Em 1938, ocorreu o evento que deixaria o mundo em calafrios
e traria a certeza de que a humanidade caminhava
decididamente para o precipício da história: as tropas de Hitler invadiram a
Áustria, num evento conhecido como Anschluss. Agora o “Reino do Sul” estava
anexado à Alemanha. Mas foi um evento muito bem planejado pelos alemães, haja
vista que 99,75% dos austríacos votaram a favor da anexação em plebiscito.
No Brasil, o ano de 1938 foi marcado pelas divergências
entre o Partido Integralista, liderado por Plínio Salgado e que apoiara o golpe
de 1937 - quando Vargas declarou o início do Estado Novo, a ditadura varguista,
agora desinibida -, e o governo de Getúlio. Os desentendimentos desaguaram numa
tentativa de Golpe contra Getúlio, quando invadiram o Palácio do Governo. No
entanto foram impedidos. Ao fim, 1.500 integralistas foram presos e vários,
fuzilados.
Já na França, todas as atenções estavam voltadas para a terceira
Copa do Mundo. Mas a história dessa edição começa em 1936, em Berlim, cidade-sede
das Olimpíadas de 1936. Hitler seguiu os passos de seu mentor fascista,
Mussolini, e transformou aquele evento numa grande propaganda nazista. De fato,
angariou bons resultados, mas o futebol decepcionou – foram eliminados pela
Noruega.
O fim dos Jogos Olímpicos marcou o início de mais um
Congresso da FIFA, que decidiria o país-sede da Copa de 1938: Argentina e
França disputavam. A Argentina alegava seu direito, pois entendera que haveria
um rodízio de continentes, devendo agora retornar à América. Já a França estava
naquela disputa por desejo pessoal do presidente da FIFA, o francês Jules
Rimet.
Por seu turno, o governo francês alegou falta de recursos
para sediar o torneio, devido à crise de 1929 – além disso, o país estava
literalmente em pé de guerra com a Alemanha. Por isso propôs que a sede fosse
compartilhada por três países: Holanda, Bélgica e França. Mas Rimet queria
insistiu no seu desejo e, ao cabo, a França sediaria o evento, construindo
estádios em diversas cidades e pagando os custos dos participantes.
Os argentinos ficaram recoltados com a decisão da entidade e
declararam de plano que boicotariam aquela edição – se juntaram Àquele boicote
Colômbia, Bolívia, Costa Rica, Estados Unidos, México, El Salvador e Guiana
Holandesa. Já o Uruguai, juntou-se aos descontentes, mas por pura falta de
recursos, embora tenham voltado a alegar como motivo as ausências em 1930.
A Espanha também estaria ausente, mas por conta da terrível Guerra
Civil que se abateu sobre o país. Aliás, muitos dos grandes jogadores da
fortíssima seleção de 1934 foram vitimados naquele conflito. Apenas Lagara
teria ainda carreira no futebol, mas porque se transferiu para a Argentina.
O Japão seria outra ausência, devido à guerra que iniciara contra
a China. O Egito passava por seriíssimos problemas políticos e também estaria
de fora.
Mesmo com essas ausências, os inscritos eram muitos e
precisou-se de uma Eliminatória para definir os 36 países classificados para a competição.
A FIFA inaugurou uma nova regra em 1938: tanto o país-sede
quanto o último campeão estariam classificados automaticamente: portanto França
e Itália já estavam dentro. Outra mudança foi com relação aos empates: havendo,
o jogo iria para a prorrogação. Mantido o empate, novo jogo e nova prorrogação,
se necessária. Não havendo desempate, classificam-se ambos – a regra anterior
previa jogos infinitos até o desempate.
Capítulo à parte foi o inferno que desabou sobre a Áustria.
Após a anexação alemã, o país perdeu sua seleção nacional que tanto encantava o
mundo – a invasão se deu apenas 3 meses antes do início do torneio, estando a
Áustria já classificada, após derrotar Letônia e Lituânia. A regra previa,
aliás, que a Letônia fosse convocada no lugar, pois era a segunda do grupo, mas
o francês que encabeçava a FIFA queria deixar claro para o mundo o que
ocorrera: resolveu convocar apenas os 15 países, deixando a o lugar da Áustria vago.
