Após décadas de guerras externas e intestinas, em busca de
sua independência, os novos países africanos enfrentaram um outro ponto de
inflexão, mais um obstáculo no caminho da sua tão sofrida reconstrução: a queda
do comunismo.
A União Soviética, parceira de primeira hora dos países
africanos descolonizados, massivamente adotantes do regime comunista, passava
por problemas sérios em casa. Em 1985, o país elegeu um novo líder, que
destoava um tanto da gerontocracia que sucedeu Stalin.
Eleito, Gorbachov buscou o diálogo com os EUA. Os soviéticos
desejavam pôr um ponto final na corrida armamentista, que consumia grande parte
da riqueza produzida pelos dois lados, mas evidentemente gravava mais as
finanças do menos rico. Nesse sentido, a partir de 1987, a URSS passou a exigir
que seus aliados buscassem o entendimento com seus vizinhos.
Mas a grande surpresa ficou a cargo da África do Sul. Em
1988, as tropas cubano-angolanas derrotavam o exército sul-africano sucessivamente,
primeiro no sul de Angola, quando liquidaram a UNITA; depois, explodiram a
represa que fornecia energia elétrica à Namíbia. O governo do Apartheid logo
percebeu que havia chegado a hora de negociar, pois o desgaste de suas tropas
era evidente.
Os americanos então propuseram o que chamaram de Linkage: os
cubanos se retirariam da do conflito e, em troca, a independência da Namíbia
seria aceita. A África do Sul aceitou a proposta.
O ano de 1989 testemunhou alguns fatos há muito aguardados: Cuba se despediu da
África, o muro de Berlim caiu (ou foi derrubado?) e a Namíbia experimentou sua
primeira eleição, com o apoio da ONU. Primeiramente se estabeleceram as regras que
regeriam tanto a minoria branca quanto o capital internacional, vital para a
reestruturação do país; depois de se computarem os votos, foi declarada a
vitória da SWAPO. Em março, foi declarada independente.
Foi então que os ventos de mudança chegaram à África, levaram
embora os regimes de matiz comunista, com seus Partidos centrais, e forçaram seus
governos a adotarem regimes liberal-democratas e multipartidários. A guerra
civil de Angola terminou em maio de 1991; a de Moçambique durou até outubro de
1992. O regime marxista da Etiópia foi derrubado em maio de 1991.
A África do Sul extinguiu seu repulsivo Apartheid em
fevereiro de 1991, quando libertou o festejado herói nacional e futuro
presidente Nelson Mandela. O processo foi conduzido pelo presidente Frederik De
Klerk e a eleição de Mandela ocorreu em 1994, mas tudo isso ocorreu em meio a
conflitos internos.
Mas esses sucessos iniciais não correspondiam aos problemas
que surgiriam em seguida. O fim da velha ordem mundial bipolar fez com que o
continente africano perdesse sua importância geoestratégica: agora não havia
mais uma potência econômica capaz de fornecer os recursos de que necessitavam
em troca do alinhamento e suas fileiras. A África era agora um território
marginal no sistema internacional. Era marginalizada e seus conflitos agora eram
legados ao estrato do tribalismo.
Sem uma potência mundial que lhes vendessem armas modernas,
as cartas eram agora ditadas por mafiosos ou por grandes traficantes de drogas:
diversos países se tornaram grandes produtores de internacionais de drogas. OS
diversos conflitos surgidos pareciam sem previsão de término, afinal
alimentavam tanto as elites quanto grupos étnicos. Mesmo em Angola conflitos
ressurgiram e o Tratado de Paz assinado nunca produziu realmente todos os seus
efeitos.
Os Estados do Golfo da Guiné voltaram a entrar em conflito. Um
dos países mais ricos do continente, a Nigéria, viveu uma década de 1990
infernal: a cada eleição realizada
correspondia um golpe militar subseqüente. As guerras civis eram tão numerosas
que é difícil de se numerá-las: Senegal, Libéria, Serra Leoa, Mali, Níger,
Mauritânia, Argélia. Estes quatro últimos em guerra contra os nômades tuaregues
do deserto. Angola somente conseguiu pôr um ponto final em sua guerra civil em
2002, após a morte de Jonas Savimbi e conseqüente extinção da UNITA – iniciou-se
então a missão humanitária de desarmar as minas terrestres no país que mais as
acumulou em todo o mundo, e de recriar a infraestrutura do país que era
considerado um dos mais bem aparelhados no continente. A OUA criou tropas de
paz para amenizar alguns desses conflitos, mas aparentemente não lograram
sucesso.
