Almirante inglês, lorde Thomas Cochrane é lembrado como o
fundador de fato da Marinha brasileira. Foi o primeiro almirante da esquadra
brasileira pós-independência. Foi o principal personagem das guerras de “pacificação”,
nas províncias do norte e do nordeste do país, especialmente na Bahia, que
teimava em não reconhecer o império nascente e, assim, manter as velhas
relações com Portugal.
Cochrane tinha qualidades que se destacavam: marinheiro
competente e de espírito aventureiro, realizou feitos que, a um só tempo,
hipnotizavam a opinião pública inglesa e contrariavam profundamente os
comandantes navais.
Suas conquistas mais impressionantes foram suas notáveis
vitórias no âmbito das guerras napoleônicas. No comando de pequenos navios,
causou estragos nas marinhas francesa e espanhola.
No Brasil, Thomas Cochrane esteve a serviço de D. Pedro I,
com a missão de assegurar a nossa independência. Sua passagem pela Bahia deixou
recordações razoavelmente positivas: existem uma praça e uma rua batizadas em
sua homenagem. Em Pernambuco, seu nome se tornou de triste memória: Cochrane arruinou
o sonho de independência a cargo da revolução de 1824, conhecida como
Confederação do Equador. O Maranhão foi uma história à parte.
Durante quase todo o período imperial, coexistiram dois “brasis”.
Um deles englobava o nordeste, o sudeste e sul do país e se chamava mesmo
Brasil. O outro, bem mais rico durante a maior parte desse período, reunia
principalmente Pará e Maranhão (mas se estendia até o Ceará) e se chamava
Grão-Pará e Maranhão. Portanto essas duas províncias nunca haviam feito parte
daquele império inaugurado por D. Pedro I. Pará e Maranhão sempre estiveram ligados
diretamente a Lisboa.
A resistência dessas do Maranhão foi renhida, se estendeu
pelos nove meses seguintes à declaração de independência e só ocorreu devido à atuação
de Cochrane naquela região.
A abadia de Westminster, em Londres, guarda o túmulo de
lorde Cochrane, que exibe uma plaqueta com o título que tanto o envaidecia:
Marquis of Maranham, recebido de D. Pedro I em 1823, como recompensa pelos seus
dedicados serviços.
Mas o período final de sua breve estadia foi marcado por um
comportamento assustadoramente criminoso: uma sequência quase interminável de
rapinas, que se seguiram a uma longa disputa jurídica contra o governo
brasileiro, que só terminou no final do século XIX. Os herdeiros de Cochrane
somente receberam integralmente o pagamento pelos serviços prestados por seu
pai cerca de 60 anos após o final daquelas missões. No ínterim, os autos “desapareceram”
três vezes, só sendo reconstituídos porque o lorde guardava cópia autenticada
do contrato firmado com as autoridades brasileiras.
Lorde Thomas Cochrane era o 10º Conde de Dundonald. Escocês
de Annsfield, chegou ao Brasil aos 48 anos. Aqui aportou para um período de
dois anos, de 1823 a 1825, já exibia o status de maior herói naval da Escócia.
Durante as inúmeras guerras contra a França de Napoleão,
recebeu dos franceses o apelido de “loup de mer”, ou lobo do mar. Famoso,
candidatou-se por duas vezes ao parlamento, tendo sido eleito na segunda vez.
Eleito, denunciou a corrupção na administração naval, o que lhe rendeu muitos
inimigos poderosos. A resposta veio na forma de acusações de fraudes ao
especular na Bolsa de Valores. Foi condenado em 1814 e esteve preso por dois
anos. Em consequência, perdeu seu título de nobreza e foi desligado da marinha
real.
Em 1818, Cochrane aceitou o convite do Chile para atuar em
suas guerras de independência. Ato contínuo, cumpriu missões equivalentes no
Peru. Obteve estrondoso sucesso, tendo afundado vários navios espanhóis.
Após ser informado dos feitos impressionantes do marujo
escocês nas águas do Pacífico, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, José
Bonifácio de Andrade e Silva, aconselhou D. Pedro a convidar o mercenário dos mares
em plena ascensão.
