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segunda-feira, 28 de maio de 2018

PORTUGAL, ANGOLA E O PÃO DE AÇÚCAR DE LUANDA


A chegada dos portugueses no território da atual Angola se deu em 1482, sob o comando do capitão Diogo Cão. Testemunharam esses portugueses aglomerações humanas fortemente estruturadas em reinos, como e reino do Congo e diversos outros, seus tributários, como o Reino de Lunda. Mais ao sul existiam diversas tribos de bosquímanos, que desconheciam a agricultura e o pastoreio.

Os reinos do Congo e de Luna eram os principais econômica e socialmente, praticavam a modo produção escravagista, segundo o qual os escravos eram de propriedade da aristocracia e dos chefes administrativos das províncias. Os principais trabalhos eram executados por escravos.

As relações iniciais entre portugueses e autoridades locais foram pacíficas, missionários introduziram o cristianismo, comerciantes transformaram Luanda numa importante praça de comércio internacional. Essa seria a realidade das primeiras cinco décadas de relacionamento.

Foi a partir do mandato do governador Paulo Dias de Novais que se iniciaram as investidas militares contra Angola. Entre 1560 e 1574 tomou lugar uma ocupação militar que chegou a vitimar o próprio governador, capturado e feito escravo pelo rei Ngola Kiluanje, do reino do Ndongo, por seis anos.

O cativeiro de Novais terminou quando ele e um embaixador local foram enviados a Portugal, levando um pedido de ajuda de Ngola ao rei português em sua luta contra os reinos africanos vizinhos ao seu. Em troca, comprometia-se a realizar comércio pacífico com Portugal. Assim, em 1575, Novais retorna a Luanda, constrói uma igreja e começa a povoação portuguesa em Angola.

Após serem expulsos de Pernambuco, os holandeses se lançam sobre Angola, em sua luta para tomar um naco do império português. Por sete anos, de 1641 a 1648, os batavos controlaram a maior parte da Angola portuguesa, que a essa altura servia como o principal porto de embarque de escravos para o Brasil. Ao fim do período citado, os holandeses também foram de lá expulsos, viajaram para o sul, seguindo a costa, e então fundaram a colônia do Cabo, embrião da futura África do Sul.

Mas a expulsão dos holandeses de Angola somente seria possível devido à fundamental ajuda brasileira, que compreendia o envio de navios e homens que, em 1648, deixaram o Recife.

Interessante notar que, nessa época, houve uma proto-industrialização do Brasil, que levou à demanda por trabalho escravo qualificado, e este era encontrado nas cortes africanas, mais especificamente os cativos dos reis. Logo os portugueses se voltaram para esses escravos, mandaram-nos para o Brasil e aumentaram bastante os incentivos para que os reinos africanos se engalfinhassem em busca de mais escravos, para comercializar com Portugal, destinados ao Brasil e às demais colônias.

Mas Angola nunca se rendeu totalmente, sendo possível acompanhar diversas rebeliões e movimentos anti-coloniais. Mas um novo capítulo se iniciou em 1822, após a independência do Brasil.

Ficou rapidamente evidente que os brasileiros pretendiam anexar Angola à Federação brasileira, antes que se tornasse independente e no intuito de garantir o fluxo de escravos para o Brasil – além de tornar Angola num mercado cativo para os produtos brasileiros, gerando assim a demanda que permitiria a industrialização do Brasil. Perceba-se que este foi um movimento dos usineiros, não do governo propriamente. E visavam a tirar Portugal do papel de intermediário no comércio entre Brasil e Angola. O método utilizado seria mediante fortalecimento de movimentos rebeldes em Luanda e Benguela contra os lusos.

Havia o interesse dos traficantes de escravos também. Os ingleses fizeram Portugal decretar o fim do tráfico de escravos em 1836. O temor em Portugal foi tamanho que o Brasil assinou um acordo com Portugal pelo qual o primeiro se comprometia a não incorporar colônias do segundo.

Mas o Brasil assinaria em 1850 a extinção do tráfico de escravos. Como resultado, as relações Brasil-Angola entraram em declínio: eliminou-se de um dos principais produtos cambiados e angola passou a país exportador de matérias-primas e de produtos minerais, o que punha aquele país como um dos grandes concorrentes do país nos mercados mundiais.