A Suécia, que seria o primeiro adversário da Áustria, passou automaticamente
para as quartas-de-final.
O técnico alemão, Sepp Herberger, foi autorizado a convocar jogadores
austríacos para sua equipe – e aproveitou a oportunidade convocando 7
selecionáveis da nova colônia alemã. A grande ausência foi, sem sombras de
dúvida, a de Mathias Sindelar, o melhor jogador da Áustria e um dos melhores do
mundo, então. Sua esposa estava muito doente, o que o deixou sem condições de
jogar. De fato, ela viria a falecer no início de 1939, o que o levou a cometer
suicídio. Seu enterro foi acompanhado por 15 mil austríacos profundamente
emocionados. A rua onde morava foi rebatizada com seu nome. O futebol austríaco
nunca mais seria o mesmo.
Quanto aos favoritos para o torneio, figuravam Alemanha,
Itália, Tchecoslováquia e Brasil. Sim, o Brasil protagonizaria agora uma
participação muito superior à das duas primeiras edições, quando foi eliminado
vergonhosamente na primeira fase. Agora, ao lado de excelentes jogadores, havia
comissão técnica e um planejamento minimamente competentes.
Após a unificação da CBD com a FBF, acabou o clima de
disputa que opunha jogadores profissionais e amadores. O técnico, Ademar
Pimenta, era o melhor técnico do país e profundo conhecedor das táticas do
esporte. No sul-americano de 1937, o Brasil perdeu apenas a final contra a
Argentina, num jogo tão violento que até os policiais argentinos agrediram
jogadores brasileiros.
Pimenta pode convocar seus prediletos à vontade, e ele
chamou de fato os melhores. A concentração durou um mês, em Caxambu, interior
de Minas Gerais. Os recursos para aquela empreitada não foram problema: o
governo vendeu selos a 500 réis cada, com a frase “Auxiliar o scratch é dever
de todo brasileiro.” Somados às doações pessoais, tinha dinheiro para os
preparativos e para a viagem. A própria delegação seria agora bem menor e até o
presidente da CBD ficou no Brasil, abrindo espaço para mais um médico para os
jogadores.
A seleção se despediu do Brasil em 30 de abril, sob chuva
forte, na praça Mauá, no Rio de Janeiro, quando o transatlântico Arlanza
singrava o Atlântico em direção ao velho continente. Para a viagem, estavam
previstas três paradas estratégicas, que serviriam como ocasião para treinos
com bola: em Salvador, em Recife e no Senegal.
Na chegada, um episódio terminou por comprometer a boa
vontade dos franceses em relação à seleção brasileira. Logo do desembarque em
La Havre, Pimenta estava preocupado com a espionagem dos adversários, como
ocorrera em 1934. Ele decidiu então enviar bilhetes à imprensa, avisando quando
eles poderiam ser acompanhados. Mas os franceses encararam aquilo como uma
grosseria e o Brasil perdeu a chance de ter torcida a favor desde o primeiro
jogo.
A abertura da Copa ocorreu no Parque dos Príncipes: Alemanha
x Suíça. Teoricamente, os alemães ganhariam de lavada – mas não foi bem assim.
A Alemanha parecia um conjunto de peças desencontradas, todos perdidos em campo
– muitos inclusive defendem que os jogadores austríacos estavam sem a menor
alegria de defender a seleção do invasor, outros alegam que eles realmente não
queriam vencer, pelo mesmo motivo.
A Alemanha abriu o placar aos 29 minutos do primeiro tempo.
A Suíça empatou aos 43. O segundo tempo não viu gols, assim como a prorrogação.
