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terça-feira, 24 de julho de 2018

VAI PRA CUBA, COMUNISTA! TOSTÃO



A seleção brasileira campeão na Copa do Mundo no México encantou o mundo todo. Pelé, Gerson, Rivellino, Tostão, Jairzinho, o capitão Carlos Alberto Torres e companhia formaram aquele que é considerado o melhor selecionado de jogadores de futebol da história. Mas as histórias que permeiam a formação desse grupo são muitas e também curiosas.

Muitos sabem que Pelé correu, de fato, o risco de não jogar aquela Copa. Fisicamente destroçado após anos de atividade intensa e de uma coleção de botinadas e hematomas deixados por zagueiros-carniceiros com que se deparava, Pelé teve de se dedicar muito para superar as suspeitas de que estava velho e cego, para o futebol – como alguns comentários do então técnico João Saldanha faziam crer, levantando a suspeita de que ele pretendia cortar o maior craque brasileiro de todos os tempos. No entanto, alguns dizem que isso era mero boato e que o real motivo da saída de Saldanha era seu engajamento político junto ao Partido Comunista brasileiro.

O outro craque que poderia ter desfalcado aquela seleção foi o Tostão. E tudo por causa de uma entrevista concedida ao jornal O Pasquim, cerca de dois meses apenas do início da Copa.
Tostão era uma pessoa bem instruída: dentro de campo era o jogador-pensador, por causa de sua capacidade de ver o time coletivamente, achava companheiros bem posicionados; fora de campo, expressava opiniões sofisticadas e sempre mostrava uma certa inclinação para as ideologias consideradas de esquerda. Em tempos de regime militar, isso exigia certa precaução.

Essa imagem passada por Tostão se adequava ao que expressava a letra da música “Meio-de-Campo”, composta por Gilberto Gil em apoio a Afonsinho, na época envolto numa polêmica com Zagallo, no Botafogo, que exigia que o jogador cortasse seu cabelo e se afastasse daquela fisionomia de “militante de esquerda”. O trecho da canção é:

“Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou um Tostão
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão.”

Pelé representava, no imaginário, a perfeição do atleta em campo, contudo não demonstrava publicamente discordância com o ambiente político vigente – ao contrário, chegou a fazer couro com os que questionavam a capacidade de o brasileiro votar. Já Tostão passou a ocupar o lugar do jogador inteligente, crítico, questionador.

Além disso, Pelé era uma celebridade, portanto suas declarações poderiam se tornar bombásticas, criar crises políticas. E isso pesava sobre Pelé, cujas declarações deveriam ser comedidas. Ele chegou a ser ameaçado pelo governo de ter suas Declarações de Imposto de Renda minuciosamente conferidas, caso se recusasse a jogar a Copa de 1974.

Tostão foi entrevista em Minas Gerais por Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral (pai), Marilene Dabus, Tarso de Castro e outros. Evidentemente a conversa pouco se desenvolveu em torno do assunto futebol. Tendo sido arranjada pelo jornalista Sérgio Cabral, essa entrevista deveria focar no posicionamento político de Tostão – embora ele contasse meros 23 anos na ocasião.

Necessário dizer que Tostão vivia um drama pessoal naquele período. Jogador predileto do técnico João Saldanha, Tostão formava dupla intocável com Pelé. Contudo, após o afastamento de Saldanha e sua substituição por Zagallo, o caldo entornou. Zagallo não queria escalar Pelé e Tostão no mesmo time e mostrava clara preferência pelo jogador reserva do Tostão. Deve-se lembrar de que Tostão sofreu uma cirurgia por deslocamento de retina, sofrido num jogo do Cruzeiro contra o Corinthians – a cirurgia foi delicada, ocorreu nos EUA, mas após a Copa o jogador mineiro sofreu novo deslocamento e encerrou sua vitoriosa carreira com apenas 26 anos de idade. Certamente a dúvida que pendia sobre si fê-lo declarar de maneira mais aberta sobre o que pensava. De fato, a convocação de Tostão foi resultado de uma pressão intensa feita pela mídia e pelos torcedores sobre Zagallo, que não teve como resistir àqueles apelos, diários, na forma de charges e de matérias que o acusavam de tudo, de cego a homossexual - teria um caso com um dos jogadores da seleção.  

Nessa entrevista, Tostão chegou a fazer elogios a Dom Helder Câmara, arcebispo do Recife e religioso que se alinhava aos setores mais progressistas da Igreja. Desnecessário dizer que era inimigo público do regime militar. Sua declaração: “A Igreja foi feita para ir ao encontro do povo e não para o padre ficar dizendo: nós temos de nos conformar em ser pobres”.

Noutro momento, Tostão foi questionado sobre o que pensava da Guerra do Vietnã. Sua resposta: “A Guerra do Vietnã é suja. Uma guerra feita pela indústria”.  

Após essa polêmica entrevista, Tostão recebeu uma ligação intimidadora de um conhecido, que pedia que ele tivesse cuidado com as coisas que falava, caso desejasse figurar entre os convocados para a Copa – Tostão chegou a defender o direito de expressão e a liberdade de se ter um posicionamento político definido, nessa entrevista.


Rubem L. de F. Auto

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