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segunda-feira, 12 de junho de 2017

NASSAU E SEU “BRASILIANISCHREICH”


O conde João Maurício de Nassau (Johann Mauritz Von Nassau) foi um personagem bastante associado às aventuras holandesas nas costas do nordeste, mas na Europa seu nome se acha muito mais associado às suas ações para conter o expansionismo do rei francês Luís XIV.

Num período de explosivo das disputas religiosas entre calvinistas e católicos, a Holanda se destacava pela política de tolerância religiosa, resultado direto do tratado de Utrecht, de 1579. Seu pai era reconhecido pela ampla liberdade religiosa concedida nos tempos em que administrava a província de Siegen. Embora a cidade do Recife tivesse visto suas igrejas se transformarem em templos protestantes, os católicos do interior de Pernambuco conseguiram conservar suas igrejas intactas durante os anos de governo Nassau.

Seus dois primeiros anos no Brasil testemunharam o nascimento da cidade mais empolgante do continente. Pontes e ruas pavimentadas garantiam ampla mobilidade. Finalmente era visível algum traço de planejamento urbano no caótico mundo das colônias portuguesas.

Sua residência, típica moradia de senhores de engenho endinheirados, contava com um mirante onde Nassau fez instalar o primeiro observatório astronômico da América do Sul.

Pouco após, Nassau se instalou num sítio, no atual bairro das Graças. Em seu jardim, o pintor Albert Eckhout pintou quadros marcantes, hoje parte da coleção do Museu Nacional de Copenhague. Nassau chamava aquela residência de “La Fontaine”.

Em 1638, foi inaugurado o parque Vrijburg, localizado na ilha de Antonio Vaz, vizinha a Recife. Em sua velhice, a construção do parque figuraria entre seus feitos que mais valorizava. Utilizou árvores oriundas da África e da ilha do Cabo Verde.

O parque ganhou um jardim botânico logo depois.

Outro providência tomada por Nassau foi ordenar a drenagem da ilha do Recife, usando canais para tal fim. Projetou também um novo bairro, que batizara de Nova Cidade Maurícia.

Quando retornou à Europa, sua bagagem era composta de objetos de tal sorte valiosos que ele pode negociar títulos, condecorações e cargos públicos, civis e militares, em países diversos como Prússia, Holanda e Dinamarca. A cessão de objetos exóticos , organizados em grandes coleções, por Nassau era objeto de desejo de muitos nobres europeus.

Sua casa, a espetacular Mauritiushuis, em Haia, exibia ricas cortinas bordadas a ouro e prata, camas e cadeiras de marfim e pau-brasil e muito mais. Essa mansão passou a ser um concorrido ponto de encontro de artistas, tendo também recepcionado o rei inglês Carlos II. A construção data de 1632, foi projetada por Pieter Post e pelo arquiteto holandês Jacob van Campen. Seu custo foi de inacreditável meio milhão de florins e é até hoje uma das mais belas obras em Haia. Foi rapidamente apelidada de “Suikerhuis”, ou Mansão do Açúcar. Sua inauguração, em 1644, contou até com a presença de índios tapuias, que Nassau “importara” do Brasil, quando exibiram danças guerreiras aos convidados.

Dentre os agraciados por “souvenirs“ do conde estavam o Grande Eleitor de Brandemburgo, o rei da Dinamarca e até o declarado inimigo Luís XIV. E assim o conde foi a príncipe...

Sua mãe era princesa da família real da Dinamarca. Nassau estudou na Suíça, iniciou carreira militar aos 21 anos. No ano seguinte foi promovido a capitão e, três anos mais tarde, já era tenente-coronel. Aos 26, foi a coronel. Colecionou feitos notáveis, como a tomada de Maastricht e a tomada da fortaleza de Schenkenhaus, vitórias importantes em seu país.

Só havia uma coisa que o conde não conseguia fazer: viver no limite de suas posses: vivia constantemente em dificuldades financeiras. Mas suas vitórias e as habilidades já largamente provadas o levaram a ser convidado pela Companhia das Índias Ocidentais para o cargo de governador-geral do Brasil holandês. Assumiu esta função em 1636, aos 32 anos.

O mandato expirava em cinco anos, mas Nassau permaneceu mais de sete. Consigo trouxe uma comitiva de especialistas em diversas áreas.      

A região da capitania de Pernambuco era objeto da ambição dos batavos em razão dos lucros espetaculares promovidos pela comercialização do açúcar local. Mas as despesas holandesas também era astronomicamente elevadas, pois as campanhas militares se acumulavam, tanto nas Américas quanto na Europa, onde um inimigo poderoso causava preocupação cada vez maior, a Inglaterra. Nassau era um problema a mais nesse métier: seus gastos eram incontidos, foi diversas vezes alertado para moderá-los e seu assessor teve que ir a Haia (então capital da Holanda) explicar o que o governador-geral vinha fazendo com os recursos da Companhia.

