A seleção brasileira campeão na Copa do Mundo no México
encantou o mundo todo. Pelé, Gerson, Rivellino, Tostão, Jairzinho, o capitão
Carlos Alberto Torres e companhia formaram aquele que é considerado o melhor
selecionado de jogadores de futebol da história. Mas as histórias que permeiam
a formação desse grupo são muitas e também curiosas.
Muitos sabem que Pelé correu, de fato, o risco de não jogar
aquela Copa. Fisicamente destroçado após anos de atividade intensa e de uma
coleção de botinadas e hematomas deixados por zagueiros-carniceiros com que se
deparava, Pelé teve de se dedicar muito para superar as suspeitas de que estava
velho e cego, para o futebol – como alguns comentários do então técnico João
Saldanha faziam crer, levantando a suspeita de que ele pretendia cortar o maior
craque brasileiro de todos os tempos. No entanto, alguns dizem que isso era
mero boato e que o real motivo da saída de Saldanha era seu engajamento
político junto ao Partido Comunista brasileiro.
O outro craque que poderia ter desfalcado aquela seleção foi
o Tostão. E tudo por causa de uma entrevista concedida ao jornal O Pasquim,
cerca de dois meses apenas do início da Copa.
Tostão era uma pessoa bem instruída: dentro de campo era o
jogador-pensador, por causa de sua capacidade de ver o time coletivamente,
achava companheiros bem posicionados; fora de campo, expressava opiniões
sofisticadas e sempre mostrava uma certa inclinação para as ideologias
consideradas de esquerda. Em tempos de regime militar, isso exigia certa
precaução.
Essa imagem passada por Tostão se adequava ao que expressava
a letra da música “Meio-de-Campo”, composta por Gilberto Gil em apoio a
Afonsinho, na época envolto numa polêmica com Zagallo, no Botafogo, que exigia
que o jogador cortasse seu cabelo e se afastasse daquela fisionomia de
“militante de esquerda”. O trecho da canção é:
“Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou um Tostão
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão.”
Pelé representava, no imaginário, a perfeição do atleta em
campo, contudo não demonstrava publicamente discordância com o ambiente
político vigente – ao contrário, chegou a fazer couro com os que questionavam a
capacidade de o brasileiro votar. Já Tostão passou a ocupar o lugar do jogador
inteligente, crítico, questionador.
Além disso, Pelé era uma celebridade, portanto suas
declarações poderiam se tornar bombásticas, criar crises políticas. E isso
pesava sobre Pelé, cujas declarações deveriam ser comedidas. Ele chegou a ser
ameaçado pelo governo de ter suas Declarações de Imposto de Renda
minuciosamente conferidas, caso se recusasse a jogar a Copa de 1974.
Tostão foi entrevista em Minas Gerais por Ziraldo, Jaguar,
Sérgio Cabral (pai), Marilene Dabus, Tarso de Castro e outros. Evidentemente a
conversa pouco se desenvolveu em torno do assunto futebol. Tendo sido arranjada
pelo jornalista Sérgio Cabral, essa entrevista deveria focar no posicionamento
político de Tostão – embora ele contasse meros 23 anos na ocasião.
Necessário dizer que Tostão vivia um drama pessoal naquele
período. Jogador predileto do técnico João Saldanha, Tostão formava dupla intocável
com Pelé. Contudo, após o afastamento de Saldanha e sua substituição por
Zagallo, o caldo entornou. Zagallo não queria escalar Pelé e Tostão no mesmo
time e mostrava clara preferência pelo jogador reserva do Tostão. Deve-se
lembrar de que Tostão sofreu uma cirurgia por deslocamento de retina, sofrido
num jogo do Cruzeiro contra o Corinthians – a cirurgia foi delicada, ocorreu
nos EUA, mas após a Copa o jogador mineiro sofreu novo deslocamento e encerrou
sua vitoriosa carreira com apenas 26 anos de idade. Certamente a dúvida que
pendia sobre si fê-lo declarar de maneira mais aberta sobre o que pensava. De fato, a convocação de Tostão foi resultado de uma pressão intensa feita pela mídia e pelos torcedores sobre Zagallo, que não teve como resistir àqueles apelos, diários, na forma de charges e de matérias que o acusavam de tudo, de cego a homossexual - teria um caso com um dos jogadores da seleção.
Nessa entrevista, Tostão chegou a fazer elogios a Dom Helder
Câmara, arcebispo do Recife e religioso que se alinhava aos setores mais
progressistas da Igreja. Desnecessário dizer que era inimigo público do regime
militar. Sua declaração: “A Igreja foi feita para ir ao encontro do povo e não
para o padre ficar dizendo: nós temos de nos conformar em ser pobres”.
Noutro momento, Tostão foi questionado sobre o que pensava
da Guerra do Vietnã. Sua resposta: “A Guerra do Vietnã é suja. Uma guerra feita
pela indústria”.
Após essa polêmica entrevista, Tostão recebeu uma ligação
intimidadora de um conhecido, que pedia que ele tivesse cuidado com as coisas
que falava, caso desejasse figurar entre os convocados para a Copa – Tostão chegou
a defender o direito de expressão e a liberdade de se ter um posicionamento
político definido, nessa entrevista.
Rubem L. de F. Auto
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