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segunda-feira, 16 de julho de 2018

PIEGUICES, CAFONICES E CLICHÊS: OS AMORES BREGAS NA MÚSICA BRASILEIRA!



A cultura brega surgiu, no Brasil, em 1958 e está muito vinculada ao coronelismo, isto é, o poder que os chefes políticos locais exerciam sobre a população, submetendo-a a todo tipo de desmando. Embora o termo “coronelismo” esteja muito vinculado ao nordeste e aos grotões do país, também é coronelismo o poder que o crime organizado (jogo, drogas, milícias etc.) exerce sobre as populações carentes nos grandes centros urbanos.

Os coronéis locais, em geral, eram os proprietários das emissoras de rádio, que irradiavam as novidades musicais que passassem pelo crivo do dono. Assim surgiu a música brega, que logo se tornou o principal produto musical associado e este fenômeno.

Mas essa novidade musical surgiu sem os nomes “brega, “cafona” – estes, surgiram mais tarde. Por exemplo, o termo “cafona” foi criado pelo apresentador de televisão Carlos Imperial, e fazia referência à palavra italiana “cafone”, que significa antiquado, fora de moda.

A música brega teve sua inspiração inicial nos boleros e serestas, grandes sucessos nacionais nas décadas de 1940 e 1950, mas já fora de moda então. As características mais marcantes eram o romantismo exagerado, a paixão rasgada e platônica, sem deixar de lado uma certa influência estrangeira, embora assimilada de maneira bem provinciana.

As músicas cafonas atingiram um sucesso impossível de ignorar em botequins e prostíbulos, para logo depois tomarem as emissoras de rádio populares – aquelas mesmas ligadas ao poder político local. Por falar em botequins e prostíbulos, essa também foi a origem do nome “brega”: conta-se que havia uma rua em Salvador, chamada rua Padre Manuel da Nóbrega, onde pululavam botenquins e prostíbulos. Como a placa da rua estava bem degradada, sobrava apenas  a parte final do sobrenome do padre jesuíta, “brega”. Este local era o ponto de encontro preferido dos aficionados do estilo musical.

Os primeiros ídolos de sucesso inconteste surgiram ainda em 1958: Waldick Soriano e Orlando Dias. Orlando criou uma espécie de “persona brega”: letras de sentimentalismo aberto e sofrido, roupas exóticas e gestos cênicos, como ficar de joelhos no palco.

O empresário de Orlando Dias atendia por Abrahão Medina, pai de Roberto Medina, o “dono” do Rock in Rio. Entre 1960 e 1961, Orlando foi um dos maiores sucessos musicais do país. Eram dele “Tenho Ciúmes de Tudo”, “Perdoa-me pelo que te quero” e “Coração de Pedra”.

No final da década de 1950, outros nomes se juntaram àqueles ídolos pioneiros: Agnaldo Timóteo, Anísio Silva e Nélson Ned eram alguns deles. Contudo, deve-se fazer alguns reparos em relação a Altemar Dutra. Altemar começou sua bem sucedida carreira em 1963 e morreu precocemente, aos m43 anos, em 1983, após um derrame cerebral. Altemar foi provavelmente o único desses cantores bregas a apresentar uma renovação convincente dos boleros e serestas que cantava, em relação ao que se fazia nos idos de 1950. Daí muitos o colocarem fora do caldeirão dos músicos cafonas.

Esses ídolos bregas eram festejados especialmente nas áreas rurais e nos subúrbios das grandes cidades. Traziam consigo, portanto, uma mentalidade provinciana e conservadora, típicas de seus locais de origem. Mais do que isso, praticavam um estilo musical baseado no que se fazia no estrangeiro, sem qualquer interesse nos processos de renovação musical de raízes brasileiras.    
O marco do movimento brega foi o Golpe de 1964. Waldick Soriano logo surgiu com sua “Torturas de Amor” – “Eu não Sou Cachorro, Não” é de 1972. As músicas dessa época traziam arranjos que passavam a impressão de que havia uma grande orquestra acompanhando o cantor, os cantores se apresentavam com uma formalidade exagerada, eram escandalosos.

Um programa de televisão ajudou sobremaneira a popularizar o estilo brega foi o antecessor dos programas sensacionalistas, O Homem do Sapato Branco, transmitido pela TV Cultura de São Paulo.

O outro impulso dado à música brega foi o fatídico Ato Institucional nº 5 – o AI-5. Tirando qualquer vestígio de politização dos debates e mobilizações sociais, tornou o ambiente propício à difusão de um estilo musicial despolitizado, de caráter conservador, portanto adequado a um regime militar.

A música brega trazia de maneira acrítica – diferente da antropofagia cultural do modernismo brasileiro – a influência do bolero, dos mariachis mexicanos, da country music norte-americana e, não menos importante, da música romântica italiana. Não se comunicavam com estilos nacionais, como samba e músicas caipiras. O que contribuiu para a fama da música brega de que é um estilo discriminado pela MPB, quando de fato foi ela quem procurou se distanciar do que era brasileiro e engajado. O historiador José Ramos Tinhorão via a música cafona como uma submissão cultural à música estrangeira, especialmente a country music dos EUA e à música romântica italiana.

Outro elemento nesse cenário era o enfraquecimento que sofre a chamada MPB. Associada desde o início a letras politizadas e engajadas, ela se enfraqueceu muito com o fim do CPC – Centro Popular de Cultura, ligado à UNE - , responsável por divulgar discursos e manifestações populares. Mediante o cerramento das portas da UNE e o fortalecimento do coronelismo cultural, levou à apropriação da cultura brasileira de raiz pelas classes mais abastadas urbanas, enquanto a cultura popular ficava entregue ao popularesco, ao mau gosto e ao puramente comercial e apelativo.

