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sexta-feira, 29 de junho de 2018

TREM DE DOIDO, SÔ! CLUBE DA ESQUINA



TREM DE DOIDO – LÔ BORGES; LETRA DE MÁRCIO BORGES

Quando existia o Hospital Colônia de Barbacena, maior hospício do Brasil e mais insalubre do que Campo de Concentração de prisioneiros de guerra – tinha 200 vagas, mas chegou a abrigar mais de 5 mil infelizes almas -, o encaminhamento dos doentes se dava, em geral, por meio de trens. Daí surgiu a expressão “trem de doido”.
Os “doidos” vinham de toda parte, e sua internação, após um Decreto de Getúlio Vargas, carecia apenas da apresentação de um Atestado Médico. Milhares de denúncias revelavam que muitos daqueles pacientes eram alcóolatras, esposas traídas e internados para que seu marido se casasse com a amante, moradores de rua, mães solteiras e muitos outros que somente enlouqueceram após aportarem naquela “sucursal do inferno”, como foi chamado num matéria jornalística.
A letra da canção abaixo, gravada no disco Clube da Esquina, fala de mudanças e usa o hospício mineiro como metáfora.


Noite azul, pedra e chão
Amigos num hotel
Muito além do céu
Nada a temer, nada a conquistar
Depois que este trem começa a andar, andar
Deixando pelo chão os ratos mortos na praça
Do mercado

É sabido que os membros do Clube da Esquina deixaram sua Minas natal em direção ao Rio de Janeiro num trem. Os dois primeiros versos parecem descrever uma noite enluarada, um quarto de hotel, onde os amigos da banda se aglomeravam. Os versos seguintes falam do sonho que tinham de fazerem sucesso no distante (horas de viagem de trem) Rio de Janeiro (cidade grande se comparada à recentemente construída Belo Horizonte).
Os versos que falam dos ratos na praça do Mercado fazem referência aos locais boêmios que os músicos frequentavam em BH.

Quero estar onde estão
Os sonhos desse hotel
Muito além do céu
Nada a temer, nada a combinar
Na hora de achar o meu lugar no trem
E não sentir pavor dos ratos soltos na praça
Minha casa

Os dois primeiros versos dessa estrofe falam da ansiedade de chegar ao almejado destino: RJ. Os seguintes, falam da coragem necessária para aquela mudança. A palavra trem parece assumir outra conotação, talvez se referindo ao lugar que desejavam ocupar no cenário musical brasileiro.
Os ratos agora estão na casa que ficou para trás. Casa é a mesma BH, mas tratada agora como lar, com mais afeto.

Não precisa ir muito além dessa estrada
Os ratos não sabem morrer na calçada
É hora de você achar o trem
E não sentir pavor dos ratos soltos na casa
Sua casa

O primeiro verso, aqui, faz uma espécie de conselho para que outros sigam o exemplo dado pelos jovens músicos. Os ratos, aqui, fazem referência Às pessoas, que não sabem morrer no mesmo local onde nasceram. Elas morrem nas ruas, em movimento, seguindo para um destino.  
Achar o trem seria o mesmo que buscar seu destino, seguir seus desejos e instinto.
Os dois últimos falam dos medos, das incertezas que temos de tomarmos grandes decisões.

Quero estar onde estão
Os sonhos desse hotel
Muito além do céu
Nada a temer, nada a combinar
Na hora de achar o meu lugar no trem
E não sentir pavor dos ratos soltos na praça
Minha casa

Não precisa ir muito além dessa estrada
Os ratos não sabem morrer na calçada
É hora de você achar o trem
E não sentir pavor dos ratos soltos na casa
Sua casa


Rubem L. de F. Auto

quinta-feira, 28 de junho de 2018

FOI UM RIO DE JANEIRO QUE PASSOU...



Em 1883, ano em que Anacleto de Medeiros se tornou aluno do Conservatório de Música, a cidade do Rio de Janeiro vivia um período intenso, que desaguaria, em 1889, na Proclamação da República.

Embora o sistema de governo tivesse mudado – mediante um Golpe militar -, a estrutura social continuava tão deplorável quanto antes, poucos tinham uma participação política efetiva. O bem comum e a coisa pública nunca foram objeto de preocupação dos novos “eleitos”.

Os dois primeiros presidentes da nascente República eram militares e usaram seus mandatos quase integralmente para conter revoltas promovidas por monarquistas. O terceiro presidente, primeiro civil, Prudente de Moraes, instituiu o “jogo de comadres” conhecido como política do café-com-leite, segundo a qual Minas Gerais e São Paulo passariam a República Velha dando as cartas na política nacional.

Aliás, o direito ao voto era bem pouco republicano. A Constituição de 1891 dizia que todos poderiam votas, exceto 95% da  população: mulheres, analfabetos, padres, soldados. Considerando-se o fato de que os 5% que votavam estavam submetidos ao voto de cabresto – isto é, tinha-se que votar sob coação do coronel local, aquele direito se tornava uma boa piada.

O Rio de Janeiro do início do século XX era uma cidade medonha. Mais de 800 mil pessoas se espremiam por entre ruas estreitas, vielas sujas, becos imundos. As praças eram pouco arborizadas, o que aumentava ainda mais a sensação térmica numa cidade quente.

O centro da cidade, local de residência de nobres que aqui aportaram após 1808, era agora marcado por doenças e caos. Os mais ricos fugiam em direção à zona sul da cidade: Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo, Botafogo. Os casarões da velha aristocracia se tornaram, então, cortiços: o imóvel era subdividido em pequenos cômodo, alugados às pessoas mais humildes. Essas moradias mais do que precárias se tornaram comuns, sendo que a mais famosa atendia por Cabeça de Porco. De propriedade do Conde D`Eu, esposo da princesa Isabel, chegou a abrigar milhares de pessoas e possuía um pórtico em sua entrada com a figura de uma cabeça de porco.

Em seu interior eram encontrados sobrados, oficinas, barbearia e criação de animais. Em meio àquela imundície, multiplicavam-se doenças as mais variadas. A mais difundida era a febre amarela, que no verão atingia toda a cidade. Moradores da cidade ou passageiros que desembarcavam no porto morriam aos milhares.

O inverno não era muito mais seguro: varíola, peste bubônica, tuberculose se faziam presente. Todos eram vítimas em potencial, mas os mais pobres evidentemente sofriam mais.

Anacleto lembrou dos cortiços em sua polca “Cabeça de Porco”, gravada com a execução pela banda do Corpo de Bombeiros entre 1904 e 1907, porém na forma de maxixe.

Os moradores mais abastados da cidade, no verão, fugiam da imundície e do calor em direção a Petrópolis. Podia-se perceber essa debandada dos endinheirados no esvaziamento da rua do Ouvidor, reduto das lojas mais caras da cidade, nos teatros de portas cerradas, ou pela pouca atividade das mulheres dos bordéis de luxo.

