O governo português, nos anos 1940, fez publicar dois
importantes estudos sobre o personagem, de autoria de dois bons historiadores,
um brasileiro e outro português. Em Luanda, até a independência, em 1975, a
estátua de Salvador estava instalada defronte ao palácio do governador-geral
português, no centro da cidade. O atual governo removeu tal estátua para um
local mais afastado.
Seu pai, Martim Corrêa de Sá, casara-se em 1600 com a filha
do governador de Cádiz. Nessa cidade nasceu Salvador, em 1602.
Salvador só chegou ao Rio de Janeiro em 1614 ou 1615, em
companhia do pai. Estudou no colégio dos jesuítas, localizado no morro do
Castelo. Residia na propriedade da família no engenho da Tijuca.
Salvador governou o Rio de 1602 a 1608 e de 1623 a 1632. Foi
considerado um bom administrador, assim como seu pai o fora. Salvador, o velho,
foi o responsável por fortificar o Rio contra eventuais invasões holandesas,
que atacavam o nordeste. Foi a família mais influente do Rio nos séculos XVI e
XVII.
Recebeu seu primeiro encargo oficial em 1623, aos 21 anos,
quando comandou um carregamento de açúcar, fazendo uso de 30 naus lotadas do
produto. Chegou a Lisboa sem perdas.
Em 1624, quando os holandeses invadiram a cidade de Salvador
e prenderam o governador-geral do Brasil-colônia, Salvador foi despachado de
Lisboa no comando de uma nau, que trazia a bordo reforços e alimentos para os
soldados.
No meio do caminho, deparou-se com oito naus holandesas que
já se preparavam para invadir o Espírito Santo. Salvador conseguiu dispersá-las
e, assim, salvou aquela capitania.
O jovem tinha apenas 23 anos àquela altura.
Salvador cresceu no período da União Ibérica, nutrindo
portanto afinidade com a cultura e a coroa espanhola. Casou-se com na
Argentina, com a neta do ex-governador espanhol de Tucumán, Paraguai e do Rio
da Prata. Sua esposa era viúva e dona de imensas propriedades no norte da
Argentina.
Essa aproximação entre Portugal e Espanha seria superada
pela restauração da coroa portuguesa, em 1640, passando os dois países à condição
de inimigos.
Em 1633, Salvador esteve em Potosí, na atual Bolívia. Era o
maior centro de mineração de prata, de onde saía grande parte da fortuna
amealhada pela Espanha na América.
Naquela região, Salvador estudou os caminhos percorridos
pelos “peruleiros”: contrabandistas de prata, que despachavam suas mercadorias
por Buenos Ayres, principalmente, mas também por portos brasileiros. Pretendia
Salvador deslocar parte dessa rota comercial para o Rio de Janeiro,
enriquecendo assim a cidade com mercadoria contrabandeada da América espanhola.
Passo seguinte, Salvador foi nomeado “almirante dos mares do
sul”, pela coroa espanhola e nomeado para combater revoltas indígenas na região
do Rio da Prata, o que prejudicava os embarques de prata. Apesar de diversas
flechadas ao longo de dois anos de batalhas infindáveis, foi bem sucedido. Tinha
34 anos.
Após tantas vitórias e conquistas, Salvador foi agraciado
pelo governo espanhol com o cargo de governador do Rio de Janeiro, função que
exerceu por seis anos – 1637 a 1643.
Além da propriedade na região da Tijuca, Salvador herdara do
pai canaviais imensos na região da Ilha do Governador, Tijuca e Jacarepaguá.
Era um dos maiores proprietários de terras do Rio. Nas terras da Ilha do
Governador, Salvador fundou o primeiro engenho de açúcar da Guanabara. Além do
engenho, conseguiu autorização do Conselho Municipal para instalar um trapiche
para armazenamento e pesagem do açúcar e outros produtos a serem exportados.
Era um direito exclusivo e lhe rendeu uma fortuna – e inimigos mil! Sua
autorização só foi cassada em 1850.
Seu filho recebeu o título de visconde Asseca. Em suas
terras foi criado a localidade conhecida como Praça Seca – nome derivado de “Asseca”.
Fica hoje no bairro de Jacarepaguá.
A partir de 1639, Salvador acumulou a governança das
capitanias de São Vicente e São Paulo.
Em 1640, após três meses dos fatos históricos, a colônia do
Brasil soube da independência conquistada por Portugal, após 60 longos anos de
humilhação e submissão à coroa espanhola. Foi uma festa, mas Salvador tinha
motivos para se preocupar: ele fora alçado à posição que ocupava mediante
ordens espanholas. Os tempos agora eram outros. Teria de tomar uma posição clara.
Salvador nascera na Espanha, era filho de uma espanhola,
casara-se com uma filha de espanhóis, aprendera espanhol como primeira língua,
era proprietário de imensas terras na América espanhola... perderia isso tudo
caso optasse por ser português. E assim o fez.
Comemorou efusivamente a vitória portuguesa. Mas não são
poucos os historiadores que creem em motivações mais claras para o convencimento
de Salvador, como privilégios e honrarias concedidos por D. João IV, quem
iniciou a dinastia dos Braganças.
Quando da restauração de Portugal, uma capitania se tornou
uma pedra no sapato português: São Paulo. Julgavam-se perseguidos e discriminados
pelo governo português, além da antipatia pelos jesuítas, que tanto se
empenhavam em defender os indígenas que os paulistas tanto desejavam
escravizar. Ameaçavam optar por fazer parte da América espanhola.