Resultado: novo jogo! Embora os suíços tenham jogado bem, a torcida francesa os
fez sentirem-se em casa. Os alemães entraram e campo e logo fizeram aquela repulsiva
saudação nazista. Para os franceses, àquela altura, soou como uma ofensa ao país. Os suíços caíram em graça com os franceses.
No dia 9, no segundo jogo, no mesmo Parque dos Príncipes, o sonho
coletivo se realizou. A Alemanha começou na frente, aos 8 minutos. Aos 22, com
gol contra, a Suíça empatou. Daí em diante a Suíça entrou em ritmo de goleada:
Walascher dez 2x1 aos 41 e Abegglen III converteu aos 30 e aos 33 do segundo
tempo. A Alemanha estava fora da Copa, levando consigo toda aquela antipática
ideologia e seus símbolos insólitos.
No dia 5, Cuba, pela primeira vez numa Copa, começou sua série
de jogos que terminariam por cativar o mundo. Embora franzinos, o time contava
com jogadores hábeis e rápidos em campo. Do lado adversário, a Romênia trazia
um time experiente e seguro. O jogo prometia. Aos 38 minutos, a Romênia abriu o
placar. Mas Socorro tratou de deixar tudo igual, apenas 4 minutos depois. Aos 14
minutos do segundo tempo, Baratki deixou os romenos de novo em vantagem. Mas
Máquina, aos 43, igualou tudo novamente. Na prorrogação, ainda aos 8 minutos, a
Romênia marcou mais um. Apenas 3 minutos depois, Máquina marcou seu segundo no
jogo. Uma nova partida seria disputada para se conhecer o vencedor.
Esta segunda partida trouxe uma curiosidade que serviria
apenas para mostrar como aqueles cubanos haviam ido longe, mesmo sem qualquer
preocupação com profissionalismo. O goleiro Carvajales, um dos melhores no
primeiro jogo, deixou o time para trabalhar como comentarista esportivo na
transmissão da segunda partida. Os cubanos finalmente se empolgaram com sua
seleção, e a atenção na ilha estava toda voltada para aquela disputa – nada mais
blasé do que transmitir o jogo ao vivo, por rádio, tendo como comentarista
seria ninguém menos do que o goleiro, que saiu do time.
Mas a ausência de Carvajales quase não foi notada. Os
romenos marcaram com apenas 9 minutos de jogo, mas os cubanos viraram aos 20 e
aos 35 do primeiro tempo. Cuba estava na segunda fase!
A Tchecoslováquia passou pela Holanda por 3x0, os três gols
na prorrogação.
A Hungria pegou a fraquíssima seleção das Índias Holandesas,
ocasião em que meteu 6 gols, 4 no primeiro tempo.
A França despachou a Bélgica com um justíssimo 3x1.
Já a Itália teve pela frente a Noruega, time que mais lhe
deu trabalho nas Olimpíadas anteriores e que eliminou a Alemanha na mesma
competição. A Itália fez 1x0 com apenas 2 minutos de jogo. Mas a Noruega jogou
duro e empatou aos 38 do segundo tempo. O mesmo Brustad do primeiro gol marcou
um segundo logo depois, mas o árbitro anulou o lance por impedimento.
Pozzo vá via os fantasmas da eliminação da Alemanha, mas a
prorrogação lhe foi mais complacente. Silvio Piola aproveitou um rebote errado
do goleiro norueguês e garantiu a vitória italiana.
A participação do Brasil na primeira fase se deu contra a
respeitável Polônia. O ataque perigosíssimo dos poloneses foi responsável por
marcar 4 inacreditáveis gols contra a Iugoslávia, tirando-a das eliminatórias.
Mas o Brasil seguia favorito.
O primeiro tempo foi jogado sob sol forte e o Brasil encenou
um belo espetáculo. Aos 18 minutos, Leônidas marcou o primeiro. Aos 22, a
Polônia empatou, mas Romeu e Perácio marcaram aos 25 e aos 44, pondo os
poloneses em seu devido lugar.