Mas havia um desejo encoberto de modernidade, de se criar uma cidade de padrões europeus nos trópicos, que fizesse desaparecer toda aquela desordem urbana, inadequada a um país que se pretendia grande.

Tendo como modelo Paris, começaram os trabalhos para civilizar o Rio. Inicialmente, o prefeito Pereira Passos nomeou o sanitarista Osvaldo Cruz, em 1903, para pôr exterminar as doenças que assolavam a cidade. Decretou-se guerra aos ratos, a vacinação foi tornada obrigatória, o serviço de limpeza das ruas foi instituído. Os resultados foram imediatos.

Os engenheiros Francisco Bicalho e Paulo de Frontin lideraram o “bota-abaixo”: obras de remodelamento do porto, de construção de jardins, alargamento de ruas. No centro, foi construída a avenida Central, atual Rio Branco. A Floresta da Tijuca ganhou novos traçados e a avenida Beira-Mar chegou em Botafogo.

Anacleto não estava alienado daquele progresso todo e compôs o dobrado “Avenida”, obra que reproduziu debaixo de chuva na inauguração da homenageada avenida Rio Branco, regendo os músicos da banda dos bombeiros.

Construídas as primeiras vias modernas, não demorou para que os automóveis se integrassem à paisagem urbana, antes composta apenas por bondes a tração animal ou elétricos, charretes, carroças e que tais. Em 1907 já eram centenas ou automóveis em circulação.

Toda aquela novidade, no entanto, trazia benefícios a muitos poucos. Embora a questão da saúde pública estivesse mais ou menos resolvida, os moradores que perderam suas moradias não foram indenizados, tendo sido portanto expulsos para favelas ou subúrbios longínquos. E ali surgiram algumas das maiores riquezas musicais surgidas neste país.  

O Rio do final do século XIX já era reconhecido pela riqueza musical. Casas de todos os estratos sociais eram alegradas pelo som do piano e do violão, em meio a saraus-literários. O bel canto se fazia presente nos teatros. Com a presença cada vez mais frequente de Companhias de Teatro europeias, discutir sobre compositores da estirpe do italiano Verdi tornava-se comum, assim como ouvir pianistas tocando árias famosas.

A praça da República, atual praça Tiradentes, abrigava uma série de teatros que se dedicavam ao gênero de revista: um texto musicado sobre atualidades. Era a maneira mais comum de divulgar obras musicais – só seria superado pelo cinema, anos depois. Foi o gênero adotado por Chiquinha Gonzaga, que a consagrou em todo o país.

Nesse período, Anacleto tirava seus rendimentos da comercialização de suas partituras em casas especializadas: casas Narciso-Arthur Napoleão, Lyra de Apolo, Viúva Canongia e outras. Essa forma de comercializar obras musicais só seria superada com a Era do Disco.

A modernização do centro do Rio levou à inauguração dos cinemas, boa parte deles localizados na avenida Central. Os filmes eram mudos, portanto cabia aos músicos dar-lhes vida sonora. Era a oportunidade para músicos como Ernesto Nazaré, um dos maiores nomes do país.

A música se fazia presente também em cafés-cantantes e nos chopes.

Mas tocar para uma multidão era ocasião reservada Às grandes festas populares. A maior de todas era a Festa da Penha, comemorada desde o século XVIII. Tambores de zé-pereira, choros, maxixe, bandas musicais, músicos e compositores da cidade se reuniam por lá em outubro. Aliás, mostrou ser a ocasião ideal para avaliar os sucessos do carnaval seguinte.

Anacleto viveu isso tudo. E em homenagem à diversidade musical carioca compôs “Os boêmios”, em 1901.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Rio musical de Anacleto...”    

SOB A BATUTA DO MESTIÇO: ANACLETO DO CORETO DE PAQUETÁ



Em meados de 1907, um sentimento de tristeza e saudade se abateu sobre a população da ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Uma procissão caminhava em direção ao largo do Medeiros, atualmente Praça do Bom Jesus. Estando os homens vestidos com sobrecasacas vistosas, gravatas inglesas, sapatos italianos; acompanhados de suas senhoras a exibir saias compridas, chapéus e leques, todos usavam um guarda-sol para se protegerem do calor implacável do Rio de Janeiro. O ponto de concentração da multidão era o coreto, onde os músicos do Recreio Musical Paquetaense, responsáveis pela principal diversão dos habitantes locais. Não sabiam, mas iriam assistir à última apresentação da banda, regida por seu querido maestro.

Alguns meses mais tarde, a cena se repetiria – contudo, num dia triste, nublado e chuvoso. Mas agora os músicos das bandas do Recreio, do Corpo de Bombeiros e da Fábrica Bangu se reuniam para fazerem a última homenagem ao mentor e fundador, músico já famoso na capital e reconhecido regente da banda do Recreio: Anacleto Augusto de Medeiros.   

Embora em luto, as pessoas cantavam polcas, marchas, valsas, quadrilhas, dobrados e xótis pelas ruas de Paquetá, numa clara invocação das obras do regente que os deixava. A última pá de terra despejada sobre o caixão do mestre foi acompanhada do som de orações, cornetas, clarinetas, pratos, tambores, pistões e trombones tocados por alunos e professores do Instituto Nacional de Música. Anacleto tinha 41 anos e morrera de infarto.

A ilha de Paquetá foi ocupada inicialmente pelos franceses da expedição de Villegagnon em 1556, que pretendiam fundar a França Antártica. Expulsos os inimigos pelos homens de Estácio de Sá, em 1565, a ilha foi dividida em sesmarias, as quais foram doadas a colonos. Paquetá se tornou então importante fornecedora de cal, pedras, hortigranjeiros e pescados para o Rio de Janeiro por séculos.
A ilha fica a apenas 15 quilômetros da praça XV, no centro da cidade do Rio. Porém, essa pequena distância durava várias horas até o início do século XIX, quando a travessia era feita em botes, faluas e saveiros movidas pelo esforço de escravos. Tudo mudou em 1838, quando da inauguração da Companhia de Navegação da Piedade, que começou a fazer regularmente o trajeto em barcos a vapor.

A ilha de Paquetá também era um local procurado por personalidades do império que desejavam se depurar das intrigas e dos percalços do poder. Foi o caso de José Bonifácio, também conhecido como patriarca da independência, ou “timoneiro da independência do Brasil”. Destituído de praticamente toda a autoridade que detinha após a eleição de Antônio Feijó como regente, quem o exonerou do seu cargo ministerial, Bonifácio se mudou para Paquetá e foi viver lá, em paz e longe da política.

