O estabelecimento das emissoras profissionais de rádio no
Brasil sofreu diversos percalços. Conforme as Rádios Educadora e Record,
paulistas, tomavam corpo, as insipientes concorrentes cariocas se viam
impelidas a fazer o mesmo. Uma delas, a Rádio Mayrink Veiga, trouxe de Sampa o
famosíssimo violonista Zezinho de São Paulo e agregou a seu corpo de artistas, a
cada dia mais estrelado.
A Rádio Ipanema, de 1935, apresentou uma programação de
tirar o fogo: Laurindo Almeida e Nestor Amaral, ainda na semana de estreia.
Garoto parecia levar a competição entre as emissoras a sério
e, ainda em 1931, na Rádio Educadora, da qual era contratado, apresentou um
instrumento musical ainda inédito no Brasil: o violão tenor. Assemelhava-se a
um violão normal, mas tinha o braço um pouco mais curto e só tinha 4 cordas,
afinadas em dó, si, ré e lá. Este violão era usado nos EUA desde cerca de 1920 e
se chamava “tenor guitar”.
Também na década de 1930, surgia outro instrumento, introduzido
no Brasil por Zezinho e Garoto: a guitarra havaiana. Zezinho ainda se
apresentou algumas vezes tocando o exótico “ukelele”.
A partir de julho de 1932, São Paulo se afundou em meio a um
terrível conflito, uma guerra civil que opunha o estado contra o Brasil,
chamada Revolução Constitucionalista. Homens, mulheres e crianças eram
recrutados por meio de slogans, como: “Vencer ou morrer!”, “Tudo por São Paulo!”.
Garoto tomou parte no entrevero participando de um grupo que tocava para os
feridos, nos hospitais, tentando reconfortá-los daquele sofrimento.
Garoto já era um músico respeitado e muito bem remunerado:
recebia da Rádio Educadora a quantia de 450 mil-réis por mês, muito se
comparado com o teto de 250 mil-réis pagos pelas outras emissoras, ou mesmo com
os 300 mil-réis pagos pela mesma Educadora a seus outros músicos famosos.
Em 4 de fevereiro de 1934, Garoto se apresentava em outra
ocasião muito especial: a Educadora promoveu uma homenagem ao singular Ernesto
Nazareth, poucos dias após o falecimento deste foi um dos mais incríveis músicos
brasileiros.
Em 1935, segundo alguns, porém um fato não confirmado (e
improvável), Garoto e seu parceiro Aimoré, ambos em turnê pelos estados do sul
do Brasil, quando em Porto Alegre, teriam se encontrado com a estrela maior da
Argentina, Carlos Gardel. Contudo Gardel, nascido Charles Romuald Gardes, em
Toulouse, França, morreu em acidente aéreo no mesmo ano de 1935.
Em 1936, uma missão de artistas brasileiros rumou para a Argentina
e Europa (notadamente Holanda e Alemanha). Eram anos de nazifascismo
desavergonhado, quando Vargas se aproximou perigosamente de Mussolini e Hitler.
O programa de rádio Programa Nacional (o atual A Voz do Brasil) era transmitido
para os países Europeus governados por aquela ideologia repugnante.
Em Abril, Nestor Amaral rumou para Buenos Aires com seu
conjunto. Naqueles mesmos dias, os jornais noticiavam a ida do Conjunto Típico,
sob a direção de Zezinho, à Europa. A bordo do navio Cuiabá, saindo do Rio de Janeiro
e levando muitas marchas, sambas, choros e emboladas na bagagem, após breve
parada no Recife, chegaram ao destino final, Berlim, na Alemanha. Toda essa
excursão foi patrocinada pelo governo federal.
Por três meses, apresentaram-se em Londres, Lisboa e Paris.
Contudo, em Paris, um imprevisto impossibilitou-os de desembarcar seus
instrumentos. Sem poder tocar, aproveitaram o tempo para assistir a
apresentações da dupla que mais repercutia no velho continente: o duo Django
Reinhart (mago do violão, tocando com apenas dois dedos e o dedão de apoio) e
Stephan Grapelli, mestre do violino.
Embora alguns contestem, Garoto certamente não fez parte
dessa excursão, embora tenha demonstrado sofrer certa influência do violão de Django.