A segunda geração de cafonas surgiu em 1968, após o de outro movimento musical, a Jovem Guarda. Uma parte, Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléa, Golden Boys e Incríveis enveredou pelo recém-surgido sambalanço ou pela soul music. Ronnie Von fez uma breve imersão na psicodelia.

A experiência em soul music por Roberto durou de 1968, quando de sua participação no festival de San Remo, até sua contratação pela Rede Globo, em 1975. A partir daí Roberto foi submetido a um processo de “bregalização” que iria influenciar muito o mercado discográfico nacional – aliás, seu imenso sucesso brega se alinhava à sua personalidade bastante  conservadora. Outro sucesso da Jovem Guarda a se lançar no mercado brega foram Os Fevers.

A segunda geração de bregas trazia nomes como Reginaldo Rossi, Odair José, Paulo Sérgio e outros. A influência musical deles era o “rock comportado”: Pat Boone, Neil Sedaka, Paul Anka, Johnny Rivers e outros.

Por volta de 1970, no auge do milagre econômico e embalado pelo tricampeonato mundial de futebol, no México, surgiu uma peça do ufanismo musical brasileiro: o “sambão-joia”. Foi uma derivação da Jovem Guarda, muito influenciada pelo grandioso sucesso de Wilson Simonal (fundador do denominado sambalanço), e trazia nomes como Benito di Paula, Luís Ayrão (autor de Ciúme de Você, gravado por Roberto Carlos) – a inspiração era Paul Anka e Neil Sedaka (compositor de sucessos dos Carpenters).

A ingenuidade das letras não punham à prova da censura os músicos bregas dessa última fase. Músicas como “Pare de tomar a pílula” e “Torturas de Amor” foram censuradas, mas por razões morais, não políticas. Muitos músicos eram declarados apoiadores da Ditadura.

Outro fenômeno observado naquelas décadas foi a apropriação de ritmos comerciais pelos estilos musicais típicos e regionais, tornando-as comercialmente interessantes. No Pará, terra do carimbó e de muitos outros estilos, a assimilação de ritmos caribenhos e africanos criou uma renovação artístico-cultural, como a guitarrada, a lambada – ambas utilizadas com interesses turísticos, também.

Na Bahia, a fusão cultural levou ao surgimento dos grupos de afoxé e de samba-reggae (Olodum, Ilê-Aiyê, Afoxés Filhos de Gandhi), o circuito dos trios – que juntava frevo, reggae, rock`n roll. Até guitarristas virtuosos vieram à luz: Armando Macedo, o Armandinho, foi expoente.

Um estilo musical muito usado nessas fusões musicais foi o forró. Este nome não representava um estilo musical, ao contrário de baião, maxixe, xaxado e outros. Forró era uma denominação para bailes em boates e casas noturnas. Mas, por volta de 1942, após a construção de uma base militar dos EUA em Natal, Rio Grande do Norte, e da invasão da região por yankees, donos de casas norturnas resolveram divulgar seus eventos com cartazes escritos “for all”, querendo com isso dizer que as festas eram para todas as pessoas. Mas os locais pronunciavam mesmo era “forró”, e assim ficou. Virou, nos anos 1970, denominação para qualquer estilo nordestino.

Por influência da novela da Rede Globo Estúpido Cupido, o Brasil foi invadido por um estilo que já sacudia os EUA há anos: a disco music, ou discoteque. O maior sucesso nacional nesse ritmo foram as Frenéticas, grupo de atrizes que cantavam letras compostas por Nelson Motta, que as empresariava – os maiores sucessos foram Dancing Days e Feijão Maravilha.

Acrescente-se a isso a Banda Black Rio, que interpretaria o tema da novela Locomotivas.
E então surgiu a terceira geração brega, que trazia Evaldo Braga e Mauro Celso – este último famoso pelas troças fonéticas, como “farofa-fá” e “biluteteia”. Carlso Alexandre e Amado Batita ficaram entre a segunda e a terceira gerações.

Outro nome forte da terceira geração foi Sidney Magalhães, um antigo crooner baiano que ficou famoso como Sidney Magal.

Na vertene mais apelativa, surgiu uma cantora e dançarina chamada Maria Odete de Miranda, ou Gretchen, que competia com a ex-chacrete Rita Cadillac. Engrossavam a fileira das musas populares, famosas por mostrarem o que se deveria esconder...

A tentativa de criar um pop brega levou ao surgimento de músicos como Sullivan e Massadas. O fim da década de 1970 levou ao surgimento do brega para exportação: Maurício Alberto se apresentou como Morris Albert e cantou seu imenso sucesso “Feelings”; Thomas William Standen mudou o nome para Terry Winter e lançou “Summer Holiday”, num estilo country.

Essa fase abriu caminho para que Ney Matogrosso cantasse sua versão de “Tell Me Once Again”, “Telma, Eu não sou Gay”, em 1983 – essa versão era de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados. Outros nomes foram o grupo Pholhas, Christian (mais tarde faria dupla sertaneja com Ralf), Marc Davis (nome artístico de Flávio Galvão, o nome verdadeiro de Fábio Jr., e outros.

Por fim, viu-se também a fusão musical que acometeu a música caipira: bolero, mariachi, country music, se somaram à música caipira típica, dando à luz fenômenos como Chitãozinho e Chororó, ainda nos anos 1970. Nascia o sertanejo romântico, derivado do brega, em músicas como Fuscão Preto. Era a versão brasileira do Tex-Mex dos EUA, nascido após unir o country music com a música mexicana.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Música Brasileira e Cultura Popular em Crise”

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