Mas Bonifácio não foi a primeira celebridade a procurar abrigo nas águas pacatas da ilhota. A primeira delas ali aportou em 1808, forçado, por conta de uma chuva torrencial que o apanhou no seu trajeto, quando fugia da Europa em meio às invasões napoleônicas. D. João VI se sentiu cativado pela paisagem bucólica e, não menos importante, pelas águas do poço São Roque, que julgava serem ótimas para tratar sua úlcera nas pernas.  

Paquetá voltou a ocupar lugar de destaque no noticiário após a proclamação da República. Foi em meio à Revolta da Armada, de 1893, conflito suscitado pela Marinha de Guerra do Brasil, então integrada por monarquistas que não se conformavam com os desmandos do presidente da República, o marechal Floriano Peixoto.

Esta Revolta isolou a ilha do resto da cidade por meses, enquanto era usada pelos revoltosos como base para seus ataques contra as tropas inimigas. Evidentemente isso obrigou os moradores a se retirarem temporariamente para outras paragens. A família de Anacleto, então com 27 anos, abrigou-se em Magé. Contudo, os revoltosos conseguiram tomar um pedaço daquela cidade, mas foram expulsos em 28 de fevereiro em 1894. Em “homenagem” à derrota dos antiflorianistas, Anacleto compôs uma canção, “Fantasia”, mais tarde tornada famosa como “28 de fevereiro”. Findo o conflito, Floriano enviou o coronel Moreira César prender todos os que tivessem prestado algum auxílio aos revoltosos.

]Anacleto era filha de uma escrava alforriada, Isabel de Medeiros – não consta o nome do pai em sua Certidão de Nascimento. Isabel foi tornada liberta antes da abolição da Escravidão. Provavelmente Isabel era escrava de ganho (a quem era permitido obter ganhos com seu trabalho, desde que dividisse parte dos rendimentos com seu senhor) praticava o biscate, vendendo doces e outras guloseimas pelas ruas, maneira pela qual acumulou o dinheiro necessário para comprar sua liberdade. Isabel teve outros 5 filhos.

Outro morador da ilha bastante famoso e respeitado atendia por João da Silva Pinheiro Freire. Médico conhecido pela preocupação com os mais carentes, era uma espécie de autoridade reconhecida pelo povo: unia os papéis de doutor, administrador, delegado e juiz de paz em uma só pessoa.

Baiano, Dr. Pinheiro Freire morou em aquetá por 40 anos, período em que travou amizade com poderosos, como o Conde D`Eu e o marechal Deodoro da Fonseca. Faleceu em 1904, deixando toda a ilha entristecida e a Anacleto, particularmente consternado – em homenagem ao amigo, Anacleto compôs a marcha fúnebre “Dr. Pinheiro Freire”. Dr. Pinheiro foi fundamental na vida do regente, pois o indicara para ingressar na Escola de Menores do Arsenal de Guerra e no Conservatório de Música do Rio de Janeiro.

Anacleto animava as noites serenas da ilha. Frequentemente saía com seus músicos nas noites enluaradas tocando músicas românticas, fazendo breves paradas em locais românticos ou aos pés da janela de alguma moça receptiva ao galanteio, seguindo a tradição das serestas. Este gênero é produto do romantismo do século XIX e surgiu ao reunir letras de poetas e melodia de compositores populares. Tomou parte da paisagem urbana das principais cidades brasileiras.

Algumas composições de Anacleto também foram letradas. A mais conhecida, o xóti “Yara”, ganhou letra do poeta Catulo da Paixão Cearense, quando foi rebatizada para “Rasga o coração”. Foi uma das canções mais tocadas pelos seresteiros do início do século XX.

Anacleto era fã declarado de um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos: o maestro e compositor Carlos Gomes – considerado por muitos como o maior músico das Américas. O autor de O Guarani se encontrou com Anacleto em Paquetá poucos anos antes de falecer, na casa do amigo Júlio Tavares. Ao saber da presença de seu ídolo na ilha, Anacleto pediu autorização para homenagear Carlos Gomes com algumas músicas de sua lavra.

Quando se aproximava do final de “Protofonia do Guarani”, Carlos Gomes já estava emocionado, lacrimejando e desejando dar um caloroso abraço em seu novo amigo mestiço. Terminou por emitir um breve lamento, por não ter tido a oportunidade de levar o “seu caboclo”, como passou a chama-lo,  para aperfeiçoar seus estudos na Itália.  


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Rio musical de Anacleto de Medeiros”

quarta-feira, 27 de junho de 2018

I CAN`T GET NO DITADURA – ROLLING STONES NO BRASIL, SÓ QUE NÃO




Com torturas, prisões arbitrárias e desaparecimentos, a Ditadura Militar manchou de sangue e repressão a história recente do nosso país. Isso se aprende na escola, mas o que poucos sabem é que o autoritarismo do regime impediu os Rolling Stones de fazerem seu primeiro show no Brasil em 1975. Na época, a banda estava divulgando o álbum It’s Only Rock ‘n Roll (1974) com a Tour of the Americas, a primeira turnê em que participou o guitarrista Ron Wood.

Se não fosse pelos militares, a história do rock no Brasil seria outra, pois os Stones já tinham uma forte relação com nosso país que poderia ter sido mais profunda ainda. Segundo o livro Sexo, Drogas e Rolling Stones, foi no dia 6 de janeiro de 1968 que Mick Jagger e sua esposa Marianne Faithful vieram pela primeira vez ao Rio de Janeiro, hospedando-se no Copacabana Palace com os nomes de Michael Phillip e Marianne Evelyn Dunbar. O casal passou cerca de um mês entre o Rio e a Bahia, onde Mick se envolveu bastante com a cultura do candomblé, uma vivência determinante para a sonoridade de “Sympathy For The Devil”, lançada no Beggars Banquet (1968).

Em dezembro do mesmo ano, Mick e Marianne voltaram para cá com Keith Richards e sua mulher Anita Pallenberg em um navio que saiu de Lisboa. Foi nessa viagem que surgiu o apelido “Glimmer Twins”, que Mick e Keith usam para se referir a si mesmos até hoje. Os quatro desembarcaram no Rio (onde Anita descobriu que estava grávida do primeiro filho de Keith, Marlon Richards) e, depois de lá, foram para Matão, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Lá, eles passaram cerca de 15 dias na Fazenda Boa Vista, propriedade do banqueiro Walter Moreira Salles. Como os Stones conheceram o banqueiro e o que eles foram fazer lá, ainda é um mistério. Sabe-se apenas que eles compuseram “Country Honk” (que virou “Honky Tonk Women”) nessa fazenda. “[A música] foi composta num violão acústico e me lembro do lugar porque cada vez que dava descarga no banheiro apareciam uns sapos pretos pulando – uma imagem interessante”, relata Keith em sua autobiografia, Vida (2010). Depois de Matão, eles passaram ainda por Araraquara, Ouro Preto e Belo Horizonte.