Contratado, assumiu o posto de comandante em chefe da
esquadra brasileira com a inédita patente de Primeiro Almirante, caso único até
hoje na Marinha do Brasil. Interessante comparar esse fato com a bem mais
modesta patente que Cochrane detinha no Chile: vice-almirante.
A primeira determinação de Cochrane foi preparar sua
tripulação. Como não confiava nos portugueses, deu preferência aos britânicos:
contratou 550 deles. Sua esquadra possuía uma nau capitânia, 3 fragatas, 2 corvetas,
4 brigues e 3 escunas, algumas em maus estado.
Com muito custo conseguiram chegar à Bahia. Lá chegaram a 28
de abril. No início das batalhas, uma surpresa inesperada: os marujos
portugueses trancaram os paóis e se recusaram lutar contra seus patrícios.
Somente uma intervenção enérgica do almirante pôs fim ao impasse.
Apesar da superioridade naval portuguesa, a coordenação com
os exércitos em terra pôde dar fim, após dois meses, aos conflitos na Bahia e
assim aquela província se juntou ao restante do império em 2 de julho de 1823.
As aventuras na Bahia foram seguidas pelos rebeldes no Maranhão.
Chegando ao porto de São Luís, o lorde ordenou seu bloqueio. Intimidou a cidade
com seus enormes canhões e, assim, foram obrigados a proclamar solenemente a
adesão ao império do Brasil. O medo foi sua única arma. Foi quase um
terrorista... Afinal, quase um ano após o memorável 7 de setembro, a Junta
Governativa da Província do Maranhão aceitou, sob a mira de canhões, que eram
brasileiros.
Esse episódio foi seguido por uma saque que permanecerá por
muito tempo ainda na memória coletiva maranhense. Sua primeira “visita” ao
Maranhão custou à empobrecida Província: vários navios particulares de portugueses,
o saldo da coroa na Caixa ilitar, rendas da Alfândega e muito mais. Também todo
o Arsenal de Marinha e todas as embarcações do governo de Portugal no Maranhão.
Também ordenou o desarmamento total da população, tendo sido os mais
desobedientes, presos.
O período final da batalha maranhense ocorreu simultaneamente
às batalhas no Pará. Neste caso, seu imediato, John Grenfell, lideraria a mesma
tática bem sucedida no Maranhão. Uma Junta Governativa federal tomou a tarefa
de governar a província.
Mas ainda havia indignados. Alguns portugueses tentaram
assassinar Grenfell, que respondeu desembarcando tropas britânicas para conter
os mais exaltados.
Em 9 de novembro, Cochrane levantou âncora e zarpou de volta
ao Rio de Janeiro. Após seis meses de operações, as esquadras portuguesas
deixaram a costa brasileira e o norte e o nordeste estavam integrados à nascente
nação. Cochrane trazia consigo 78 navios apreendidos e mercadorias no valor de
250 mil libras esterlinas. Foi recepcionado pela Assembléia Constituinte e por
D. Pedro I em 25 de setembro de 1823. Nessa ocasião foi agraciado com o título
de marquês do Maranhão e foi condecorado com a grã-cruz da Ordem do Cruzeiro do
Sul. Sentiu-se de tal forma lisonjeado que pediu em testamento fosse dado grande
destaque ao título de marquês do Maranhão em seu grandioso túmulo, na Abadia de
Westminster.
A missão mais complicada que enfrentou se deu em Pernambuco.
Em 1824, ocorreu a Confederação do Equador, tão afamada quanto efêmera. Seu
objetivo era a independência do nordeste: sua área de atuação ia de Alagoas ao
Ceará. Seu estopim foi a dissolução da Assembleia Constituinte.
Para combatê-la, formou-se nova expedição, que zarpou do Rio
em agosto de 1824. Essa esquadra era bem superior à anterior, tanto em termos
de equipamentos quanto na qualidade dos marujos.
Iniciaram o ataque seguindo a tática anterior: bloquearam o
porto do Recife, mas não obtiveram qualquer resultado. Lorde Cochrane então
ordenou um leve bombardeio à cidade. Foi o suficiente para dissuadir os rebelados.
Estes enviaram um emissário para tentar subornar Cochrane, mas o almirante não
aceitou a oferta.
