Príncipe de vida vivida avidamente, surpreendente e
admirável, atlético, mas de saúde frágil, com suas contradições e atitudes
inesperadas, D. Pedro I merece sempre algumas linhas, mesmo que descuidadas.
Sua despedida do solo brasileiro foi no porto do Rio de
Janeiro, quando partia para a Europa. Instalado a bordo, tomou uma viola e
tocou um miudinho, despreocupadamente, apesar de ter ideia dos graves desafios
que o aguardavam em Portugal.
D. Pedro trazia em si muito dos contrastes que acompanharam
nossa história como país independente. Apesar de administrar o Brasil como se
fosse um síndico, deixara uma Constituição que perduraria por mais de 60 anos.
Era arrogante, despótico e nada democrático, mas era dado a passeios em meio ao
povo e era contra a escravidão. É sua a frase: “Eu sei que o meu sangue é da
mesma cor que o dos negros.”
Foi ele, imoral e corrompido, quem se opôs às medidas de
Portugal para fazerem o país regredir à condição de colônia, após ter sido
erguido a Reino Unido. Foi marido nada apaixonado ou carinhoso com D. Leopoldina,
mas fez dela regente provisória quando foi a São Paulo. Leopoldina foi a
primeira mulher a dirigir o Brasil.
Por fim, um dos maiores trunfos nacionais, que perpassa sua
condição de país-baleia, um dos mais extensos do planeta, é conquista que se
deve creditar a nosso primeiro imperador.
Em Portugal, redimiu-se. De um garoto desaforado e imaturo,
passou a homem respeitado e admirado. Um herói nacional, também lá.
D. Pedro desembarcou na Europa em 1831, no porto de
Cherburgo. Recebido pelas autoridades francesas, foi instalado num palácio, com
sua comitiva.
Sua viagem tinha um motivo que tomou proporções trágicas. D.
Miguel, irmão de D. Pedro, roubara o trono português, que deveria ser herdado
por D. Maria II, filha de D. Pedro. Esse episódio passou à história como “questão
portuguesa”. As autoridades inglesas e francesas apoiavam a causa de D. Pedro.
Mas era um episódio bastante delicado.
A história de fundo foi mais ou menos essa. D. João VI
faleceu em 1826, com 59 anos apenas. Inicialmente, os rumores falavam de
envenenamento por iniciativa britânica, mas isso nunca foi comprovado. A
herdeira do trono era D. Maria da Glória, ainda criança. D. Miguel, irmão de D.
Pedro I, deveria governar em nome da sobrinha, até sua maioridade.
Deve-se lembrar que D. Pedro, que era o filho mais velho de
D. João, perdeu a condição de herdeiro da coroa após aceitar ser imperador do
Brasil. Lembre-se conquanto, que D. Pedro abdicara do trono brasileiro em favor
do filho, antes mesmo de deixar o Brasil.
Contudo, Carlota Joaquina, espanhola que odiava os ingleses,
transformou essa sucessão numa balbúrdia. Clamava que a população de Portugal
preferia D. Miguel, o que era compreensível, sabendo-se que o clero, que
controlava as pessoas, apoiava D. Miguel.
A Áustria, por razões já históricas, apoiou o pleito de D.
Pedro. A Espanha apoiava D. Miguel, mas com ressalvas. A Inglaterra detestava a
Espanha, portanto também apoiava D. Pedro. A França também apoiava D. Pedro,
embora de maneira um tanto contida, com medo de despertar o ódio dos espanhóis.
D. Miguel foi coroado em 1828, mas esta aclamação foi
impugnada pelas potências da época. Seu reinado provava seu espírito pouquíssimo
democrático. Banira a Constituição do país.
D. Pedro planejava um empreendimento de fôlego: reunir uma frota
naval, invadir Portugal e tirar D. Miguel do trono, à força. Para tanto,
deveria conseguir os fundos necessários. E isso não era fácil. Passou algum
tempo em Londres, ficou hospedado em Windsor, foi recepcionado pela família
real e por Lorde Wellington... mas não conseguiu o dinheiro que desejava.
O dinheiro terminou saindo de terras francesas. Os planos
incluíam a nomeação do almirante inglês George Sartorius para comandar a
esquadra, que iria inicialmente à ilha Terceira.
Após oferecer à sua família e a amigos íntimos um jantar de
despedida, D. Pedro recebeu seu passaporte e, em 25 de janeiro, partiu em
expedição.
A missão a que D. Pedro se propunha parecia impossível.
D. Miguel também sabia do perigo que se aproximava. Tentou
então uma tática que parecia perfeita: acordar seu casamento com D. Maria da
Glória, e assim fechar a questão.