Cinco anos depois disso, Mick Jagger voltou ao Rio com sua nova esposa, Bianca Jagger, ocasião em que gravou uma música chamada “Scarlet” com vários músicos de estúdio (dentre eles, Dadi Carvalho, baixista dos Novos Baianos). Infelizmente, essa gravação nunca saiu em lugar nenhum. Em janeiro de 1974, Mick Taylor, o guitarrista que substituiu Brian Jones em 1969, passou meses no Rio de Janeiro e conheceu também Manaus. Ele só ficou na banda até dezembro daquele ano, sendo substituído por Ron Wood, que está na banda até hoje. Seria com essa formação que os Stones se apresentariam em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1975.

Acontece que, de 29 de maio a 1 de junho daquele ano, São Paulo sediou um dos maiores festivais de rock que o Brasil já tinha visto até então: o Banana Progressyva. Na ocasião, 16 grupos se apresentaram no auditório da Fundação Getúlio Vargas, dentre eles Erasmo Carlos, Hermeto Pascoal e várias lendas do rock psicodélico/progressivo brasileiro, como A Bolha, Barca do Sol e Som Nosso de Cada Dia. Quem organizou esse evento foi Fernando Tibiriçá, com sua produtora Trinka e quem também estava lá era Alberto Byington Jr., presidente da gravadora Continental. A história dos Rolling Stones e do Banana Progressyva se cruzam no momento em que, ao ver o sucesso do festival, Alberto foi aos bastidores do evento convidar Fernando Tibiriçá para produzir um show dos ingleses em São Paulo naquele mesmo ano.

Conversamos com o Fernando sobre isso e, a partir daqui, ele próprio pode contar melhor essa história.
(...)

Mas as negociações do show começaram em junho mesmo? Logo depois do Banana você já começou a negociar isso com o Alberto?
Isso, foi caminhando de uma forma mais ou menos lenta por causa até da comunicação da época. Eu estava colocando à disposição uma estrutura pra que os Stones ficassem bem hospedados, fossem bem tratados, tivessem um local onde pudessem fazer o evento com bons equipamentos – ainda que a maior parte do equipamento viria com a banda. Mas precisava-se de garantias financeiras e garantias em geral. E, nessa hora de garantias, surgiu a história de que eles não poderiam fazer o que bem entendessem.

Quanto tempo demorou para se saber isso?
A coisa foi se diluindo no segundo semestre de 1975, não sei dizer exatamente se foi por volta de setembro ou outubro que já tinha-se como certo que era impossível eles virem. Teve aquele momento da euforia, que correu junho e julho, negociações em agosto e, a partir de setembro, foi se sentindo que era inviável, praticamente impossível, por causa das condições que ele tinham. Veja bem, vários outros artistas já tinha estado no Rio de Janeiro fazendo grandes festas, se drogando à vontade. Mas eles não expunham isso profissionalmente, não faziam promoção disso. O projeto se diluiu sem ninguém assumir a responsabilidade pelo “não”, mas também sem ninguém dizendo “Sim, vamos fazer”. Porque não dava pra encarar.

A gravadora Continental não quis defender o show até as últimas consequências?
Eu não sei, é muito difícil mencionar a Continental. Na realidade, o sistema não permitia que você entrasse em choque com ele. Se você criasse algum empecilho, perderia algum privilégio. Era difícil brigar porque o governo não permitiria que os caras fizessem putaria, orgias, bacanais, alto consumo de drogas e ainda trouxessem uma galera junto pra passar uns dias no Brasil… Isso as autoridades não permitiam. É nessa época que surge a expressão “careta” e quem era careta não fazia a menor questão de ver os Rolling Stones aqui. Hoje, se os Stones vierem, o cara que é careta vai ser um dos primeiros a comprar o ingresso. Na época, o careta não entendia isso.
(...)


Rubem L. de F. Auto

segunda-feira, 25 de junho de 2018

TRIBOS EM GUERRA EM 1965 – LEGIÃO URBANA



Renato Russo, assim como todos os roqueiros vindos de Brasília nos anos 1980, pertencia a uma família da elite do serviço público, diretamente beneficiada após o Golpe Militar de 1964. Daí ser ele um dos filhos da “revolução” (ou golpe de 1964), e que também se pôs contra a mesma, após adquirir consciência do que de fato se tratava de fato aquilo tudo.
Essa música reflete um pouco da conflito mental e social que acompanhou aquela geração.


1965 (Duas Tribos) - Legião Urbana

Vou passar
Quero ver
Volta aqui
Vem você

Esse trecho apresenta o conflito entre dois grupos opostos. Um ameaça, o outro se opõe.

Como foi?
Nem sentiu

Aqui, um dos polos em conflito realizou o que queria, ao mesmo tempo em que demonstra uma indiferença flagrante em relação às consequências dos seus atos.

Se era falso
Ou fevereiro
Temos paz
Temos tempo
Chegou a hora
E agora é aqui

A palavra “falso” faz referência à data de 1º de abril, data do Golpe de 1964. “Fevereiro” faz referência ao carnaval. Como a letra fala em 1965, apenas um ano após o Golpe, certamente ainda havia muitas dúvidas sobre a qualidade do Golpe militar. Foi bom ou foi ruim para o país?

Cortaram meus braços
Cortaram minhas mãos
Cortaram minhas pernas

Claras referências à censura, nos dois primeiros versos, e à tortura, no terceiro, de opositores ao Regime que se instalou no país.

Num dia de verão
Num dia de verão
Num dia de verão

Aqui, uma referência ao AI 5, que seria promulgado em dezembro de 1968.

Podia ser meu pai
Podia ser meu irmão

Aqui, a aleatoriedade com que se abatiam vítimas. Qualquer um que ousasse expressar suas ideias poderia ajudar a engrossar a fileira dos “desaparecidos”.

Não se esqueça
Temos sorte
E agora é aqui

Nesse trecho, lemos o alívio de quem não se vitimou naquele período e estava vendo o fim daqueles anos de chumbo. Agora, estariam vendo o início de um futuro brilhante...

Quando querem transformar
Dignidade em doença?
Quando querem transformar
Inteligência em traição?
Quando querem transformar
Estupidez em recompensa?
Quando querem transformar
Esperança em maldição?

Os versos acima mostram o pior dos efeitos colaterais que regimes autoritários têm sobre as pessoas: o clima social de perseguição, denuncismo, ameaças veladas ou `{as claras, levam pessoas covardes, sem convicção e especialmente ignorantes a ocuparem cargos e postos sociais muito importantes, em detrimentos de pessoas corajosas e convictas de suas ideias.
Ao cabo desses anos de repressão, tem-se uma sociedade formada por pessoas que não têm coragem de expor suas ideias, que temem até o vizinho e que rejeitam o conhecimento, como algo insalubre.