Após ser informado do sucesso do seu “loup de mer”, D. Pedro
ordenou seu regresso à Capital. Mas o lorde era desobediente. Preferiu seguir
para o Maranhão, pois fora informado sobre um foco de insurgência que lá
despontava.
O almirante foi igualmente duro: assumiu o governo,
confiscou armamentos, mandou suspender os pagamentos aos grupos de rebeldes,
até que se apurassem as responsabilidades. Os 12 mil habitantes de São Luís não
tinham como resistir. A marcha era irrefreável.
Nesses dias, o lorde se achava às turras com o governo
imperial. Ele e seus contratadores davam interpretações diversas às clausulas
que tratavam dos pagamentos devidos pelos serviços prestados. Cochrane
receberia um valor proporcional ao das presas (capturas navais) que fizesse.
Contudo, a versão em português falava de presas feita no âmbito de “revoltas”,
enquanto a versão em inglês falava de “wars” (guerras). No caso de guerra, a
porcentagem devida era superior àquele das revoltas.
Daí, o fato de Cochrane interpretar que enfrentou guerras,
enquanto o governo imperial insistia que se tratavam de simples revoltas.
Como represália por essas arestas, Cochrane deu início a
dias bastante negros na capital maranhense. Após pacificar a província,
Cochrane exigiu do governo local ¼ do valor das presas que fizera da vez
anterior. Avaliava o valor total em 425 mil libras. Portanto deveriam ser pagos
ao escocês 106 mil libras. Por sua vez, o Tribunal de Presas do Rio de Janeiro,
que dispunha sobre esses casos conflituosos, era composto por portugueses em
sua maioria, que entendiam que as presas de portugueses deveriam ser
restituídas a seus donos.
O valor era astronômico, não foi pago e isso seu início a um
motim pelos marinheiros ingleses. Sua deserção punha em risco a própria
existência de recentemente parida marinha brasileira.
Por fim, o ministro da Marinha entrou em contato com o lorde
e lhe propôs um acordo: o acordo de 1823 seria honrado, Cochrane receberia o
valor proporcional às presas conforme entendimento do Tribunal, e seria pago um
soldo adicional de 40 mil contos à tripulação.
Recebido o dinheiro, Cochrane entregou o comando da nau
Predo I a David Jewett, embarcou na fragata Piranga (que nunca devolveria) e
zarpou à casa, levando consigo seu suado botim.
A chegada da Piranga em Portsmouth representou a primeira
ocasião em que a bandeira imperial seria saudada em algum porto estrangeiro –
ainda que sob o comando de um escocês que acabara de saquear a nação da tal
bandeira.
Cochrane teve recepção de herói nacional, sendo saudado em
teatros londrinos. De lá, retornou à sua Escócia natal, embora sob risco de ser
preso, pois o governo brasileiro o processou exigindo indenizações pelas presas
em ainda sob disputa. Foi demitido formalmente da Marinha brasileira em 10 de
abril de 1827.
Em 1830, lorde Cochrane foi reabilitado pelo governo
britânico. Recebeu de volta seu título de nobreza, foi reintegrado à Marinha
Real como contra-almirante. É considerado um dos dez maiores comandantes navais
britânicos e todos os tempos.
Faleceu em 31 de outubro de 1860, aos 85 anos de idade, e
Londres, durante uma operação de extração de cálculos renais.
Sua sepultura na Abadia é a primeira à frente do altar
principal, no centro da nave. O Arquivo Cochrane se encontra no Scottish Record
Service, em Edimburgo. Toda aquela documentação foi microfilmada e pode ser
consultada no Museu Naval, do Rio.
O ramo da família Cochrane no Rio foi inaugurado pelo
primo-irmão do almirante, dr. Thomas Cochrane que morou na cidade e foi
proprietário da histórica Chácara da Tijuca, que adquirira em 1855. Foi um dos
introdutores da homeopatia no Brasil. Também fundou um hospital para os
escravos.
Hoje, no bairro da Tijuca, se encontra a rua Almirante
Cochrane. Também a notável serra da Tijuca tem uma parte de seu maciço batizado
com o nome do velho lobo.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades
e episódios controversos da história do Brasil”
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