Até o início do século XIX, A África que os europeus
conheciam se limitava à parte mediterrânea, no norte do continente. O deserto
do Saara ainda escondia aquela África negra, que há séculos lhes fornecia ouro
e, especialmente, escravos.
No século XIX, o norte da África era parte do Império
Otomano, bastante enfraquecido e fadado a desaparecer ao cabo da I Guerra
Mundial. A partir de Istambul, o islamismo teve sua área de influência ampliada
até o deserto, ao sul, e ao longo da costa oriental, da Somália ao Zanzibar.
Nessa região, a jóia da coroa atende pelo milenar nome de
Egito: localizava-se na preciosa rota para o Oriente. Britânicos e franceses se
engalfinhariam pelo controle dessa região.
A África subsaariana continuava praticamente intacta à
invasão estrangeira. Após séculos de incursões e instalação de entrepostos e
fortalezas, apenas faixas costeiras do continente foram afetadas. Assíduos freqüentadores
desde meados do século XV, os portugueses estavam estabelecidos em faixas do
litoral de Angola e de Moçambique, e nas ilhas de Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe.
A Espanha conseguira fincar âncora no litoral norte do
Marrocos e na ilha de Fernando Pó, no Golfo da Guiné; a Fraça fizera o mesmo em
Saint-Louis, no estuário do Senegal; a Inglaterra garantiu presença em Fort
James, na foz do rio Gâmbia; e os holandeses estavam estabelecidos na colônia
do Cabo.
A superioridade naval britânica a levaria e tomar posse de
pontos estratégicos na região. Durante a Revolução francesa, por exemplo,
conseguiram tomar para si a Colônia do Cabo, tirando-a do domínio holandês, e tomaram
posse de Gibraltar. A cidade do Cabo era
um ponto fundamental na Rota marítima para as Índias.
Durante esse período, de meados do século XVIII até seus
estertores, o mundo foi sacudido pelas revoluções burguesas, de caráter
liberal. Os monopólios comerciais que sustentaram o período do capitalismo
mercantilista passaram a ser atacados nas próprias metrópoles; livre cambismo,
livre concorrência e liberdade para empreender passaram a ser as palavras de
ordem. Nesse mundo que surgia não havia mais espaço para o trabalho escravo, e essa
odiosa instituição estava finalmente na berlinda, contando os dias para seu completo
desaparecimento.
Embora os europeus não tenham ido muito além de faixas litorâneas
em termos de ocupação territorial, o impacto que a escravidão já havia causado
no continente africano era aterrador. Desde o século XV, calcula-se em 100
milhões o desfalque de seres humanos nos quatro séculos seguintes. O efeito
mais avassalador dessa monstruosidade foi, sem dúvidas, o fim de tradicionais e
complexas formações políticas e sua substituição por reinos cuja base econômica
era o escambo de seres humanos.
E então o já abalado continente sofre outro golpe. No século
XIX, após embargos e ameaças britânicas e de outros países, o tráfico
internacional de escravos é proibido. Agora as economias africanas surgidas a
reboque do tráfico de pessoas perdiam seu principal “produto” de exportação, ao
passo que a revolução industrial destruiu o mercado de artesanatos. Apenas as
exportações de produtos agrícolas se mostrou insuficiente para gerar a renda de
que se viram alijados. Seguiu-se então uma crise de proporções épicas.
Em meados do século XIX tem início um processo que se
mostraria muito precioso alguns anos depois: a entrada de missionário e de
expedições científicas na África. Ainda no período de apogeu do liberalismo na
Europa, portanto sem mostrar qualquer intenção de dominação colonial, milhares
de europeus fizeram incursões no continente e acumularam uma quantidade enorme
de informações sobre sua geografia, costumes de povos locais, práticas
religiosas etc. Em 1815 havia cerca de 200 missionários católicos fora da
Europa; em 1900, eram 6.100. Os equivalentes protestantes eram 16.000 em 1900. Entoando
discursos de fundo humanitário e antiescravista, abriram rotas que penetravam
fundo no continente.
As missões científicas ficavam a cargo das Sociedades Geográficas
que pulularam ao longo do século XIX, especialmente a britânica. O nome que
mais brilhou em suas publicações foram os relatos da viagem de David Livingstone,
enterradocom honras oficiais na Abadia de Westminster, em 1873. O livro How I
Found Livingstone, escrito por Henry Stanley, enviado pelo New York Herald
especialmente para achar o aventureiro inglês, que estava há vários anos sem
dar notícias, também virou best seller.