É o bem contra o mal
E você de que lado está?
Estou do lado do bem
E você de que lado está?
Estou do lado do bem
Com a luz e com os anjos

Aqui fica claro o conflito que a letra procura abordar. Existe um lado, que ele considera o lado do bem, e o outro, certamente aquele identificado com as torturas, censura etc.

Mataram um menino
Tinha arma de verdade
Tinha arma nenhuma
Tinha arma de brinquedo

Aqui, uma referência à pobreza  e à violência que levam ao assassinato de milhares de pessoas todos os anos. Deve-se lembrar de que aquele período viu uma ascensão vertiginosa de esquadrões da morte e de grupos paramilitares que atuavam à sombra da lei.
A discussão dos dois últimos versos reflete a disputa na sociedade entre os que apoiam um lado e o outro, na forma da estrofe anterior.

Eu tenho autorama
Eu tenho Hanna-Barbera
Eu tenho pera, uva e maçã
Eu tenho Guanabara
E modelos Revell

Os versos acima fazem oposição àqueles abordados anteriormente: aqui se trata de um menino rico, cujos pais podem comprar para ele os brinquedos mais caros, frutas de clima temperado e outros objetos que traduzem status social. Uma pequena parcela da sociedade, de fato, ascendeu, ao contrário da maioria, vitimada pelo aumento extraordinário da desigualdade social.

O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país do futuro
O Brasil é o país

Aqui, a repetição da frase de Stefan Zweig, que serviu de título a sua obra escrita nestes “tristes trópicos” (frase de Levy-Stauss). Embora surrada, ainda suscita alguma esperança nesses tupiniquins.

Em toda e qualquer situação
Eu quero tudo pra cima
Pra cima, pra cima

A canção termina com uma característica bem brasileira: a alegria que tem de ser demonstrada em todos os momentos e situações. Mesmo naquelas circunstâncias mais sérias, que demandam um comportamento mais sisudo.
Afinal, esta característica dos brasileiros é positiva ou negativa para que cheguemos a esse futuro promissor? O Brasil é o país do futuro ou da alegria imotivada? É o paradoxo deixado por Renato Russo.


Rubem L. de F. Auto

quinta-feira, 21 de junho de 2018

REVOLUCIONÁRIOS FRANCESES DO RAP – PRECISAMOS DE REVOLUÇÃO



BESOIN D`ÉVOLUTION – RÉVOLUTION
MÉDINE


On rencontre son destin
Sur les chemins que l'on emprunte pour mieux l'éviter
Parti pour combattre le déclin
J'me suis libéré d'mes besoins pour léviter
Pour mieux élever ma Nation
La même qui me considère comme un problème plutôt qu'une solution
Il y a le mot "love" dans "révolutionne"
Avec un canon à onde, j'fais la rélovution !

Besoin de changer les belles paroles en de belles actions
Besoin de tourner les paraboles de nos cœurs vers la réflexion
Besoin de changer l'état du peuple et l'État de sa condition
Besoin de faire construire des écoles, pour mieux démolir des prisons
Besoin de
Prendre de la hauteur, entrer dans les auteurs
Besoin d'être l'instigateur, le parfumeur de ma propre odeur
Besoin de m'libérer de la peur
D'écrire le livre pas d'être l'acteur
Besoin de dealer de la sueur
D'être leader parmi les suiveurs
Je n'ai plus peur ! Peur, peur, peur...

Rélovution, rélovution, rélovution
J'ai besoin de rélovution
Élève la voix !
Lève le bras !
Lève la voile !
Trouve la foi !
Enlève le mal !
Allège le poids!
Lève le poing !
Prouve l'exploit !
Rélovution, rélovution, rélovution
J'ai besoin de rélovution
Élève la voix !
Lève le bras !
Lève la voile
Trouve la foi !
Enlève le mal !
Allège le poids !
Lève le poing !
Trouve l'espoir !

On a besoin d'agir
Car le mal n'a besoin que de l'inaction des gens de bien
On gâchera trente ans de nos vies
Si on voit le monde à cinquante ans comme on le voyait à vingt
Prisonniers de nos besoins
Être libre c'est avoir des longueurs de chaîne plus grandes que le voisin
Il y a le mot "Rêve" dans "Révolution"
Au revolver à son j'viens faire la rélovution !

Besoin d'envoyer les têtes plus haut que la stratosphère
Besoin d'aboyer dans les quartiers bien plus fort que leurs chiens n'peuvent faire
Besoin d'engendrer les caractères sur la matrice de nos pères
Besoin d'enterrer la hache de guerre pour que la paix sorte de terre
Besoin de, désherber tous les cœurs, déserter les bunkers
Besoin d'être l'agriculteur, le semencier de mon propre sort
Besoin de dynamiter les peurs, changer ces dix années de labeur
Besoin de designer nos rapports pour mieux redynamiser les cœurs
N'ayons plus peur ! Peur, peur, peur...

Nous sommes des rélovutionnaires
Un jour on lève le poing, un jour on forme un cœur avec les doigts
Où sont mes fréres missionnaires ?
Ceux qui n'ont pas peur de nager aux côtés de l'homme qui se noie
Les hommes fêlés qui laissent passer la lumière
Ceux qui veulent planter leur bannière en terre lunaire
Tant qu'il y a d'la vie, il y a de l'espoir dit-on
Sur un tank à vibrations, j'mène la rélovution !

Jamais un album ne m'aura pris autant de temps... Cinq ans, cinq ans d'absence, cinq ans d'épreuves, de remise en question, de doutes... Alors quand les professionnels de la musique, analyseront les ventes de la première semaine... moi, je me souviendrais des heures de studio inchiffrables, de toutes les fois où j'ai dis à ma femme : "je reviens dans deux heures grand max", de ces nuits blanches qui ne prenaient fin qu'avec la sonnerie de l'école maternelle "Edouard Vaillant", des discussions avec Proof et Salsa, des marathons à travers la France, de salles de concert en cabine d'enregistrement. On se souvient surtout dans ces moments, de tout ce que les gens ne pourront que supposer. J'me donne pas d'excuse, je ne cherche pas à susciter une quelconque empathie. J'ai pas à me plaindre, on pourra certainement me compter parmi les chanceux. J'marche avec les mêmes gars depuis la primaire. Le rap nous a réuni et aujourd'hui le rap nous fait vivre. J'essaie juste de rappeler, qu'il n'y a pas de victoire sans effort. Et qu'on oublie souvent, qu'il y a le mot "homme" dans "album"

Encontram o destino
Nos caminhos que usam para evitá-lo
Parti para lutar contra a decadência
Estou livre das minhas necessidades para levitar
Para a ascensão da minha Nação
A mesma que me considera um problema, não uma solução
Existe a palavra “amor” na “revolução”
Com uma arma sonora, faço a revolução!