Em 1644, Nassau apresentou seu relatório de prestação de contas à assembléia dos Estados Gerais, em Haia, sobre a situação da colônia. O tom era de pessimismo. Chamou atenção para as dívidas dos senhores de engenho locais, que corriam o risco de irem à falência caso a Companhia cobrasse as dívidas que tinham contra si sem moderação. Sugeriu redução da carga fiscal, que foi aprovada. Ao fim, sua gestão foi aprovada pelos Estados Gerais.

Como seu tempo à frente da colônia foi bastante atribulado, Nassau se desligou da Companhia e se reintegrou ao exército holandês. Naquele mesmo ano, 1645, os portugueses tiveram sua primeira vitória contra os holandeses, na batalha do Monte das Tabocas, o início da reversão da presença holandesa no Brasil.

Em 1647, recebeu novo convite para reassumir o posto no Brasil, mas recusou dessa vez.

Após firmarem um tratado de paz, Portugal chegou a convidar Nassau para assumir o comando do exército português. Mas recusou também essa oferta.

Não se sabe se ele aceitou o suborno de 400 mil florins para ajudar Portugal a aparar as arestas com a Companhia das Índias...

Em 1647, o historiador e editor Barleus fez publicar o livro “História dos feitos praticados durante oito anos no Brasil e outras partes por Maurício de Nassau”, em latim. Foi traduzido para o alemão em 1659.

Um dos seus admiradores, o Grande Eleitor, convidou Nassau para ser Stadhouder do ducado de Clève. Nesse período deve ter sido informado sobre a vitória portuguesa em Guararapes.

Seu período à frente de Pernambuco seria retratada em outra obra literária: Historia Naturalis Brasiliae, do médico Wilhelm Piso. Era ainda uma das grandes obras sobre o período mais de 200 anos após sua publicação, em 1648.

Em 1649, ocorreu a segunda batalha de Guararapes, quando os holandeses terminaram cercados em Recife.

Em 1657, Nassau esteve em missão em diversos países europeus, como Reichfuerst, ou príncipe do Império. Laborou em diversos acordos e tratados de paz.      

Em 1661, foi firmada a paz definitiva entre Portugal e a Holanda: este finalmente reconhecia dos direitos daquele sobre o nordeste brasileiro e Angola.

Em 1667, aos 63 anos, Nassau assume o cargo de marechal de campo dos Países Baixos.

Em 1672, chega ao fim o brilho daquela briosa pequena nação. As Províncias Unidas foram invadidas simultaneamente pela Inglaterra e pela França. Somente não foi submetida totalmente porque uma série de inundações provocadas (abertura completa de todos os diques) puseram o país inteiro embaixo d`àgua. Só restaram três províncias não inundadas.

O Tratado de Utrecht, de 1713, deixaria patente o fim daquela potência européia.

Foi também o fim da intensa carreira do príncipe. Cansado, sofrendo de pedras nos rins, pediu licença das armas. Em 1676, solicitou baixa.

Um ano antes de morrer, novamente em grave situação financeira, escreveu a Luís XIV, oferecendo-lhe uma coleção particular de 34 quadros de Franz Post e oito de Eckhout. Essa coleção foi exibida no palácio do Louvre, em 1679, com o nome de Brasiliana.  

Nassau morreu em dezembro de 1679, aos 75 anos, em sua casa de campo, próxima a Clève, sem ter tido nem mesmo tempo para negociar mais essa venda. Nassau dormia numa rede nordestina de linho bordado. Dizia que aliviava suas dores nos rins.

Após sua morte, também foi dado início à fabricação de uma série de tapeçarias com os desenhos que trouxe do outro lado do Atlântico.      

Seus restos mortais estão no panteão da família, em Siegen, sua cidade natal. Sua Mauritzhuis foi arrendada pelo governo, para recepção de convidados ilustres. Morreu sem filhos. Também nunca se casou.

Os holandeses que saíram de Pernambuco foram para o norte e fundaram a cidade de Nova Amsterdam, hoje Nova York. Também foram os holandeses que batizaram a capital das Bahamas de Nassau.

Última curiosidade: durante a administração de Nassau a cervejaria começou a ser produzida no Brasil, pela primeira vez. Em 1640, a Companhia cedeu por seis anos um casarão nos arredores de Recife ao cervejeiro holandês Dick Dix. A fábrica se localizava na casa onde residiu Nassau, a La Fontaine. Seria hoje no bairro da Capunga.
      

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Histórias Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil”     

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