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quarta-feira, 23 de maio de 2018

SÉCULO XIX: A ÁFRICA SUCUMBE SOB O PESO DO IMPERIALISMO


Até o início do século XIX, A África que os europeus conheciam se limitava à parte mediterrânea, no norte do continente. O deserto do Saara ainda escondia aquela África negra, que há séculos lhes fornecia ouro e, especialmente, escravos.

No século XIX, o norte da África era parte do Império Otomano, bastante enfraquecido e fadado a desaparecer ao cabo da I Guerra Mundial. A partir de Istambul, o islamismo teve sua área de influência ampliada até o deserto, ao sul, e ao longo da costa oriental, da Somália ao Zanzibar.

Nessa região, a jóia da coroa atende pelo milenar nome de Egito: localizava-se na preciosa rota para o Oriente. Britânicos e franceses se engalfinhariam pelo controle dessa região.

A África subsaariana continuava praticamente intacta à invasão estrangeira. Após séculos de incursões e instalação de entrepostos e fortalezas, apenas faixas costeiras do continente foram afetadas. Assíduos freqüentadores desde meados do século XV, os portugueses estavam estabelecidos em faixas do litoral de Angola e de Moçambique, e nas ilhas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.

A Espanha conseguira fincar âncora no litoral norte do Marrocos e na ilha de Fernando Pó, no Golfo da Guiné; a Fraça fizera o mesmo em Saint-Louis, no estuário do Senegal; a Inglaterra garantiu presença em Fort James, na foz do rio Gâmbia; e os holandeses estavam estabelecidos na colônia do Cabo.

A superioridade naval britânica a levaria e tomar posse de pontos estratégicos na região. Durante a Revolução francesa, por exemplo, conseguiram tomar para si a Colônia do Cabo, tirando-a do domínio holandês, e tomaram posse de Gibraltar.  A cidade do Cabo era um ponto fundamental na Rota marítima para as Índias.

Durante esse período, de meados do século XVIII até seus estertores, o mundo foi sacudido pelas revoluções burguesas, de caráter liberal. Os monopólios comerciais que sustentaram o período do capitalismo mercantilista passaram a ser atacados nas próprias metrópoles; livre cambismo, livre concorrência e liberdade para empreender passaram a ser as palavras de ordem. Nesse mundo que surgia não havia mais espaço para o trabalho escravo, e essa odiosa instituição estava finalmente na berlinda, contando os dias para seu completo desaparecimento.

Embora os europeus não tenham ido muito além de faixas litorâneas em termos de ocupação territorial, o impacto que a escravidão já havia causado no continente africano era aterrador. Desde o século XV, calcula-se em 100 milhões o desfalque de seres humanos nos quatro séculos seguintes. O efeito mais avassalador dessa monstruosidade foi, sem dúvidas, o fim de tradicionais e complexas formações políticas e sua substituição por reinos cuja base econômica era o escambo de seres humanos.

E então o já abalado continente sofre outro golpe. No século XIX, após embargos e ameaças britânicas e de outros países, o tráfico internacional de escravos é proibido. Agora as economias africanas surgidas a reboque do tráfico de pessoas perdiam seu principal “produto” de exportação, ao passo que a revolução industrial destruiu o mercado de artesanatos. Apenas as exportações de produtos agrícolas se mostrou insuficiente para gerar a renda de que se viram alijados. Seguiu-se então uma crise de proporções épicas.  
Em meados do século XIX tem início um processo que se mostraria muito precioso alguns anos depois: a entrada de missionário e de expedições científicas na África. Ainda no período de apogeu do liberalismo na Europa, portanto sem mostrar qualquer intenção de dominação colonial, milhares de europeus fizeram incursões no continente e acumularam uma quantidade enorme de informações sobre sua geografia, costumes de povos locais, práticas religiosas etc. Em 1815 havia cerca de 200 missionários católicos fora da Europa; em 1900, eram 6.100. Os equivalentes protestantes eram 16.000 em 1900. Entoando discursos de fundo humanitário e antiescravista, abriram rotas que penetravam fundo no continente.

As missões científicas ficavam a cargo das Sociedades Geográficas que pulularam ao longo do século XIX, especialmente a britânica. O nome que mais brilhou em suas publicações foram os relatos da viagem de David Livingstone, enterradocom honras oficiais na Abadia de Westminster, em 1873. O livro How I Found Livingstone, escrito por Henry Stanley, enviado pelo New York Herald especialmente para achar o aventureiro inglês, que estava há vários anos sem dar notícias, também virou best seller.

