O conde João Maurício de Nassau (Johann Mauritz Von Nassau) foi
um personagem bastante associado às aventuras holandesas nas costas do
nordeste, mas na Europa seu nome se acha muito mais associado às suas ações
para conter o expansionismo do rei francês Luís XIV.
Num período de explosivo das disputas religiosas entre
calvinistas e católicos, a Holanda se destacava pela política de tolerância
religiosa, resultado direto do tratado de Utrecht, de 1579. Seu pai era
reconhecido pela ampla liberdade religiosa concedida nos tempos em que
administrava a província de Siegen. Embora a cidade do Recife tivesse visto
suas igrejas se transformarem em templos protestantes, os católicos do interior
de Pernambuco conseguiram conservar suas igrejas intactas durante os anos de
governo Nassau.
Seus dois primeiros anos no Brasil testemunharam o
nascimento da cidade mais empolgante do continente. Pontes e ruas pavimentadas garantiam
ampla mobilidade. Finalmente era visível algum traço de planejamento urbano no
caótico mundo das colônias portuguesas.
Sua residência, típica moradia de senhores de engenho
endinheirados, contava com um mirante onde Nassau fez instalar o primeiro
observatório astronômico da América do Sul.
Pouco após, Nassau se instalou num sítio, no atual bairro
das Graças. Em seu jardim, o pintor Albert Eckhout pintou quadros marcantes,
hoje parte da coleção do Museu Nacional de Copenhague. Nassau chamava aquela
residência de “La Fontaine”.
Em 1638, foi inaugurado o parque Vrijburg, localizado na
ilha de Antonio Vaz, vizinha a Recife. Em sua velhice, a construção do parque
figuraria entre seus feitos que mais valorizava. Utilizou árvores oriundas da
África e da ilha do Cabo Verde.
O parque ganhou um jardim botânico logo depois.
Outro providência tomada por Nassau foi ordenar a drenagem
da ilha do Recife, usando canais para tal fim. Projetou também um novo bairro,
que batizara de Nova Cidade Maurícia.
Quando retornou à Europa, sua bagagem era composta de
objetos de tal sorte valiosos que ele pode negociar títulos, condecorações e
cargos públicos, civis e militares, em países diversos como Prússia, Holanda e
Dinamarca. A cessão de objetos exóticos , organizados em grandes coleções, por
Nassau era objeto de desejo de muitos nobres europeus.
Sua casa, a espetacular Mauritiushuis, em Haia, exibia ricas
cortinas bordadas a ouro e prata, camas e cadeiras de marfim e pau-brasil e muito
mais. Essa mansão passou a ser um concorrido ponto de encontro de artistas,
tendo também recepcionado o rei inglês Carlos II. A construção data de 1632,
foi projetada por Pieter Post e pelo arquiteto holandês Jacob van Campen. Seu
custo foi de inacreditável meio milhão de florins e é até hoje uma das mais
belas obras em Haia. Foi rapidamente apelidada de “Suikerhuis”, ou Mansão do
Açúcar. Sua inauguração, em 1644, contou até com a presença de índios tapuias,
que Nassau “importara” do Brasil, quando exibiram danças guerreiras aos
convidados.
Dentre os agraciados por “souvenirs“ do conde estavam o
Grande Eleitor de Brandemburgo, o rei da Dinamarca e até o declarado inimigo
Luís XIV. E assim o conde foi a príncipe...
Sua mãe era princesa da família real da Dinamarca. Nassau
estudou na Suíça, iniciou carreira militar aos 21 anos. No ano seguinte foi
promovido a capitão e, três anos mais tarde, já era tenente-coronel. Aos 26,
foi a coronel. Colecionou feitos notáveis, como a tomada de Maastricht e a
tomada da fortaleza de Schenkenhaus, vitórias importantes em seu país.
Só havia uma coisa que o conde não conseguia fazer: viver no
limite de suas posses: vivia constantemente em dificuldades financeiras. Mas
suas vitórias e as habilidades já largamente provadas o levaram a ser convidado
pela Companhia das Índias Ocidentais para o cargo de governador-geral do Brasil
holandês. Assumiu esta função em 1636, aos 32 anos.
O mandato expirava em cinco anos, mas Nassau permaneceu mais
de sete. Consigo trouxe uma comitiva de especialistas em diversas áreas.
A região da capitania de Pernambuco era objeto da ambição
dos batavos em razão dos lucros espetaculares promovidos pela comercialização
do açúcar local. Mas as despesas holandesas também era astronomicamente
elevadas, pois as campanhas militares se acumulavam, tanto nas Américas quanto
na Europa, onde um inimigo poderoso causava preocupação cada vez maior, a
Inglaterra. Nassau era um problema a mais nesse métier: seus gastos eram
incontidos, foi diversas vezes alertado para moderá-los e seu assessor teve que
ir a Haia (então capital da Holanda) explicar o que o governador-geral vinha
fazendo com os recursos da Companhia.