Aliás, Brasil e Angola praticavam até então um intercâmbio comercial rico, para além do tráfico de escravos. Angola exportava para o Brasil ouro em pó, marfim, óleo de amendoim, cera branca e amarela, azeite de dendê, e outros; o Brasil exportava para Angola aguardentes, açúcar, tabaco, e ainda reexportava produtos europeus e asiáticos, como tecidos, lenços, vinho, manteiga, etc.  

Existiam em Angola, naquela época, algumas facções das classes ricas que nutriam sentimentos um tanto distintos quanto ao futuro da colônia: alguns ricos queriam uma Angola independente, nos moldes do Brasil; outros, queriam a permanência de Angola como colônia portuguesa; e alguns outros, ligados ao comércio com o Brasil, queriam Angola como parte da Federação do Brasil.

Já o povo não queria nada daquilo: protestavam e manifestações sacudiram Luanda e Benguela, locais dos portos mais importantes, entoando gritos anti-Portugal e anti-Brasil. Embora demonstrassem a recusa dos Angolanos a aceitar a invasão estrangeira, esses protestos desuniram o povo contra um inimigo comum, o que levou os portugueses a conquistarem pela primeira vez em séculos todo o território angolano, por volta de 1900.

Durante a primeira parte do século XIX, quando o mundo parecia abraçar a filosofia do liberalismo e do livre-mercado, Angola era um centro de comércio relativamente aberto, negociando com Portugal, Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, dentre outros. Procuravam ouro, marfim e escravos.

Tudo mudou novamente quando o acirramento das disputas comerciais, ao lado de uma crise econômica global provocada por excesso de produção, levou ao imperialismo nas metrópoles européias. Por volta de 1884, quase todo o continente estava tomada pelas potências da época. Os conflitos decorrentes dessa invasão do continente levaram à Conferência de Berlim. Ali se acordou a partilha da África.

Uma das resoluções da Conferência definia que somente poderia ter colônia quem a ocupasse militarmente; deveriam-se respeitar os acordos firmados com soberanos africanos; a escravidão deveria ser abolida; os nativos deveriam ser civilizados.

Em 1940, a população em Angola era de 3.738.010 pessoas; em 1950, esse número já era de 4.145.184 habitantes. Este aumento de 11% em apenas 10 anos refletia o influxo incessante de brancos, cuja imigração era incentivada pelo governo português. A década seguinte veria o fortalecimento e, em alguns casos, armamento das lutas anti-coloniais.

Em 1953, surge o primeiro partido político nacionalista de angola, o PLUA – Partido da uta Unida dos Africanos de Angola. Alguns dirigentes do PLUA fundaram o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, de orientação marxista. Também surgiram em sequência o MINA – Movimento para Independência Nacional de Angola, a UPNA – União das Populações de Angola, e muitas outras.  
Após, surgiram as forças de libertação propriamente ditas, armadas e militarizadas. Foi o caso da FNLA – Frente Nacional para a Libertação de Angola, surgida em 1962, e da UNITA – União Nacional para Independência Total de Angola. Esta última era liderada por Jonas Savimbi, apoiada por EUA e África do Sul, e de fundamentação ideológica capitalista.

Em 4 de fevereiro de 1961, diversas cadeias de Luanda foram atacadas por membros do MPLA, que libertaram vários presos políticos. Foi dada a largada na corrida pela independência nacional. Mas o grande obstáculo eram as muitas riquezas do país – como minas de metais valiosos e jazidas de petróleo – que opunham grupos locais e interesses transnacionais.

O MPLA era apoiado e financiado pela URSS, Cuba e demais membros do Pacto de Varsóvia. A FNLA recebia apoio estadunidense e do Zaire (atual República Democrática do Congo). A UNITa era financiada pela África do Sul do apartheid e pelos EUA.

Apesar desses conflitos, a economia de Angola crescia surpreendentemente: entre 1963 e 1973, crescia 7%, levando a rede de supermercados Pão de Açúcar a inaugurar uma das suas maiores lojas em Luanda, capital de Angola.

O fim da ditadura em Portugal (Salazar e Caetano), após a Revolução dos Cravos, levou ao fim tardio do império português após o reconhecimento da independência de Angola. A transição foi regulada pelo Acordo de Alvor, de 1975, firmado por membros do MPLA, FNLA e UNITA, além de membros do governo português, que transfeririam o poder formalmente m 11 de novembro de 1975, dia da independência. Mas um Acordo estabelecido entre partes tão distintas estava fadado a não ter vida duradoura.