Preciso transformar palavras bonitas em gestos bonitos
Preciso transformar as parábolas do nosso coração em reflexão
Preciso transformar o estado das pessoas e o Estado de sua situação
Precisamos construir escolas para demolir prisões
 Precisamos de
Ficar chapados, diga o nome dos responsáveis
Precisamos ser os questionadores, os perfumadores de nossos próprios odores
Precisamos nos livrar de nossos medos
Escrevermos o livro, não sermos o ator
Precisamos vender nosso suor
Sermos líderes entre seguidores
Eu não tenho mais medo! Medo, medo...

Revolução, revolução...
Precisamos de revolução
Levantar a voz!
Erguer os braços!
Içar velas!
Fazer a hora!
Varrer o mal!
Tirar a culpa!
Erguer o punho!
Tente isso!
Revolução, revolução...
Preciso de revolução



(...)



Ache a esperança!

Precisamos agir
Porque o mal só precisa de que os bons não  façam nada
Vamos perder 30 anos de nossas vidas
Se virmos o mundo aos 50 anos como víamos aos 20
Prisioneiros de nossas necessidades
Ser livre é ter correntes mais compridas do que a do vizinho
Existe a palavra “sonho” na “revolução”
Com a arma na mão, venho fazer a revolução

Preciso lançar as cabeças mais alto do que a estratosfera
Preciso latir pelos quarteirões mais forte do que seus cachorros
Preciso criar personagens à imagem de nossos pais
Preciso enterrar o machado para que a paz surja da terra
Preciso tirar as ervas daninhas dos corações, desertar os bunkers
Preciso ser agricultor, o semeador de minha terra
Preciso dinamitar os medos, transformar esses dez anos de trabalho
Precisamos reportar nossos feitos para reanimar os corações
Não temos mais medo! Medo, medo...

Somos os revolucionários
Um dia se ergue o punho, noutro se faz um coração com os dedos
Onde estão meus irmãos revolucionários?
Aqueles que não têm medo de nadar ao lado de quem se afoga
Os homens com frestas, por onde passa a luz
Aqueles que querem fincar a bandeira na lua
Enquanto houver vida, haverá esperança, como se diz
Numa tanque de vibrações, lidera a revolução!


Jamais um álbum me tomou tanto tempo... Cinco anos, cinco anos de ausência, cinco anos de provações, de questionamentos, de dúvidas... Mas quando os profissionais da música, analisam as vendas da primeira semana... Eu me lembrei das incontáveis horas de estúdio, de todas as vezes que disse à minha esposa: “Volto em duas horas, no máximo”, de todas as noites sem insone que terminavam apenas quando siava a música de jardim de infância “Edouard Vaillant”, das discussões com Proof et Salsa, das maratonas de viagens pela França, shows e salas de gravação. Lembramos desses momento especiais, tudo o que as pessoas podem apenas imaginar. Não me desculpo, não procuro suscitar qualquer simpatia. Não tenho do que reclamar, considerem-me sortudo. Marcho ao lado dos mesmos caras desde o primário. O rap nos reuniu e atualmente nos mentem vivos. Tento apenas me lembrar de que não há vitória sem esforço.  E que nos esquecemos frequentemente de que não há a palavra “homem”dans em “álbum”.


Rubem L. de F. Auto

quarta-feira, 20 de junho de 2018

SWEET HELL, ALABAMA



Em plena luta pelos direitos civis dos cidadãos negros dos EUA, o Estado do Alabama, bastião da América racista e retrógrada, punha-se contrário ao progresso social que a maior parte do país desejava.
Neil Young escreveu essa crítica àquele estado, descrevendo-o com uma singular sinceridade desconcertante.


Alabama - Neil Young

Oh, Alabama
The devil fools
With the best laid plan
Swing low, Alabama
You got the spare change
You got to feel strange
And now, the moment
Is all that it meant

Alabama
You got the weight on your shoulders
That's breaking your back
Your Cadillac
Has got a wheel in the ditch
And a wheel on the track

Oh, Alabama
Banjos playing through the broken glass
Windows, down in Alabama
See the old folks
Tied in white robes
Hear the banjo
Don't it take you down home?

Alabama
You got the weight on your shoulders
That's breaking your back
Your Cadillac
Has got a wheel in the ditch
And a wheel on the track

Oh, Alabama
Can I see you and shake your hand?
Make friends down in Alabama
I'm from a new land
I come to you and see all this ruin
What are you doing, Alabama?
You got the rest of the Union
To help you along
What's going wrong?
Ó, Alabama
O demônio atormenta
Com os planos mais eficazes
Requebre, Alabama
Você tem os trocados
Você tem que se sentir meio estranho
E agora, este momento
É tudo o que ele queria dizer

Alabama
Você tem todo o peso nos seus ombros
Que está quebrando sua coluna
Seu Cadillac
Tem uma roda no precipício
E a outra na estrada

Ó, Alabama
Banjos sendo tocados atrás do vidro quebrado das janelas, lá no Alabama
Veja aqueles caras
Vestidos com roupas brancas
Ouça o banjo
Não te lembra sua casa?

Alabama
Você tem o peso nos seus ombros
Que está quebrando sua coluna
Seu Cadillac
(...)


Ó, Alabama
Posso te ver e apertar suas mãos?
Fazer amigos no Alabama
Sou de um lugar novo
Venho até você e vejo todas essas ruínas
O que você está fazendo, Alabama?
Você tem o resto do país
Para te ajudar na caminhada
O que está saindo errado?


Na letra, os “demônios” fazem referência às pessoas e aos políticos que procuravam impedir qualquer progresso na aceitação de direitos equânimes a negros e brancos. Planos eficazes fazem referência, por exemplo, ao episódio em que o governador do estado se prostrou em frente à entrada da Universidade local para impedir a entrada de estudantes negros.

“Swing, low, Alabama” é um trocadilho com a canção “Swing low, Sweet chariot”.

“Trocados” provavelmente se refere à fortuna que os brancos do sul acumularam durante o período da escravidão – em oposição à extrema pobreza dos negros. No verso seguinte, Neil questiona se não há um sentimento profundo de culpa por todo o passado; especialmente após a vitória dos movimentos negros (este momento, tudo o que se desejava).

Cadillac é outra referência à riqueza dos brancos do Sul. Uma rota no precipício se refere às derrotas e à imagem péssima do estado, tido como incapaz de acompanhar o progresso do resto do país.

A terceira estrofe começa se referindo à riqueza musical dos negros do Sul e à pobreza em que viviam. Termina fazendo referência à KKK.