Em 1644, Nassau apresentou seu relatório de prestação de
contas à assembléia dos Estados Gerais, em Haia, sobre a situação da colônia. O
tom era de pessimismo. Chamou atenção para as dívidas dos senhores de engenho
locais, que corriam o risco de irem à falência caso a Companhia cobrasse as
dívidas que tinham contra si sem moderação. Sugeriu redução da carga fiscal,
que foi aprovada. Ao fim, sua gestão foi aprovada pelos Estados Gerais.
Como seu tempo à frente da colônia foi bastante atribulado,
Nassau se desligou da Companhia e se reintegrou ao exército holandês. Naquele
mesmo ano, 1645, os portugueses tiveram sua primeira vitória contra os
holandeses, na batalha do Monte das Tabocas, o início da reversão da presença
holandesa no Brasil.
Em 1647, recebeu novo convite para reassumir o posto no
Brasil, mas recusou dessa vez.
Após firmarem um tratado de paz, Portugal chegou a convidar
Nassau para assumir o comando do exército português. Mas recusou também essa
oferta.
Não se sabe se ele aceitou o suborno de 400 mil florins para
ajudar Portugal a aparar as arestas com a Companhia das Índias...
Em 1647, o historiador e editor Barleus fez publicar o livro
“História dos feitos praticados durante oito anos no Brasil e outras partes por
Maurício de Nassau”, em latim. Foi traduzido para o alemão em 1659.
Um dos seus admiradores, o Grande Eleitor, convidou Nassau
para ser Stadhouder do ducado de Clève. Nesse período deve ter sido informado sobre
a vitória portuguesa em Guararapes.
Seu período à frente de Pernambuco seria retratada em outra
obra literária: Historia Naturalis Brasiliae, do médico Wilhelm Piso. Era ainda
uma das grandes obras sobre o período mais de 200 anos após sua publicação, em
1648.
Em 1649, ocorreu a segunda batalha de Guararapes, quando os
holandeses terminaram cercados em Recife.
Em 1657, Nassau esteve em missão em diversos países
europeus, como Reichfuerst, ou príncipe do Império. Laborou em diversos acordos
e tratados de paz.
Em 1661, foi firmada a paz definitiva entre Portugal e a
Holanda: este finalmente reconhecia dos direitos daquele sobre o nordeste
brasileiro e Angola.
Em 1667, aos 63 anos, Nassau assume o cargo de marechal de
campo dos Países Baixos.
Em 1672, chega ao fim o brilho daquela briosa pequena nação.
As Províncias Unidas foram invadidas simultaneamente pela Inglaterra e pela
França. Somente não foi submetida totalmente porque uma série de inundações
provocadas (abertura completa de todos os diques) puseram o país inteiro
embaixo d`àgua. Só restaram três províncias não inundadas.
O Tratado de Utrecht, de 1713, deixaria patente o fim
daquela potência européia.
Foi também o fim da intensa carreira do príncipe. Cansado,
sofrendo de pedras nos rins, pediu licença das armas. Em 1676, solicitou baixa.
Um ano antes de morrer, novamente em grave situação
financeira, escreveu a Luís XIV, oferecendo-lhe uma coleção particular de 34
quadros de Franz Post e oito de Eckhout. Essa coleção foi exibida no palácio do
Louvre, em 1679, com o nome de Brasiliana.
Nassau morreu em dezembro de 1679, aos 75 anos, em sua casa
de campo, próxima a Clève, sem ter tido nem mesmo tempo para negociar mais essa
venda. Nassau dormia numa rede nordestina de linho bordado. Dizia que aliviava
suas dores nos rins.
Após sua morte, também foi dado início à fabricação de uma
série de tapeçarias com os desenhos que trouxe do outro lado do Atlântico.
Seus restos mortais estão no panteão da família, em Siegen,
sua cidade natal. Sua Mauritzhuis foi arrendada pelo governo, para recepção de
convidados ilustres. Morreu sem filhos. Também nunca se casou.
Os holandeses que saíram de Pernambuco foram para o norte e
fundaram a cidade de Nova Amsterdam, hoje Nova York. Também foram os holandeses
que batizaram a capital das Bahamas de Nassau.
Última curiosidade: durante a administração de Nassau a
cervejaria começou a ser produzida no Brasil, pela primeira vez. Em 1640, a Companhia
cedeu por seis anos um casarão nos arredores de Recife ao cervejeiro holandês
Dick Dix. A fábrica se localizava na casa onde residiu Nassau, a La Fontaine.
Seria hoje no bairro da Capunga.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias Depois da Glória: Ensaios sobre
personalidades e episódios controversos da história do Brasil”
Nenhum comentário:
Postar um comentário