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terça-feira, 22 de maio de 2018

ÁFRICA: DESDE QUANDO?


Segundo Samir Amin (O desenvolvimento desigual), a análise dos diversos modos de produção pode levar ao entendimento acerca do nível de desenvolvimento de uma sociedade e seus passos até alcançar o estágio capitalista.

Mas o conceito de Modo de Produção é algo abstrato e seus diversos estágios não ocorrem de forma “pura”, mas se sobrepõem em diversos momentos. Samir aponta a existência de 5 modos de produção: 1) modo de produção comunitário, primitivo, anterior a todos os outros. 2) modo de produção tributário. 3) modo de produção escravista. 4) modo de produção mercantil simples. 5) modo de produção capitalista. Esses modos de produção são articulados com os demais modos de produção, muitas vezes submetidos a um modo predominante.  

Samir Amin identifica em todas as sociedades pré-capitalistas os seguintes elementos: 1) dominância do modo de produção comunitário ou tributário. 2) relações mercantis com âmbito limitado. 3) existência de comércio de longa distância, permitindo a transferência de excedente de uma sociedade para outra. Sociedades que dependem do comércio de longa distância denunciam a existência de poucos excedentes internos, o que pode levá-la ao apogeu ou à decadência, sem que isso dependa do modo de produção nela predominante.

Quando da chegada dos europeus à África, os modos de produção praticados eram predominantemente o comunitário e o tributário. O modo de produção comunitário variava desde modelos menos hierarquizados no sul do continente até outros mais complexos, mais ao norte, em territórios do Senegal, Gana e Nigéria. Como a terra é garantida a todos os membros de um clã, não pode haver a proletarização da mão de obra, que separou o produtor dos meios de produção.

Mas prevalecia o modo de produção tributário, que pode ser de 3 tipos: 1) formaç~eos tributárias ricas, com excedente volumoso, como Egito e China. 2) formações pobres, com poucos excedentes, como as sociedades medievais e feudais européias. 3) formações tributárias comerciantes, dependentes das rotas de comércio e do lucro daí advindo, como a Grécia Antiga, as sociedades árabes e diversos Estados da savana africana.

O escravismo era um fenômeno de intensidade variada, pois era praticado marginalmente na África, ao mesmo tempo em que era praticado intensamente na Grécia Antiga.

O impacto resultante do encontro da África com a Europa deu surgimento ao capitalismo na Europa, na África do resultado não foi o mesmo. Ali ocorreu o bloqueamento do desenvolvimetno europeu, e a razão está ligada justamente à pobreza relativa dos Europeus frente aos africanos. A chave para o sucesso europeu foi a desestruturação do modo de produção existente até então: o feudalismo. Na África não houve a desarticulação dos modos de produção tradicionais, e a razão era justamente seu sucesso relativo.

O segundo fator para o sucesso relativo da Europa foi a acumulação de capital. Esta existiu em algumas sociedades do norte da África, durante o apogeu de alguns grandes impérios africanos, mas o excedente era pouco volumoso e o lucro advinha do comércio de grande distância, inexistindo portanto articulação complexa da produção local. Este foi o caso das grandes sociedades surgidas no Magreb, estruturadas sobre o comércio do ouro da África Ocidental. Todo o mundo antigo ocidental se abasteceu do ouro daquela região.

O declínio de civilizações do norte da África se deu após o desvio das rotas comerciais mais importantes. Até o surgimento do capitalismo mercantilista, as civilizações africanas estavam plenamente articuladas com suas contrapartes da Ásia, do Mediterrâneo e do Oriente Médio, e seu desenvolvimento era comparável em todos os aspectos. É o que se depreende dos relatos de viajantes maravilhados daquela época.

O fim desse concerto quando da chegada dos portugueses, no século XV. O comércio mercantilista, do século XVI ao XVIII, caracterizou-se pelo desequilíbrio das relações comerciais, em absoluta contraposição às práticas comerciais existentes até então. A razão eram duas: especialização e divisão do trabalho. Os reinos africanos ficaram com a tarefa de abastecer o sistema de mão de obra escrava e de poucos produtos extrativistas.

Assim, com a completa destruição do comércio saariano e com a subseqüente rearticulação em torno do comércio atlântico, as nações existentes africanas iniciaram sua trágica derrocada.

O exemplo mais prolífico foi o do Império Songai, última grande nação do Sudão Ocidental. Estavam na iminência de iniciar uma transformação interna magnífica, em direção à especialização e organização dos modos de produção, com claros aspectos classistas. Ou seja, deveriam surgir em breve classes sociais semelhantes às dos burgueses europeus.

Mas o movimento acima foi interditado após a derrota para o sultão do Marrocos, em 1591. Foi o fim do império e de seu possível futuro brilhante. O estabelecimento de europeus na região levou à criação de ilhas de comércio desarticuladas, que puseram fim à complexidade exigida para a manutenção de um império.

A migração do centro de gravidade econômico na África da savana em direção à costa refletiu em larga medida a migração do centro econômico europeu do Mediterrâneo em direção ao Atlântico. Sem falar no fundo capitalista mercantilista, que levou o desenvolvimento desigual entre os pólos africano e europeu.

Impossível saber o que seria o continente caso o episódio acima descrito nunca tivesse ocorrido. Mas é fato que dificilmente as sociedades lá surgidas, mesmo as mais bem sucedidas comercialmente, teriam acumulado todos os recursos necessários para o surgimento do capitalismo mercantilista e, após, do capitalismo industrial que moldou nosso mundo.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Desvendando a história da África”

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