Assim, tornaram-se de conhecidos dos europeus todo o interior do continente e as bacias dos grandes rios africanos, o que não haviam conseguido nos séculos anteriores.

Como se não bastassem os fatores já citados, a revolução industrial e o progresso da medicina deram sua contribuição para o destino trágico que se desenhava para a África. Novos medicamentos e terapias fizeram a população européia mais do que dobrar no século XIX. Além disso, novas medicações criaram imunidades contra as doenças tropicais que deram à África sua fama de “túmulo do homem branco”.
O resultado disso é que o excedente populacional da Europa se lança pelo planeta Terra, liderado por operários sub-remunerados, fugindo de condições de vida bastante precárias. O fato de migrar para a África não ser mais sinônimo de morte por doenças levou muitos deles a tomarem o rumo do Sul.

Por fim, a revolução nos meios de transporte e de comunicação – navio a vapor, locomotiva, telégrafo -, levou à criação de projetos de ocupação do continente. Frete com preço em queda, preços de passagens de navio acessíveis, trouxeram investimentos materializados na forma de ferrovias que cortavam o interior do continente, acompanhadas de postes telegráficos que traziam a comunicação instantânea.

As modificações na paisagem econômica que se seguiram foram enormes. As regiões de Serra Leoa, Costa do Ouro, Nigéria, Congo e Angola, que há séculos se tornaram basicamente exortadoras de escravos, desenvolveram a produção e exportação de óleo de palma como substituto do tráfico humano. O delta do rio Níger era conhecido pelos seus “Oil Rivers” (riod e óleo, isto é, petróleo) e isso atraiu inevitavelmente a atenção dos britânicos para o que seria futuramente a Nigéria.

O Rio Senegal e sua enorme extensão em direção ao alto Níger e ao Sudão atraiu os franceses.
A parte oriental da África, de influência muçulmana, continuava sob influência árabe, swahili ou indiana. Mas essa influência estava chegando ao fim. Pouco a pouco as principais rotas comerciais migravam para mãos europeias. Os ingleses, por exemplo, apoiaram o sultanato de Zanzibar, importante produtor de especiarias, como o cravo.

Por essa época já se achavam estabelecidos no continente, além dos pioneiros Portugal e Espanha, britânicos, franceses, alemães e italianos. Os holandeses do sul da África, conhecidos como boers, criaram sérios obstáculos aos ingleses, quando decidiram invadir a colônia do Cabo com vistas a tomarem posse das riquezas minerais (ouro e diamantes à frente) locais.

A posse de Madagascar pelos franceses criou rusgas com os ingleses, temerosos de sua proximidade com a rota comercial que passa pelo Cabo, em direção ao Oriente.

No norte do continente, tomava corpo uma ocupação colonial francesa que teria uma história dramática no futuro: Argélia. Desde 1830 o país europeu enviava colonos, em quantidade crescente, para a região. A efetiva ocupação daquela região só se deu em meados da década de 1870, quando finalmente a população local não era mais capaz de impor resistência ao invasor do norte.

O mesmo ocorreria nas zonas do Magreb até a Líbia. Igual história seria encenada também na Tunísia, objeto de desejo de comerciantes de Marselha.

Ainda na década de 1830 é instituído o Governo-Geral das províncias francesas no norte da África. Em 1844, a França invade o Marrocos, onde já se encontravam os espanhóis: o choque entre as duas nações foi inevitável e acabou com a retirada dos franceses, após um acordo mediado pela Inglaterra.

O Egito era parte do Império Otomano. Ao lado da Tunísia, era uma de suas províncias mais autônomas e importante exportador de algodão para a Europa. Mehmet Ali seus sucessores perceberam rapidamente que precisavam modernizar seus domínios para fazer frente à ofensiva irresistível vinda do norte. 

Perceberam o interesse incontido das potências em criar um canal navegável na região, que reduziria sobremaneira a distância até o Oriente: seria o futuro Canal de Suez.

Usando-se da rivalidade aberta entre a Inglaterra e a França, consegue o Egito empréstimos milionários para construir, ele próprio, o ambicioso Canal. A cena seguinte é um caso clássico de países do Terceiro Mundo – e também ocorreu na Tunísia: empréstimos volumosos levam a crises econômicas, que levam ao calote da dívida, que leva à rolagem da mesma, a que se somam juros elevados, que levam à decretação da insolvência, que levam ao controle externo, enviado para auxílio aos credores... E, enfim, cai a soberania e surge uma nova colônia.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Desvendando a história da África”


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