Interessante notar que essa decisão teria retirado do Brasil
toda a região Sul.
Salvador percebeu a gravidade da situação e resolveu
interferir. A solução final passou pela expulsão dos jesuítas de São Paulo,
ainda em 1640.
Nova crise em São Paulo, apenas dois anos depois, exauriu a
paciência de Salvador, que chamou os paulistas de “república facínora”.
No Rio, seus inimigos conseguiram convencer o Conselho
Ultramarino a enviar um desembargador para inspecionar a administração de
Salvador. O resultado foi um atestado de honestidade e boa administração
concedidos a Salvador de Sá.
Em 1644, novo esforço dos mesmos inimigos procurava fazer o
mesmo Conselho enviar outro desembargador para a mesma tarefa. Dessa feita
Salvador se encontrava em Lisboa e, em audiência com D. João IV, explicou ao
rei o que estava acontecendo de fato no Rio.
Também aproveitou para convencer o rei a reconquistar
Angola, ocupada pelos holandeses. Essa ocupação levou À interrupção do tráfico
de escravos para o Brasil. A falta de escravos punha toda a colônia sob risco: Pernambuco,
Bahia e Rio de Janeiro não existiriam sem os escravos africanos.
Salvador se tornou também comandante da frota comercial defendida
por ele e pelo padre Antônio Vieira, com o objetivo de reproduzir a experiência
bem sucedida da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Estava com 42 anos
de idade.
No final daquele ano, assumiu cargo no Conselho Ultramarino.
Suas viagens eram tantas, que já havia cruzado a linha do Equador 27 vezes.
Retornou ao Brasil com a missão de descobrir jazidas de
metais preciosos. Caso o fizesse, tinha a promessa régia de ser nomeado
administrador da eventual região.
Mas nessa missão não foi bem sucedido.
Em 1658, conseguiu a autonomia por que tanto lutara: agora
as capitanias do Rio, São Paulo e São Vicente eram governadas por ele sem a
interferência da Bahia em suas decisões. Tornou-se conhecida como Repartição
Sul. Ele governava quase metade da colônia.
Quanto a Angola, nessa mesma época Salvador fora nomeado
governador daquela região, que ainda estava sob ocupação holandesa. Após,
Salvador comandou uma esquadra que buscaria expulsar os batavos dali. Salvador,
mais uma vez, foi brilhantemente bem sucedido. O fez quase sem perdas para
ambos os lados. Salvador colocou inúmeros bonecos disfaçados nas embarcações,
para que o inimigo pensasse que eles tinham mais homens do que tinham
realmente. Deu certo! Com medo, renderam-se quase sem resistência.
Logo após, a rainha africana Ginga, aliada dos holandeses,
também se rendeu.
Salvador incentivou a criação de um estaleiro na Ilha do
Governador. O local das instalações foi batizado de Ponta do Galeão, local
atualmente do aeroporto internacional do Rio.
Construíram-se seis galeões ali, sendo um deles batizado de
Pai Eterno: era o maior navio já construído até então – 2 mil toneladas, quatro
anos de construção, media 53 metros de comprimento e contava com 144 canhões a
bordo. Infelizmente afundou anos depois, ao se chocar com um arrecife, no
Oceano Índico.
Essa vitória deu início a três séculos de comemorações, em
Luanda, e à tal estátua de Salvador.
O tráfico de escravos surgido após esses eventos foi
planejado por Salvador.
Salvador foi agraciado com ainda mais provilégios e o
direito de construir uma vila, da qual seria senhor. Daí surgiu o feudo dos
Assecas, Praça Seca etc.
Após tantas aventuras, retornou ao Rio. Encontrou o caos.
Cidade falida, soldados sem soldo e uma clara sensação de que uma revolução se
avizinhava. Quando se ausentou para ir a São Paulo, viu seus bens serem
sequestrados. Mas conseguiu reverter diplomaticamente a situação. Foi sucedido
em 1661.
Retornou a Lisboa e nunca mais pisou na colônia que tanto
ajudou a moldar.
Em Lisboa, escolheu apoiar D. Afonso IV. Quando D. Pedro deu
um golpe, em 1667, e assumiu a coroa, Salvador caiu no ostracismo.
Seus inimigos diziam que um espanhol não poderia ter sido
agraciado com tantas honrarias e privilégios. D. Pedro parecia concordar com o
argumento.
Após se disfarçar de monge e procurar abrigo num colégio de
jesuítas, foi descoberto e preso. Tendo a intervenção de jesuítas de alto
coturno e após distribuir uma fortuna em propinas, teve sua prisão convertida
em prisão domiciliar, em seu palácio dos Santos, em Angola. A sentença total
foi de dez anos de degredo!
As acusações eram sortidas: extorsões, desvio de dinheiro
público, contratos ilegais, uso de empregados públicos para fins pessoais e
muito mais.
Foi salvo pela surpreendente amizade de D. Pedro co seus
filhos. Foi readmitido no convívio da Coroa.
Após o reconhecimento da independência de Portugal pela
Espanha, em 1669, um de seus filhos foi nomeado capitão-mor nas Índias. Os
outros filhos receberam terras na região do Paranaguá.
Após a perda de seu filho, intitulado visconde de Asseca,
recebeu uma nova nomeação para o Conselho Ultramarino, como um alívio para o
seu sofrimento.
Fundara também as vilas e Ubatuba, Paranaguá e Campos dos
Goytacazes.
Faleceu em Lisboa, a 1º de janeiro de 1682, aos 80 anos de
idade, lúcido.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades
e episódios controversos da história do Brasil.”
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