A última estrofe fala da visão que surpreende quem vem de lugares mais avançados socialmente. E questiona, por que não mudar?


Rubem L. de F. Auto

terça-feira, 19 de junho de 2018

FÉ CEGA, FACA AFIADA



Em seu julgamento no Tribunal de Nuremberg, Adolf Eichmann se defendeu das acusações desferidas contra si com a seguinte afirmação: “Só estava cumprindo ordens.”

Quando questionados sobre o massacre de civis inocentes que perpetraram em My Lai, no Vietnã, os soldados americanos sob o comando do Tenente Calley alegaram a mesma razão para seus atos.

Pois bem. Agir de modo tresloucado e cruel, como as pessoas citadas, é uma peculiaridade de homens em situação de guerra ou é algo que pode ser observado em pessoas comuns, no seu cotidiano? Parece desconcertante, mas um estudo dos anos 1970 aponta que a resposta a essa pergunta é a segunda opção.

O tal estudo foi conduzido por Stanley Milgram, em 1974, é causou muita polêmica. Os voluntários eram informados de que se tratava de um estudo sobre a aprendizagem humana. Um aluno era submetido a um teste de palavras emparelhadas. A cada erro cometido, o voluntário deveria lhe aplicar choques elétricos.

Em alguns casos, o aluno chegava a informar o experimentador de que sofria de problemas cardíacos, ao que o experimentador arguia que ele não sofreria lesões permanentes por causa dos choques.
A máquina de choques era um dispositivo medonho, com botões que indicavam choques de 15 a 450 volts, aumentando numa escala de 15 volts botão a botão. Poderiam-se ver etiquetas com as inscrições: “choque leva”; “choque intenso” e “Perigo: choque grave”. A última só indicava “XXX”.

Portanto a primeira resposta errada deveria ser punida com um choque de 15 volts. A segunda merecia um choque de 30 volts, e assim por diante. Mas nenhum dos voluntários sabia que, na verdade, o aluno do experimento era um amigo do experimentador e nenhum dos tais choques era real.

Durante os testes, os primeiros choques e até os 75 volts transcorriam sem sustos. Mas a partir dos 75 volts, o aluno começava a emitir sons doloridos. Quando já nos 120 volts, o aluno gritava ao voluntário que os choques estavam doendo muito. Aos 150 volts, o aluno gritava por misericórdia, pedindo para parar o experimento. Aos 270 volts, os gritos eram agonizantes. Era o ponto em que se caracterizava um ato de tortura conjunto.

Quando atingiam os 300 volts, o aluno berrava dizendo que já era incapaz de reconhecer os pares de palavras do desafio. Era quando o experimentador dizia ao voluntário que este deveria tratar a ausência de resposta como uma resposta incorreta, portanto deveria desferir mais uma sessão de choques. Dali em diante o voluntário já não poderia dizer se o aluno estava vivo, ou não. Embora estivesse claro que o experimento não tinha mais sentido em continuar, o voluntário ia até o final, quando então era informado de que deveria continuar usando o último botão para punir os “erros” do aluno.

Durante todo o experimento, os voluntários não eram impedidos de abandonar a sessão de tortura, embora o aluno estivesse amarrado na cadeira com eletrodos espalhados por seu corpo.

Dos quarenta voluntários do sexo masculino, vinte e seis não abandonaram o experimento até o fim. Para o sexo feminino, a proporção foi a mesma. Só pararam quando o experimentador mandou.

Os estudos posteriores mostraram que os experimentadores convenciam os voluntários a continuar ao convencê-los de que eram moralmente obrigados a ir até o final. E o convencimento do voluntário era decorrência do comportamento impessoal do pesquisador.

Como diria Nietzche, Eichmann era humano, demasiadamente humano...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de Psicologia”

A PERSONALIDADE AUTORITÁRIA: CARACTERÍSTICA OU DOENÇA?



Terminada a II Guerra Mundial, surgia um questionamento relevante: que tipo de pessoa concordou com a ideologia nazista e tomou parte no holocausto judeu? Um grupo de cientistas sociais liderados por Theodor Adorno publicou suas conclusões no livro “A personalidade autoritária”, em 1950.

O argumento da obra segue mais ou menos essa linha: Os pais promovem o autoritarismo punindo e humilhando seus filhos, intensa e frequentemente, mesmo nas faltas mais insignificantes. Isso leva as crianças e desenvolverem repulsa pelos pais e por todas as figuras de autoridade ou de poder. Mas a criança termina por reprimir esse sentimento de repulsa por temerem inconscientemente mais punições. Ao lado desse conflito, instala-se outro, decorrente da dependência que as crianças têm dos pais, a quem deveriam amar. Resulta disso tudo que o antagonismo reprimido é projetado contra os membros mais fracos da sociedade.

Em geral, pessoas autoritárias são etnocêntricas, no sentido de crerem na superioridade do grupo “racial” ao qual pertencem sobre os demais. Surgem daí sentimentos de brutalidade, agressividade e de preconceito declarado.

O argumento acima exposto sofre duas críticas principais: o comportamento autoritário possui outras origens, também; o comportamento preconceituoso também possui outras influências.

Pois bem. Os cientistas também observaram que pessoas autoritárias evitam situações que os façam encarar ambiguidades ou incertezas; e também repudiam a crença de que uma mesma pessoa pode reunir atributos positivos e negativos, simultaneamente.

Outra característica apontada nas pessoas autoritárias é o desinteresse por questões políticas; são pouco engajados em atividades comunitárias; têm preferência por líderes fortes.

Sendo o comportamento autoritário o objeto do estudo em apreço, nada mais natural do que desenvolver-se uma ferramenta de medida: a mais conhecida é a escala F, publicada nessa obra. Objetivando avaliar o preconceito e o pensamento rígido nas mentes autoritárias, elenca nove fatores e frases comuns que resumem bem o fator avaliado:

- Convencionalismo: “A obediência e o respeito à autoridade são as virtudes mais importantes que as crianças devem aprender”;

- Submissão autoritária: “Os jovens às vezes têm ideias rebeldes, mas, quando crescem, eles devem superar a rebeldia e sossegar.”

- Agressão autoritária: “Dificilmente seria possível esperar que uma pessoa que tem maus modos, maus hábitos e origens ruins conviva com pessoas decentes.”

- Sexo: “Os homossexuais não são muito melhores do que os criminosos e devem ser severamente punidos.”

- Anti-intracepção: “O empresário e o industrial são muito mais importantes para a sociedade do que o artista e o professor.”

- Superstição e estereotipia: “Um dia provavelmente será provado que a astrologia pode explicar muito.”

- Poder e obstinação: “Nenhuma fraqueza ou dificuldade pode nos deter se tivemos força de vontade.”

- Destrutividade e cinismo: “Considerando a natureza humana, sempre haverá guerras e conflitos.”