Mas, no segundo tempo, tudo mudou, acompanhando as mudanças
climáticas. O sol forte deu lugar a uma tempestade que praticamente
inviabilizou o gramado. Os poloneses era mais fortes e altos e se aproveitaram
das condições impraticáveis para o futebol técnico dos brasileiros. Scherfke marcou
aos 5 do segundo tempo. Willimowski marcou o segundo aos 14. Perácio finalmente
marcou aos 27 e deixou o placar em 4x3 para o Brasil. O scratch cararinho
passou então a administrar a vantagem até que... a Polônia empatou tudo de novo
aos 43 minutos do segundo tempo. Zezé Procópio foi bater o lateral, a bola
escapuliu de suas mãos, sobrou nos pés de um atacante adversário, que deu o
passe para Willimowski por cima de Zezé e marcou com um chutaçoo no gol de
Batatais, indefensável. Tudo igual, passemos à prorrogação.
A torcida – e especialmente a imprensa - francesa,
antipática às táticas de Ademar Pimenta para evitar a espionagem dos
adversários, sentiu mais afinidade com os poloneses. Estes, foram trocar de
uniforme no vestiário, enquanto os brasileiros ficavam em campo, debaixo de
chuva, sujos de lama e cabisbaixos pelo que ocorria em campo.
Mas, então, brilhou a estrela: Leônidas da Silva estava
prestes a entrar na história do futebol mundial. Sem conseguir render por causa
de suas chuteiras enlameadas, tirou-as e passou a jogar apenas de meias. Foi
nessa condição que marcou o gol de desempate na prorrogação, que foi chamado em
todo o mundo apenas de “o gol de meias”. O árbitro então mandou que Leônidas
repusesse seu uniforme completo. Calçado, o “anjo de pés descalços” marcou mais
um.
A Polônia ainda descontou no final da prorrogação, mas o
Brasil passava de fase – e Leônidas passava a ser conhecido pelo seu codinome
mais famoso: diamante Negro. Teve até mesmo registrado para si um gol de
Perácio (marcou três gols mas teve registrados 4 para si). Já o atacante polonês Willimowski passou a
ser o jogador que mais gols marcou contra o Brasil: 4 gols.
Nas quartas-de-final, a Suécia, classificada automaticamente
após a saída da Áustria, tinha pela frente Cuba. Embora seu futebol tivesse
encantado na Copa, os cubanos sabiam que tinham ido muito além do que se
esperava deles. Praticamente os suecos nãos os deixaram jogar e tomaram ensurdecedores
8x0, um dos placares mais dilatados da história.
A Suíça, que heroicamente eliminara os alemães, tinha agora
a poderosíssima Hungria pela frente. Mas, agora, não houve zebra: tranquilos 2x0
para a Hungria e os suíços deixarma a Copa, mas sob fortes aplausos do público.
A França se manteve no Parque dos Príncipes, agora para
enfrentar os favoritíssimos italianos. Sob forte pressão da torcida, que
transformou o estádio num caldeirão, o maior público daquela Copa, os italianos
despacharam os franceses com acachapantes 3x1.
Importante notar que Il Duce, ameaçava, coagia seus
jogadores e técnico a darem o que tinham e o que não tinham em campo, mas
também sabia retribuir caso seus desejos fossem realizados. Os jogadores
vitoriosos em 1934 receberam de Mussolini 20 mil liras, pensão vitalícia e
título de comendador.
O Brasil viajou até Bourdeaux para enfrentar a
Tchecoslováquia, no jogo que inaugurava o estádio. O jogo na verdade descambou
para uma vergonhosa batalha campal, em que praticamente não se jogou bola.
Ainda no início da partida, Zezé Procópio deu uma entrada violenta e fraturou o
pé de Nejedly, que permaneceu em campo, apesar das dores. Zezé foi expulso.
Embora com um a menos, o Brasil marcou aos 30, com Leônidas.
