da
música de Erlon Chaves, muito famosa naquela época. O regime entendeu que se
tratava de afronta contra o civismo nacional.
Nos meses de novembro e dezembro de 1970, estiveram presos
pelo governo militar os seguintes jornalistas d`O Pasquim: Paulo Francis, Ivan
Lessa, Ziraldo, Luiz Carlos Maciel, Paulo Garcez, Flávio Rangel, Sérgio Cabral (
pai, claro), Tarso de Castro, Jaguar e Fortuna. Somente escaparam da sanha
persecutória Millor, Henfil e Martha Alencar. Restaram como únicos editores das
próximas edições.
Produziram então “a gripe”: divulgaram que o motivo da
ausência dos parceiros se devia a uma gripe contagiosa impediu-os de
comparecerem à redação. Nesse interstício de dois meses, atuaram como
colaboradores do periódico: Chico Buarque, Antônio Callado, Odete Lara e
Glauber Rocha. Henfil aproveitou para demonstrar seu talento para publicar cartuns
do mesmo estilo dos desenhistas que haviam sido presos.
Quanto aos presos, não forma vítimas de maiores violências,
exceto pelo corte de cabelo compulsório a que foi submetido o cabeludo jornalista
e crítico de teatro Luiz Carlos Maciel. Segundo Jaguar, esse foi o único
episódio de “tortura” a que foram submetidos.
Rubem L. de F. Auto
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