- Projetividade: “A maioria das pessoas não se dá conta do quanto a nossa vida é controlada por maquinações tramadas em segredo.”


Portanto o autoritarismo é uma síndrome (isto é, doença) atitudinal, que carregada consigo conceitos diferentes, como conservadorismo, dogmatismo, etnocentrismo e preconceito, deflagrada por fatores genéticos/hereditários ou por fatores ambientais, e que leva a uma susceptibilidade generalizada, fazendo o sujeito se sentir ansioso ou ameaçada diante de ambiguidades e incertezas.

As pessoas autoritárias tendem a se sentir inferiores e inseguras, por isso evitam a incerteza e rejeitam pessoas ou coisas que promovam a complexidade, a inovação, a novidade, o risco e a mudança. Obedecem a regras, normas, convenções e, mais relevante, exigem que todas as pessoas façam o mesmo. Evitam conflitos e tomadas de decisão e tendem a ceder seus sentimentos e necessidades pessoais a uma autoridade externa.

Conservadores e autoritários externalizam suas crenças por meio de uma obsessão por dar ordens e por controlar seu mundo e o dos demais. Apreciam deveres, leis, morais, obrigações e regras simples, rígidas e inflexíveis – e isso define o tipo de arte que os atrai e em quem normalmente votam.

Pessoas autoritárias, dogmáticas e intolerantes apresentam características comuns: rejeitam ideias que se opõem às suas; apresentam pouca conectividade entre suas crenças.

Em tempos mais recentes, o autoritarismo mais estudado é o de direita – em oposição ao autoritarismo de fundo stalinista ou trotskista. As conclusões levaram a crer que o autoritarismo de direita se caracteriza por: completa submissão às autoridades; agressividade elevada contra os inimigos dessa autoridade; obediência cega a normas e convenções sociais. São características resultantes dessas pessoas: absolutistas, bullies, dogmáticas, hipócritas e fanáticas. Defendem ardorosamente o punitivismo e não confiam em liberais/libertários (na concepção original dos termos). Não questionam suas ideias e costuma ser incoerentes e contraditórios – embora defendam, por vezes, dois pesos e duas medidas, vêem-se numa posição moralmente superior à dos demais.

Questionários distribuídos a pessoas em avaliações quanto ao grau de dogmatismo dos respondentes trouxeram como exemplos de afirmações típicas as seguintes:

- “Neste nosso mundo complicado, o único jeito de saber o que está acontecendo é contar com a orientação de líderes ou especialistas que podem ser confiáveis.”

- “Existem dois tipos de pessoas nesse mundo: as que são a favor da verdade e as que são contra a verdade.”

- A maioria das pessoas simplesmente não sabe o que é bom para elas.”


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de Psicologia”

O TALENTO É O ÓLEO QUE LUBRIFICA A MÁQUINA


Welcome to the Machine - Pink Floyd

Welcome my son,
welcome to the machine
Where have you been?
It's alright we know where you've been
You've been in the pipeline, filling in time
Provided with toys and 'scouting for boys'
You brought a guitar to punish your ma
And you didn't like school, and you
Know you're nobody's fool

So welcome to the machine
Welcome my son,
welcome to the machine

What did you dream?
It's alright we told you what to dream
You dreamed of a big star
He played a mean guitar
He always ate in the Steak Bar
He loved to drive in his Jaguar
So welcome to the machine
Bem vindo, meu filho
Bem vindo à máquina
Onde você estava?
Tudo bem, sabemos onde você estava
Você estava andando de skate, passando o tempo
Rodeado de brinquedos e amigos
Você trouxe uma guitarra para irritar sua mãe
E você não gostava de estudar, e você
Sabe que não quer ser sacaneado

Então, seja bem vindo à máquina
Seja bem vindo, meu filho

Você sonha com o quê?
Tudo bem, nós lhe dissemos com o que sonhar
Você sonhava ser aquela estrela
Que toca guitarra mais ou menos bem
Que sempre come na churrascaria
Que adorava dirigir seu Jaguar
Então, seja bem vindo à máquina


Após venderem dezenas de milhões de discos com o lançamento de The Dark Side of the Moon, a banda Pink Floyd enfrentou uma série de desentendimentos com sua gravadora, pois os interesses comerciais passaram a ser levados em consideração quando da elaboração dos próximos lançamentos, e isso irritava os membros do grupo.
O álbum seguinte, Whish You Were Here trouxe canções que criticavam esse mundo corporativo, como a faixa acima, que chama tudo aquilo de uma máquina que atrai jovens que sonham com o estrelato musical, mas são logo consumidos pelas engrenagens da “máquina”.



Have a Cigar - Pink Floyd

Come in here, dear boy,
have a cigar,
You're gonna go far,
You're gonna fly high,
You're never gonna die,
You're gonna make it if you try,
They're gonna love you.
I've always had a deep respect and I mean that most sincere;
The band is just fantastic, that is really what I think,
Oh, by the way, which one's Pink?

And did we tell you the name of the game, boy?
We call it "Riding The Gravy Train".

We're just knocked out.
We heard about the sell out.
You're gonna get an album out,
You owe it to the people.
We're so happy we can hardly count.
Everybody else is just green,
Have you seen the chart?
It's a hell of a start,
It could be made into a monster,
If we all pull together as a team.

And did we tell you the name of the game, boy?
We call it "Riding The Gravy Train".

Venha cá, querido
Tome um cigarro
Você vai longe
Vai voltar alto
Não vai morrer nunca
Você vai fazer sucesso, se quiser
Vão te amar
Sempre tive um profundo respeito e sou bem sincero dizendo isso;
A banda é simplesmente fantástica, e acho isso de verdade,
Ah, a propósito, quem é o Pink?

E nós te dissemos o nome do jogo, cara?
Bem, chame isso de “Pegando carona no sucesso”.

Estamos tão impressionados
Ouvimos falar das vendas.
Vamos lançar um álbum,
Você deve isso ao público.
Estamos tão felizes que não podemos dizer o quanto.
Todos os outros parecem desinteressantes,
Você viu os gráficos?
Vocês são uma puta estrela,
Podemos nos tornar uns monstros,
Se agirmos como um time.  

E te dissemos o nome do jogo, rapaz?
Chamamos de “pegando carona com o sucesso”.


A questão das cobranças corporativas são exploradas na faixa acima.
A letra fala de um hipotético diálogo entre um executivo de uma gravadora e uma banda em ascensão. Percebe-se que o executivo quer que a banda simplesmente reproduza o sucesso do lançamento anterior, usando a alta vendagem e o dinheiro arrecadado como argumentos.
Era assim que os músicos do Pink Floyd se sentiam, enquanto buscavam fazer aquilo que mais lhes agradavam.


Rubem L. de F. Auto