Como novidade musical, Zezinho trouxe da Alemanha um violão
elétrico, inédito no Brasil.
De volta ao Brasil, Zezinho e Laurindo tomaram parte numa
caravana que contava com Carmem Miranda e Aurora Miranda, Francisco Alves e
outros.
Ainda em 1936, um grupo de artistas cariocas muito
respeitados, como Sílvio Caldas, Nonô, Luís Barbosa e Aracy de Almeida, chegou
a São Paulo para uma série de apresentações.Garoto foi chamado para tocar com
eles. Ainda o ensaio, um evento ajudou Garoto a se impor em meio àquelas
estrelas toas. Silvio Caldas observou que Garoto tinha em mãos cavaquinho,
bandolim e guitarra havaiana. O cantor então ficou instigado: “Será que ele
toca isso tudo mesmo?”. Outro integrante, Armandinho, incentivou Garoto a
demonstrar suas habilidades com cada um deles, um após o outro. A cada
tentativa de Garoto, Silvio dizia jocosamente: “Não toque, pode ficar mal para
você.” Desejando pôr um ponto final nas provocações, Garoto pegou seu violão
tenor e dirimiu todas as dúvidas quanto à sua capacidade musical.
Os cariocas tiveram de se dobrar ao jovem paulista e
convidaram tanto Garoto quanto Aimoré para uma apresentação em Santos. Talvez
tenham sido os próprios cariocas, maravilhados, quem indicou a dupla para se
apresentar na Rádio Mayrink Veiga, poucos meses após o aquele evento.
Ser contratado pela Rádio Mayrink significava se juntar a um
cast que contava com Noel Rosa, João Petra de Barros, Ciro Monteiro, Dircinha
Batista, Patrício Teixeira, Carmen Miranda, Aurora Miranda, Sílvio Caldas e
Francisco Alves.
Quando Garoto e Aimoré retornaram à terra da garoa, Laurindo
passou a se apresentar com o músico Gastão Bueno tocando a guitarra havaiana.
Segundo Pixinguinha, Bueno foi quem introduziu o banjo no Brasil.
E Sampa, Garoto foi contratado pela Rádio Cruzeiro do Sul,
na qual tomou parte na Orquestra Colúmbia, do maestro Gaó. Em 1937, nessa
rádio, Garoto e Aimoré executaram uma apresentação inédita: os dois tocaram um
violão a quatro mãos – Garoto executava as cordas mais agudas, enquanto Aimoré
tocava as mais graves.
Em 1938, dentre muitas realizações, gravou sucessos do samba-choro,
que compôs com Moreira da Silva, considerado o mestre desse estilo. No total,
puseram na praça 5 discos: Mineiro Sabido e Todo Mundo está Esperando, no
primeiro disco; Fraco Abusado e Nega Zura, no segundo; e assim por diante.
Em 1942, Garoto e Moreira ainda lançaram mais 4 discos,
perfazendo um total de 9 pela dupla. O Rei do Breque influenciou Garoto a
compor Vamos acabar com o baile, cheio da ginga e da malemolência aprendidas
com o grande sambista.
Em 1938, Garoto e sua esposa desembarcam no Rio de Janeiro,
onde novamente se integra ao cast da Rádio Mayrink. Comprou uma casa no bairro
de Brás de Pina, subúrbio carioca, estrategicamente próxima da Rádio. Sua estreia
se deu com o conjunto Cordas Quentes, acompanhado de Laurindo Almeida no violão
de seis cordas, Faria no contrabaixo e Mesquita no violino.
Garoto também deu forma ao grupo Duo do Ritmo Sincopado, no
qual tocava o violão tenor dinâmico fabricado pela Del Vecchio. Embora
contassem com Zezinho, este embarcou para os EUA logo após, para tocar na
orquestra de Romeu Silva, que se apresentava na Feira de NY.
Garoto ainda liderou seu grupo de músicos em gravação com
Carmen Miranda, em dois sambas, compostos por Laurindo: “Mulato
Antimetropolitano” e “Você Nasceu para ser Grã-Fina”.
No período seguinte, Garoto gravo choros com Jararaca; dois pout-purris
com Ary Barroso; duas canções com Dorival Caymmi, e muito mais.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Gente Humilde: Vida e Música de Garoto”
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