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quarta-feira, 23 de maio de 2018

O LIBERALISMO QUE O IMPERIALISMO ENTERROU NA ÁFRICA


Se o século XIX se iniciou sob o manto da moral liberal e da defesa intransigente das liberdades individuais, seu final se deu em pólo diametralmente oposto.

A revolução industrial, o uso cada vez mais intensivo das máquinas, a dependência energética que se seguiu, a superioridade inimaginável das armas de fogo européias em relação às dos demais países, ganhos de escala em razão da produção em massa, novos e revolucionários meios de comunicação, tudo isso e muitos outros fatores fizeram a opinião pública européia e seus representantes estatais aderirem fielmente ao Imperialismo.

Os progressos citados descambaram na necessidade ilimitada de expansão dos mercados e de controle sobre as fontes de matérias primas que permitiam todo aquele progresso.

Em 1873, os mercados davam sinais de estrangulamento. A oferta superava sensivelmente a demanda, sucedeu-se uma depressão econômica que durará mais de 20 anos. As ações tomadas pelos diversos governos não destoa em nada das atuais: criação de monopólios e protecionismo.

Deu-se então um processo brutal de concentração de capital: fusões e aquisições em meio a falências, além da instituição de monopólios e cartéis com vistas à sustentação dos preços, enterravam definitivamente os sonhos do ideário liberal.

O mesmo processo se deu entre indústrias e bancos.Foi a aproximação entre ambos que levou ao nascimento do assim denominado capitalismo financeiro: bancos emprestam vultosas somas às indústrias, que se associam em cartéis ou monopolizam o mercado, garantindo a rentabilidade que remunerará o credor, que pode também adquiri um naco do devedor e se tornar sócio-acionista. Assim nasceram trusts, holdings...

Em meio a esses movimentos, os países traçaram suas jogadas: o protecionismo foi adotado abertamente por Alemanha, França (mediante Decreto), EUA, Grã-Bretanha. O livre cambismo é enterrado e o nacionalismo dá novos rumos às já dramáticas rivalidades europeias, levando à I Guerra Mundial décadas mais tarde.

O período de adoção do protecionismo internamente foi aquele em que o Imperialismo mais se expandiu no mundo. E o imperialismo nasceu sob um conjunto de doutrinas no mínimo nefastas: nacionalismo, xenofobia e racismo-científico que tentava justificar a superioridade da “raça” branca sobre todas as demais a partir da Teoria da Evolução de Darwin.

A expansão comercial que se logrou naqueles anos se deu por meio de um intermediário privado: as companhias de carta-patente – de fato, uma reedição das Companhias de navegação criadas séculos antes, durante a exploração da América e do Oriente. Todas tiveram curta duração, apenas o período para se estabelecerem e passarem o controle para o Estado, mediante grandes indenizações a seus proprietários.

A Grã-Bretanha usou a Royal Niger Company, que durou menos de dez anos, mas firmou mais de 400 tratados com chefes locais, para tomar posse da região. Os fundadores da Companhia foram indenizados em mais de 22 milhões de libras.

Os alemães usaram o mesmo método, tendo-se desenrolado intenso conflito entre a alemã Deutsch Ostafrika e a britânica British East African na África Oriental.

A França segue sua estratégia traçada décadas antes: estende seus domínios no norte da África da Argélia até o Marrocos, a oeste; até a Tunísia, a leste (que será oficialmente colônia em 1881). Isso lhe renderá conflitos contra Alemanha, por causa do Marrocos, e com a Itália, por causa da Tunísia, além dos já tradicionais entreveros com os ingleses.

Em 1869, os franceses inauguram o Canal de Suez, no Egito, mas a administração das finanças do país passa a ser exercida em conjunto com a Grã-Bretanha, desde 1878. Os britânicos eram proprietários de 7/16 das ações do Canal, adquiridas diretamente do governo do Egito.

Uma reação dos nacionalistas egípcios leva à eclosão de um conflito, abafado por soldados ingleses. Em conseqüência, tomam os ingleses controle sobre toda a região e sobre o Sudão, de onde expulsam os franceses.

Na África ocidental, mais choques ente franceses e ingleses, em torno da Royal Niger Company. A partir de Senegal e Guiné, os franceses estendem seus domínios até a Costa do Marfim e o Daomé, processo finalizado em 1894.