Assim, tornaram-se de conhecidos dos europeus todo o
interior do continente e as bacias dos grandes rios africanos, o que não haviam
conseguido nos séculos anteriores.
Como se não bastassem os fatores já citados, a revolução
industrial e o progresso da medicina deram sua contribuição para o destino trágico
que se desenhava para a África. Novos medicamentos e terapias fizeram a
população européia mais do que dobrar no século XIX. Além disso, novas
medicações criaram imunidades contra as doenças tropicais que deram à África
sua fama de “túmulo do homem branco”.
O resultado disso é que o excedente populacional da Europa
se lança pelo planeta Terra, liderado por operários sub-remunerados, fugindo de
condições de vida bastante precárias. O fato de migrar para a África não ser
mais sinônimo de morte por doenças levou muitos deles a tomarem o rumo do Sul.
Por fim, a revolução nos meios de transporte e de
comunicação – navio a vapor, locomotiva, telégrafo -, levou à criação de projetos
de ocupação do continente. Frete com preço em queda, preços de passagens de
navio acessíveis, trouxeram investimentos materializados na forma de ferrovias
que cortavam o interior do continente, acompanhadas de postes telegráficos que traziam
a comunicação instantânea.
As modificações na paisagem econômica que se seguiram foram
enormes. As regiões de Serra Leoa, Costa do Ouro, Nigéria, Congo e Angola, que
há séculos se tornaram basicamente exortadoras de escravos, desenvolveram a
produção e exportação de óleo de palma como substituto do tráfico humano. O
delta do rio Níger era conhecido pelos seus “Oil Rivers” (riod e óleo, isto é,
petróleo) e isso atraiu inevitavelmente a atenção dos britânicos para o que
seria futuramente a Nigéria.
O Rio Senegal e sua enorme extensão em direção ao alto Níger
e ao Sudão atraiu os franceses.
A parte oriental da África, de influência muçulmana,
continuava sob influência árabe, swahili ou indiana. Mas essa influência estava
chegando ao fim. Pouco a pouco as principais rotas comerciais migravam para
mãos europeias. Os ingleses, por exemplo, apoiaram o sultanato de Zanzibar,
importante produtor de especiarias, como o cravo.
Por essa época já se achavam estabelecidos no continente,
além dos pioneiros Portugal e Espanha, britânicos, franceses, alemães e
italianos. Os holandeses do sul da África, conhecidos como boers, criaram sérios
obstáculos aos ingleses, quando decidiram invadir a colônia do Cabo com vistas
a tomarem posse das riquezas minerais (ouro e diamantes à frente) locais.
A posse de Madagascar pelos franceses criou rusgas com os
ingleses, temerosos de sua proximidade com a rota comercial que passa pelo
Cabo, em direção ao Oriente.
No norte do continente, tomava corpo uma ocupação colonial francesa
que teria uma história dramática no futuro: Argélia. Desde 1830 o país europeu
enviava colonos, em quantidade crescente, para a região. A efetiva ocupação
daquela região só se deu em meados da década de 1870, quando finalmente a
população local não era mais capaz de impor resistência ao invasor do norte.
O mesmo ocorreria nas zonas do Magreb até a Líbia. Igual
história seria encenada também na Tunísia, objeto de desejo de comerciantes de
Marselha.
Ainda na década de 1830 é instituído o Governo-Geral das
províncias francesas no norte da África. Em 1844, a França invade o Marrocos,
onde já se encontravam os espanhóis: o choque entre as duas nações foi
inevitável e acabou com a retirada dos franceses, após um acordo mediado pela
Inglaterra.
O Egito era parte do Império Otomano. Ao lado da Tunísia,
era uma de suas províncias mais autônomas e importante exportador de algodão
para a Europa. Mehmet Ali seus sucessores perceberam rapidamente que precisavam
modernizar seus domínios para fazer frente à ofensiva irresistível vinda do
norte.
Perceberam o interesse incontido das potências em criar um canal
navegável na região, que reduziria sobremaneira a distância até o Oriente:
seria o futuro Canal de Suez.
Usando-se da rivalidade aberta entre a Inglaterra e a
França, consegue o Egito empréstimos milionários para construir, ele próprio, o
ambicioso Canal. A cena seguinte é um caso clássico de países do Terceiro Mundo
– e também ocorreu na Tunísia: empréstimos volumosos levam a crises econômicas,
que levam ao calote da dívida, que leva à rolagem da mesma, a que se somam juros
elevados, que levam à decretação da insolvência, que levam ao controle externo,
enviado para auxílio aos credores... E, enfim, cai a soberania e surge uma nova
colônia.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Desvendando a história da África”
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