Pesquisar as postagens

segunda-feira, 21 de maio de 2018

ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA – TÃO ABOMINÁVEL QUANTO GOBAL


O Sudão africano era chamado pelos árabes de Bilad al-Sudan, ou “terra dos negros”. Foi ali que provavelmente nasceu a deplorável instituição da escravidão, a partir do estreitamento do contato entre populações nômades do deserto do Saara e os povos sedentários da região do Sahel.

Não se pode dizer que não havia qualquer tipo de escravidão até então, pois já havia uma espécie de escravidão de linhagem.

O camelo foi introduzido no deserto do Saara entre os séculos I e III. A partir de então as tribos berberes iniciam sua expansão, que incluiu as regiões dos oásis e a criação de diversas rotas comerciais.
Eram comuns ataques de nômades (inclusive os sedentários que habitavam os oásis) a povoados limítrofes, o que levou diversos desses povos a serem cativos dos berberes.

O estreitamento do contato entre povos das savanas - cultivadores da terra, criadores de animais, pescadores – e tribos nômades – pastores e caçadores – levou ao nascimento de relações comerciais, que trazia o gene da escravidão dentro de si desde o berço – porém de maneira incidental, não estava ainda na base da estrutura de produção e comércio.

As relações sociais de ambos os povos era baseada nas relações étnicas e de parentesco, conformando uma estrutura social comunitária, portanto ligada à linhagem do indivíduo – não existiam classes em conflito. Portanto, mesmo que um indivíduo fosse reduzido à condição de escravo, ele não faria parte de uma classe de escravos; este exerceria as mesmas tarefas de qualquer outro indivíduo – até mesmo porque os escravos eram muito pouco numerosos.

Os escravos poderiam futuramente vir a fazer parte do núcleo familiar, o que poderia ser desejado pelo próprio clã familiar, pois ser numerosos era precondição para aumentar o poder e a influência.

Por seu turno, haviam os escravos vistos como meras mercadorias. Estavam restritos a exercerem as funções para as quais foi designado. Este era o destino dos escravos adquiridos por tribos berberes, ou mesmo daqueles que faziam parte de tribos conquistadas, caso fossem reduzidos à condição de escravo.
Aos poucos, tarefas muito estafantes foram sendo exercidas majoritariamento por escravos, como o trabalho de extração de minérios: o ferro era conhecido e muito usado no Sudão, há muito tempo; o sal vinha de minas no Saara; o ouro vinha de regiões ao sul, e era adquirido delas. Em todos esses trabalhos a mão de obra escrava se fazia presente.

As relações de conflito eram, até certo ponto, equiilibradas: se, por um lado, os nômades conseguissem prevalecer usando de sua superioridade militar; por outro, os povos sedentários agrícolas possuíam uma estrutura social mais sólida, uma cultura mais enraizada, o que obrigou aos nômades, por diversas vezes, a se adequarem à sociedade que eventualmente conquistassem.  

Conforme as relações comerciais se desenvolviam, diversas aldeias pululavam ao longo das rotas comerciais do deserto. Aos poucos, tornavam-se importantes centros comerciais, levando o comércio da África negra a outros continentes. Audagost e Ualata evoluíram para portos caravaneiros relevantes.

Enquanto o comércio e as rotas comerciais tomavam corpo, um outro “produto” da região se tornava cada vez mais comum: os escravos. Exportados para o norte da África e para o Oriente Médio, os escravos se converteram nas mercadorias mais valorizadas no comércio transaariano, ao lado do sal e do ouro.

Inicialmente eram direcionados para o trabalho nos oásis e nos canaviais da África mediterrânea, porém, com a expansão dos reinos muçulmanos, viram sua demanda ampliada para o trabalho nos palácios: fosse no exército, fosse nos haréns. Serviços domésticos e a lavoura, pouco a pouco, passaram a demandar quantidades enormes de cativos. Meninos e pré-adolescentes eram desejados para serem educados militarmente e, futuramente, integrarem as forças militares.

Aliás essa conformação militar foi batizada de “Força Palaciana”, e também se trornou comum nos reinos de Gana, Mali e Songai: os soldados eram geralmente mercenários ou escravos; os oficiais eram membros da nobreza.

Eunucos eram demandados para as tarefas administrativas, assim como para montarem guarda nos haréns. Os escravos homens adultos eram os mais baratos e eram usados nas tarefas mais penosas.

A escravidão no mundo muçulmano não atingia os descendentes do escravo. Os filhos eram assimilados pela sociedade e uma nova importação de escravos repunha o contingente cativo. Também não havia uma classe de escravos conscientes de sua condição: eles atuavam nas mais diversas atividades, tinham as mais diversas origens, provinham de etnias as mais variadas e normalmente eram incorporados à sociedade em que passavam a habitar. Além do mais, os escravos nas sociedades islâmicas não eram necessariamente africanos: eram comuns escravos vindos da Europa, da Rússia, do Oriente etc.

A condição básica para ser escravo no mundo islâmico eram não praticar o islamismo: um islâmico não poderia escravizar outro islâmico. Daí serem capturados nas regiões de fronteira do Islã. Mas as quantidades foram bastante irrisórias do seu surgimento até o século XV. Deste período até o século XIX o montante praticamente não se expandiu. Exportavam-se alguns milhares por ano, porém saídos de regiões muito extensas, provocando quase nenhum impacto local.

Mas é fato que o islamismo, os grandes reinos africanos e a escravidão se imbricavam a cada dia mais, conformando um novelo reciprocamente auto-alimentado.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Desvendando a história da África”

Nenhum comentário:

Postar um comentário