A França estabelece domínio também na África Equatorial, partir das ações de Savorgnan de Brazza, fundador de Brazzaville, em 1881, na margem direita do rio Congo. Seguiu ele o mesmo método inaugurado pelos ingleses: após firmar vários Tratados com chefes locais, o Estado francês os ratificou e assim passou a tomar controle sobre todo o território. Este episódio gerou conflitos com Alemanha, Portugal e Bélgica, agora sob o manto do infame rei Leopoldo II.

Este soberano, de triste memória, interessara-se pela região do rio Congo, na forma de investimento pessoal. Convocou então, em 1876, a Conferência Geográfica de Bruxelas, que terminou por gerar a Associação Internacional Africana. Após, contratou o explorador e best seller Henry Stanley Morton para explorar o curso superior do rio Congo, o que descamba na criação do Comitê de Estudos do Alto Congo, logo depois rebatizado para Associação Internacional do Congo.

As numerosas rivalidades surgidas nessas décadas levaram à criação da Conferência de Berlim, nos anos de 1884 e 1885. Embora tivesse a África como objeto, os participantes eram países europeus, o Império Otomano e os EUA, disfarçando sua cobiça com discursos pretensamente humanitários.

O documento final se iniciava invocando Deus e terminava estabelecendo regras a serem observadas por todos os países-partes que desejassem se apropriar de territórios no continente africano.

O Estado “Livre” do Congo foi reconhecido e Leopoldo foi declarado seu chefe. Mas somente até 1911, quando o Estado belga toma posse do território e o torna oficialmente colônia. As rusgas com Portugal levaram ao reconhecimento do enclave de Cabinda como seu território. A França foi reconhecida como “legítima” detentora dos territórios na margem direita do rio Congo.

A Alemanha foi declarada possuidora dos territórios onde estabeleceria mais tarde as colônias de Togo, Camarões, África Oriental Alemã e Sudoeste Africano.

A Inglaterra oficializou suas possessões no delta do Níger e na África Meridional.

Deve-se lembrar de que as posses dessas terras eram baseadas nos Tratados firmados com chefes locais. Evidentemente, em algum momento, esses Tratados foram contestados. Esse empecilho era contornado pela assinatura de outros Tratados e Acordos, agora envolvendo apenas as potências imperialistas. Forma os limites estabelecidos nesses Tratados que definiram o mapa da África que duraria até a I Guerra Mundial – e sem qualquer interferência dos “indesejados” africanos. Os conflitos entre Alemanha e França no Marrocos terminaram em 1912, com o estabelecimento de um protetorado francês no país.  

A Itália era detentora dos territórios da Eritréia e da Somália. Em 1896, tentou ocupar também a Etiópia, mas foi rechaçada. Em 1911, a mesma Itália toma posse da Líbia e a transforma em uma nova colônia italiana.

Mas não se pense que o custo dos europeus nessas tomadas de território se restringiu à assinatura de Tratados e na exposição do poderia militar. Em grande parte das vezes foi necessário o uso da força, o que pressupõe resistência por parte dos povos dominados. No Sudão, por exemplo, os ingleses somente conseguiram se impor aos povos locais após uma sangrenta batalha que vitimou mais de 20 mil sudaneses. Aliás, algumas dessas lutas durariam muitas décadas, estendendo sua influência para o período de descolonização, após a II Guerra Mundial.

A África Meridional viu um conflito inédito entre os próprios brancos invasores: ingleses e boers entraram em conflito após a descoberta de ouro e diamante. Quando a Grã-Bretanha se interessou pela colônia do Cabo, investimentos massivos fizeram surgir uma rica oligarquia local, da qual sairia Cecil Rhodes. Este fundou a Gold Fields os South Africa, cujo objeto era a exploração do ouro, e a De Beers Consolidated Mines, para explorar o diamante. Tudo isso usando os direitos derivados da compra da Companhia Britânica da África do Sul. Assim adquiriu o direito de anexar diversos territórios a seu império nascente.

A guerra entre britânicos e boers resultou na vitória dos britânicos. Mas estes não tinham as condições necessárias para governar o país, o que levou ao estabelecimento da União Sul-Africana, que procurou um termo comum para ambos. Oficializaram-se duas línguas para o país, o inglês e o africânder (a língua dos boers). No período entre guerras, essa união levou ao estabelecimento da segregação ente brancos e negros, o repugnante Apartheid.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Desvendando a história da África”

     

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