Aos 44 da primeira etapa, Machado e Riha trocaram agressões e foram expulsos. O
segundo tempo foi marcado pela caçada brutal dos tchecos a Leônidas. O craque
brasileiro já estava com o corpo coberto por hematomas. Aos 19, Domingos da
Guia cometeu pênalti. Nejedly, com o pé fraturado, bateu e converteu. Tudo
igual. A violência continuou e no final do jogo Perácio e o goleiro tcheco Planicka
se chocaram, ficando o goleiro adversário com o braço quebrado. A prorrogação
era necessária.
Perácio também foi muito violentado em campo e já estava bem
machucado quando começou a prorrogação. Kostaler foi o mais atingido do lado
polonês. O goleiro Planicka jogou a prorrogação co o braço quebrado e, apesar dos
feridos, nada mudou na prorrogação. Uma nova partida seria necessária.
Para essa nova etapa, Nejedly e Planicka não foram escalados
pois estavam no hospital. Leônidas estava sem condições de mostrar seu melhor,
porque sentia muito as agressões da partida anterior. Contudo, as cenas deploráveis
da primeira partida não se repetiram e os times resolveram agora jogar futebol,
apenas. O resultado foi bonito.
O técnico brasileiro efetuou mudanças relevantes no time
(ele só não podia contar com um jogador, o Niginho, que tinha contrato com a
Lázio e foi tornado inabilitado para a competição pelo seu time).
Leônidas foi escalado mesmo sentido dores fortes, mas ainda assim
foi um dos melhores em campo. O Brasil começou o segundo jogo atrás: os tchecos
marcaram aos 30 do primeiro tempo. Mas o Brasil empatou com Leônidas aos 11 do
segundo tempo. Os tchecos ainda marcaram mais um gol, mas o juiz não viu a bola
entrando, os brasileiros continuaram jogando como se nada tivesse acontecido,
os tchecos reclamaram muito, mas o árbitro não marcou o gol mesmo assim.
Aos 17, Roberto marcou o gol da vitória. O Brasil estava na
semifinal! Contudo, o adversário agora era a quase imbatível Itália. Nos nove
anos à frente da Azurra, Vittorio Pozzo só perdeu um jogo – coincidentemente
para os tchecos, um ano antes, por 2x1, em Praga.
Ainda assim, a vitória suada contra os tchecos fez a seleção
brasileira sentir o sabor da soberba. Todos achavam agora que iriam bater os
italianos. Mas os problemas não paravam de surgir. O pior deles foi com
Leônidas, que sentiu um caroço na perna, o massagista achou que poderia
tirá-lo, mas os excessos de massagem pioraram ainda mais o estado do jogador,
que chegou a Marselha sem poder apoiar o pé no chão – era estiramento, mas
ninguém tinha percebido isso. Para piorar: o reserva de Leônidas era justamente
o Niginho, que não poderia ser escalado.
Ainda no trem, o técnico Ademar Pimenta teve séria discussão
com um de seus melhores jogadores, o Tim, que ficou fora da partida contra a
Itália. Pimenta então teve de mudar seu esquema tático completamente,
principalmente no ataque.
No Brasil, o clima era de euforia. Multidões se aglomeravam
na Cinelândia, no Rio, e na Praça da Sé, em São Paulo, para ouvirem as
transmissões radiofônicas emocionadas de Gagliano Neto. Houve inclusive casos
de falecimento de pessoas com o coração mais fraco...
Pois bem. Para o jogo contra a Itália, o comunicado oficial dizia
que Leônidas e Hércules seriam poupados – mas a verdade é que estavam
machucados e não poderiam jogar. Mas a delegação estava tão certa da vitória
contra a Itália que resolveram comprar logo as passagens para Paris, local da
final.
Mas a partida entre aquelas seleções não poderia ser fácil. A
Itália começou sufocando. O ataque brasileiro, extremamente alterado, não
funcionava e o Brasil nem chegava no gol adversário. No segundo tempo, aos 11
minutos, Colaussi marcou 1x0 para a Itália. O Brasil se desesperou e se lançou
ao ataque. Foi quando aconteceu um lance que ainda hoje suscita discussões
acaloradas.