D. Pedro nunca concordaria com tal divagação.
Havia ainda outra questão de fundo. D. Maria da Glória era
brasileira (nasceu no Rio), era princesa crismada do Grão Pará. Por isso a
Assembléia Tradicional de Portugal, dominada pelos conservadores, que eram
miguelistas (e inimigos dos liberais, que apoiavam Pedro), decidiu após
consulta de D. Miguel que D. Maria não poderia herdar o trono.
O fato é que essa tal “questão portuguesa” já se arrastava
por mais de seis anos e a Europa já estava farta daquele “dramalhão”.
A “esquadra dos calhambeques”, como ficou conhecida a
esquadra de navios velhos comprados da Cia das Índias britânica zarpou levando
a bordo seus canhões. Os soldados eram portugueses, mas acompanhados de
centenas de mercenários franceses e ingleses. Os escritores Alexandre Herculano
e Almeida Garrett estavam entre eles.
A música da batalha foi composta por D. Pedro – Luís Atosinho
escreveu a letra.
D. Pedro levava 7.500 homens que enfrentariam um exército de
mais de 13 mil soldados. Optara por atacar o Porto, cidade liberal e, portanto,
mais receptiva.
Sua vitória em Porto abriu caminho para achegada a Lisboa. Contudo,
foi nessa cidade que deixou grande parte de sua vitalidade. Trabalhou
incansavelmente, noite e dia, mesmo no rigoroso inverno daquele ano. Visitava
as defesas e conversava com seus soldados. Quase não dormia.
Por seu lado. D. Miguel planejava uma tática mais
sorrateira. Iriam permitir a tomada do Porto, deixar que seus homens lá
chafurdassem, cercar a cidade e exterminá-los lá dentro, empreendendo um
verdadeiro massacre dos liberais.
Após uma renhida luta de mais de onze horas, totalizando 4
mil mortos de ambos os lados, os sitiantes desistiram. Os homens de D. Pedro
eram indomáveis.
Nesse meio tempo, todas as propostas para apaziguar o
conflito – casamento de D. Maria com o rei de Nápoles; passagem da Coroa e
afastamento de D. Miguel e de D. Pedro, que seria indenizado -, malogragram
diante do espírito intransigente de D. Pedro.
Pouco após, o exército miguelista empreendeu o bombardeio do
Porto. Somado à fome e às condições de abandono dos seus homens, as mortes
foram incontáveis.
Em 21 de junho, a esquadra de D. Pedro se apresentou diante
de Lisboa. Pretendiam intimidar os miguelistas. Em 5 de julho, deu-se início à
primeira batalha naval envolvendo as duas facções. Inacreditável, mas os
miguelistas perderam.
A derrota levou D. Miguel a tomar a iniciativa de negociar
um acordo de paz. Nenhuma das propostas de Miguel foi aceita.
Em 24 de julho, a esquadra de D. Pedro desembarcou em
Lisboa, saudada pela população.
D. Pedro venceu, mas sua saúde estava totalmente
comprometida. Desembarcou em Lisboa em 28 de julho.
A última derrota miguelista ocorreu no monte São Gens.
Uma das primeiras atitudes de D. Pedro foi visitar o túmulo
de seu pai, quando exclamou: “Um filho te assassinou, outro te vingará!”
A essa altura, D. Miguel ainda tinha o controle de parte do
território, o qual só desocuparia em meados de 1834.
Após a abdicação formal de D. Miguel, D. Pedro demonstrou
magnanimidade ao oferecer-lhe uma pensão anual, desde que deixasse Portugal em
15 dias. Miguel partiu para a Itália e nunca mais retornou.
D. Pedro foi cofirmado como regente, até a maioridade da
filha.
No entanto sua saúde definhava. Prevendo que não viveria
muito tempo mais, decidiu voltar a Queluz, onde escolheu o quarto onde nascera
para descansar pela última vez. Pedro nunca deixou de contar com a companhia de
sua esposa, D. Amélia.
Revelou seu carinho e agradecimento à cidade do Porto. Seu
coração ainda pode ser visto na igreja da Lapa, no centro daquela cidade.
Com isso, as Cortes adiantaram a maioridade de D. Maria II,
a primeira rainha brasileira de Portugal. Casou-se com o príncipe Augusto de
Beauharnais, austríaco. Após dois meses, Augusto faleceu. Casou-se
posteriormente com D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, com quem teve 12 filhos.
Morreu de parto, após governar Portugal por mais de vinte conturbados anos. Por
amar teatro, o mais belo teatro de Lisboa foi batizado de Teatro D. Maria II,
na praça do Rossio.
Em 24 de setembro de 1834, aos 36 anos, falecia D. Pedro I
do Brasil, IV em Portugal.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades
e episódios controversos da história do Brasil”
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