Vários desses conflitos internos envolviam, de um lado,
africanos nativos e, do outro, negros descendentes de ex-escravos que
retornaram da América no século XIX. Incrivelmente surgiu uma discriminação
entre ambos os grupos e que ainda persiste hoje.
Como resultante, diversos regimes autoritários debelados anos
antes retornaram ao poder, muitas vezes trazendo os mesmos velhos ditadores –
e, muitas vezes, com apoio popular, mediante eleições ou não.
Outro processo de triste memória foi o conflito entre tutsis
e hutus em Ruanda e Burundi. Os agricultores hutus conformavam uma maioria de
90% da sociedade – contra os 10% de tutsis. Entretanto, nessas duas colônias, alemã
e belga respectivamente, os tutsis foram alçados à elite no poder. Esse arranjo
só durou até a independência, quando os hutus passaram a ser a etnia dominante,
usando-se de sua expressiva maioria, e alinharam-se à França e ao Zaire.
Na década de 1980, os governos hutus foram postos na
berlinda em razão de sua descarada corrupção e perseguição aos opositores.
Milhares de refugiados tutsis reunidos em Uganda se organizaram num exército e
invadiram Ruanda, pelo norte, em outubro de 1990, mas o exército de Ruanda os
expulsou facilmente, um mês depois.
Enfraquecido internamente, o governo de Ruanda então
encontrou uma forma de se manter no poder: massacrou tutsis ao longo dos anos
de 1991 e 1992 – divisão étnica necessária para criar um inimigo causador de
todos os problemas...
Assinaram então as partes o Acordo de Arusha, mas a guerra
civil permaneceu e os rebeldes se estabeleceram no norte do país, dando início
ao massacre de populações hutus, em represália. Estando patente que o conflito
armado não levaria a qualquer entendimento, em 1993 foi criado um governo de
coalizão. A paz parecia iminente, mas a vitória de um hutu em Burundi, país
vizinho a Ruanda, levou os tutsis a reagirem com violência. Foi então que os
extremistas hutus se viram legitimados a atacarem tanto tutsis quanto hutus moderados.
Como se esse armagedon não fosse o bastante, um avião que
transportava os presidentes de Ruanda e de Burundi foi derrubado quando voava
sobre Ruanda. A guerra ficou ainda mais sangrenta e o exército tutsi conseguiu
conquistar Kigali, capital de Ruanda.
Em 1994 ocorreu um massacre impressionante de hutus: entre
500 e 800 mil mortos e mais de 4 milhões de refugiados. A FPR foi capaz de
estabelecer um novo regime, que foi apoiado e reconhecido imediatamente pelos
EUA – além de estar alinhado com Uganda e Tanzânia.
O Zaire terminou por receber grande parte dos refugiados de
Ruanda, o que prejudicou ainda mais o fraco equilíbrio interno que existia e
que levava o país, ainda que cambaleante, em direção à democracia. Mas, em
1996, formou-se no leste do país a Aliança das Forças Democráticas para a
Libertação do Congo-Zaire: tutsis do Zaire, liderados por Laurent Kabila, rico
comerciante de ouro e marfim, próximo de empresários norte-americanos e
ex-apoiador de Lumumba nos anos 1960.
Em poucos meses esses milicianos haviam tomado as províncias
mais ricas, adentraram a capital, Kinshasa, tudo isso praticamente sem resistência.
Ao fim e ao cabo desses inúmeros conflitos, o país vitorioso
atendia por um nome bem conhecido: Estados Unidos da América. Historicamente, a
França era o país que empunhava as armas no continente. Durante a Guerra Fria,
o aliado era a URSS, em oposição aos EUA e à França. Após a Guerra Fria, os
países africanos se voltaram a Washington em busca de apoio, ainda como repúdio
contra Paris.
Apesar do fracasso retumbante em suas incursões na Somália,
Washington passou a ter influência direta e sem concorrentes na Etiópia, na
Eritréia, Uganda, Angola e Moçambique, além de estarem bem estabelecidos no
Quênia. Agora, após os massacres descritos acima, Ruanda, Burundi e Zaire entraram
no pacote. Todos dando Au Revoir à França.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Desvendando a história da África”
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