Aparentemente Domingos da Guia não conhecia muito bem as
regras do futebol – até porque mudavam constantemente naquele tempo. Ao perder
a cabeça com as provocações do italiano Piola, agrediu-o sem bola dentro da
grande área, quando a bola estava do outro lado do campo. O árbitro viu a
agressão e marcou pênalti para a Itália. Muitos sustentam que, quando Domingos
desferiu o golpe a bola estava fora de jogo, o que descaracterizaria o pênalti.
Seja como for, o craque italiano Guiseppe Meazza bateu e converteu – apesar de
precisar segurar seu calção, cujo cordão se rompeu pouco antes.
A partir daí o que se viu foi um completo desânimo dos
brasileiros, enquanto os italianos administravam o 2x0. O Brasil conseguiu
ainda descontar aos 43, com Romeu, mas o Brasil iria agora disputar o terceiro
lugar – e o árbitro passou a pessoa mais odiada no Brasil. Membros da delegação
brasileira ainda lembraram que poderiam tentar impugnar o resultado, mas
perderam o prazo de protesto. O ressentimento foi tal que se recusaram a vender
as passagens para Paris para os italianos.
A outra semifinal entre Suécia e Hungria mereceu até mesmo a
presença do rei sueco Gustavo V, que deixou Estocolmo só para acompanhar sua
seleção. Mas a confiança dos húngaros era tal que o técnico disse: “Se perder
esse jogo volto para Budapeste a pé.”
E não exagerava. A Hungria detonou a Suécia por 5x1, mesmo
tendo a Suécia inaugurado o placar.
O Brasil então retornou a Bordeaux para enfrentar os Suecos.
Até então a seleção já havia viajado mais de 2.500 km de trem, jogou duas
prorrogações desgastantes em apenas 12 dias e enfrentou problemas inesperados para
escalar jogadores.
A semifinal contra a Suécia foi moleza. O adversário jogava
e queria jogar, e Leônidas, mesmo ainda não plenamente recuperado das dores, jogou
bem. A Suécia marcou duas vezes, aos 18 e aos 38 da primeira etapa. Mas o
Brasil virou com Romeu no primeiro tempo e com Leônidas no segundo, duas vezes.
Perácio ainda marcou mais um par ao Brasil. Final, Brasil 4x2, Leônidas saia da
Copa com sete gols marcados, e o Brasil terminava em terceiro lugar – muito diferente
das duas participações anteriores.
A final foi jogada entre Itália e Hungria, em Paris. A torcida,
claro, virou húngara. Mas não foram capazes de parar os italianos. Colaussi fez
1x0 aos 5 da etapa inicial. Titkos empatou aos 7. Mas, aos 16, Piola marcou
mais um para a Itália, seguido de Colaussi aos 35. Os Húngaros conseguiram
marcar de novo somente aos 25 da segunda etapa. Piola converteu mais um gol aos 37 e a Itália
levava a Taça do Mundo – ou Taça Jules Riemt, a partir de 1946.
Já durante a comemoração, um telegrama atrasado chegava para
os italianos. Era Mussolini, como de costume: “Vencer ou morrer”. Mas agora o bilhete
provocativo chegava em clima ameno.
O pós Copa, trouxe o apocalipse que se esperava. A França
que recebeu os alemães e os viu saindo humilhados receberia, alguns anos
depois, o exército nazista, que tomaria o país e mergulharia o continente nas
trevas. A Copa de 1942, marcada para a Alemanha não ocorreu – até porque não se
poderia dizer sequer que a Alemanha existia àquela altura. De fato, o Brasil
também solicitou o direito de sediar a Copa de 1942, mas a Alemanha já o havia
feito.
Jules Rimet prometeu que o Brasil sediaria a Copa de 1946. Esta
também não ocorreu, pois o continente europeu ainda tentava se recuperar dos
rescaldos do conflito. O Brasil sediaria o evento apenas em 1950, que teve
aquela final entalada na garganta contra o Uruguai...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O Arquivo Secreto das Copas: 1930-1954”
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