O MPLA, mais forte dos movimentos populares, sentiu-se enfraquecido pelo Acordo, saiu da aliança e, no dia da transferência do poder, declarou unilateralmente a independência de Angola. O Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer o novo país e a legitimidade do governo do MPLA. Sem dúvidas o governo brasileiro de Geisel não se sentia confortável com um novo governo angolano tão próximo da URSS e de Cuba, numa região geopoliticamente sensível – foco de crescentes interesses brasileiros, econômicos e geopolíticos, mas prejudicados pelo caráter autoritário do regime, o que gerou muitas resistências e repúdio ao Brasil naquela região. Optou-se por apoiar o MPLA, por ser o mais forte dos movimentos independentistas, sob a liderança de Agostinho Neto. Além do mais, sua forte influência religiosa continha um pouco o discurso comunista – que é fundamentalmente ateu.

A independência de Angola viu se iniciar, na sequência, sua trágica guerra civil. De 1975 a 1991, as contradições entre os projetos de governo dos diversos grupos pela libertação, como a UNITA, que abraçou a causa do capitalismo, apoiada pelos EUA e pela África do Sul do apartheid, em oposição aos marxistas do MPLA, levou o país a uma dos episódios mais sangrentos que o mundo veria em breve. Em 1988, quando a Guerra Fria acabava, a ONU se via forçada a enviar uma missão de paz no país.

Forma-se uma “troika” de observadores, composta por EUA, Rússia e Portugal, os principais players com interesses de longa data em Angola, para acompanhar as negociações de paz.

As negociações de paz, plasmadas na forma dos Acordos de NY, firmados na sede da ONU, deram origem à UNAVEM I, missão da ONU para fiscalizar o cumprimento do Acordo.

As negociações de paz entre MPLA e UNITA ensejaram os Acordos de Bicesse, assinado em Portugal e à criação da UNAVEM II. Firmaram este documento: José Eduardo dos Santos, sucessor de Agostinho Neto na presidência de Angola; Jonas Malheiro Savimbi, da UNITA; Cavaco Silva, primeiro-ministro de Portugal; Peres Cuellar, Secretário-Geral da ONU; James Baker, secretário de política exterior dos EUA; Alexandre Brassmertnykh, sua contraparte russa; Joweri Musevini, presidente da OUA, Organização da Unidade Africana. O principal acordo foi sobre a realização de eleições presidenciais em 1992, das quais a UNITA participaria como partido, com candidato.    

As eleições ocorreram, mas o resultado não foi o pretendido: a UNITA não aceitou o resultado das urnas, apesar da garantia dada pela ONU de que o pleito foi legítimo – aliás, os únicos casos de fraude ocorreram nas áreas dominadas pela UNITA. O resultado foi: MPLA, obteve 49,57% dos votos; a UNITA obteve 40,07% - portanto deveria haver um segundo turno, mas a UNITA abandonou a disputa presidencial antes disso. Seguiram-se confrontos armados em Luanda, que duraram uma semana, deixaram mais de mil mortos e terminaram com a expulsão da UNITA de Luanda. O MPLA agora inaugurava um mandato legítimo, consagrado nas urnas, enquanto a UNITA dava início à segunda guerra civil angola, que se estenderia até 2002.

Nesse meio tempo, com as mudanças drásticas da geopolítica, o caráter marxista do governo de Angola foi sendo deixado de lado, enquanto se adotava a economia de mercado e o pluripartidarismo. O discurso pró-mercado da UNITA já não reverberava tanto. Os EUA reconheceram a legitimidade do governo angolano em 1993, e isso deixou a UNITA sujeita a sanções aplicadas pela ONU.

Em 20 de novembro de 1994, ocorre a assinatura do Protocolo de Lusaka e a subseqüente criação da UNAVEM III – mas com a ausência de Jonas Savimbi. Aliás, a UNITA não ajudou em qualquer momento, nem com a elaboração de um governo de unidade.

Em 30 de junho de 1997 a UNAVEM III é extinta e substituída pela MONUA, uma missão de observação. Durante essa missão, um fato trágico ocorreu: dois aviões a serviço da ONU foram abatidos quando sobrevoavam Angola, na área dominada pela UNITA. Mas já em 1999 a missão foi declarada desnecessária pelo governo de Angola, restando apenas um escritório da ONU no país. Em 2002, Jonas Savimbi foi morto em combate, o caminho estava aberto para as negociações de paz definitivas.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Desvendando a história da África”


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