Diz-se que no Paraguai o bicho-papão tem nome francês e nacionalidade
brasileira: Conde D`Eu. À primeira ameaça de ter que dar com o maldito conde, a
crianças morrem de medo. Poucos nomes são mais odiados do que esse no nosso país
“vecino”.
Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans nasceu em
Neuilly-sur-Seine, bairro aristocrático parisiense, em 1842. Neto do rei da
França deposto em 1848, teve de se exilar com a família na Inglaterra por vinte
anos, a mando de Napoleão III, inimigo declarado dos Orleans. Era culto e
falava diversas línguas. Cursou o “high school” em Edimburgo, Escócia, e
aprendeu artes militares no exército espanhol.
Por intermédio do príncipe de Joinville, foi escolhido para
desposar a herdeira do trono brasileiro. Um detalhe interessante: eram duas as
princesas brasileiras que faziam “ajustes” matrimoniais: Isabel e Leopoldina.
Portanto foram selecionados dois príncipes, primos-irmãos: Gusty de
Saxe-Coburgo e Gastão d`Orleans. O primeiro tinha 19 anos, o segundo 22.
Sua opinião sobre a princesa, que consta em carta pessoal a
sua irmã: “Ela nada tem de bonito no rosto, mas o conjunto é gracioso.”
Casaram-se em outubro de 1864, numa noite de torrencial
chuva de granizo.
Cônjuge de princesa e contando apenas 23 anos, Gastão foi
nomeado comandante geral da Artilharia e presidente da Comissão de Melhoramentos
do Exército.
Apesar de seu sua maior obrigação, somente deu um filho a
Isabel após 10 anos de casamento. Dúvidas surgiram quanto à sua fertilidade, ou
da princesa. Como seu primo-irmão, casado com a princesa Leopoldina, tinha um
filho a cada ano, aqueles sobrinhos representavam uma ameaça àquela que
desposara a legítima herdeira da Coroa brasileira.
Dentre as qualidades em geral apontadas no rapaz: estudioso,
modesto, dominava diversas línguas, não era dado a intrigas (algo raro na
família real brasileira), detestava bajulações (outra coisa rara), fidelíssimo,
excelente pai, paciente, discreto. Dentre os defeitos: embora bastante alto,
seu “narigão” tomava ares de protagonista, era desajeitado, deselegante, dançava
mal, seu temperamento era instável, parecia levemente surdo, avarento (bem, ele
era francês), apresentava propensão à depressão – o que, aliás, o acometeu no
final da campanha que liderou no Paraguai.
Gaston d`Orleans percebeu que seu momento de alcançar
destaque no seio da família imperial chegara quando se aproximava o desfecho da
Guerra do Paraguai. Duque de Caxias, comandante em chefe de três exércitos,
regressara ao Rio: sua missão estava no final e sua saúde, bastante
fragilizada.
No entanto, a pendência que ainda restava se mostraria a
mais inglória: caçar Solano López. Somente assim o desfecho seria digno. Gastão
tinha feito diversos pedidos a D. Pedro II para tomar parte no conflito, mas foram
todos recusados. Agora, o próprio imperador solicitava seu auxílio. E mais:
como substituto de Caxias!
Sua missão era, de fato, nefasta, embora exibisse uma
patente pomposa: sua esposa, Isabel, chamava-o de “capitão do mato”, coveiro e
outros nomes, para lembrá-lo que estava apenas no encalço de um inimigo já
derrotado.
Nomeado formalmente em março de 1869, deixou o antigo posto
de capitão do exército espanhol para ser general em chefe dos exércitos brasileiro,
argentino e uruguaio. Tinha 27 anos e, abaixo de si, havia uma constelação de
generais condecorados – como Osório. Conseguiu cultivar excelente
relacionamento com todos eles, inclusive com os dos demais países.
Interessante notar algumas de suas iniciativas, como a
exigência para que o Paraguai abolisse logo a escravatura em seu território...
Ordens vindas do representante de um dos últimos países do planeta a fazer o
mesmo.
Um dos hercúleos desafios que teve de enfrentar foi a crise por
que passou o exército no final da guerra do Paraguai. Com a falta de pagamento
aos fornecedores, os soldados passaram períodos duríssimos de fome. O príncipe
demonstrou a frieza necessária para lidar com tais problemas.
Uma das passagens mais cruéis denunciadas contra o Conde,
foi o trágico incêndio num hospital repleto de feridos, na batalha de
Peribebuy. Acusa-se D`Eu de ordenar o incêndio criminoso, além de ter queimado
vivos os poucos sobreviventes do incêndio. Também é acusado de mandar degolar
um general inimigo.
Mas há historiadores que questionam esses fatos e defendem o
Conde, contando que este avisara o general paraguaio Caballero que bombardearia
a vila, portanto deveria retirar mulheres e crianças do local. Somente ordenou
que degolassem Caballero quando soube que ele matara o general Mena Barreto.
As condições desumanas dos campos de batalha deram início a
um quadro de depressão, que o acometeu nos últimos dias de campanha.
Retornou à casa em 29 de abril de 1870, tendo sido recebido
com honras de herói.
O ambiente árido do Paraguai parece ter-lhe feito algum bem.
Finalmente, em outubro de 1875, nasceu o primeiro filho do casal: D. Pedro de
Alcântara. Uma menina também foi gerada um ano depois, mas faleceu por
complicações no parto. Em 1878 nasceu D. Luís e, em 1881, D. Antônio, o terceiro
filho.
O doutor Ramiz Galvão, diretor da Biblioteca Nacional, foi
escolhido para educar os meninos. Exigiu apenas que fosse uma educação simples
e sem preconceitos, como aquela que recebera. É famosa passagem em que ele
oferece Isabel para dançar com André Rebouças, num baile, após o notável negro
ter sido rejeitado por uma série de mulheres.
Gaston d`Orleans é apontado por alguns como responsável
indireto pela proclamação da República. Ele era detestado por muitos, era
francês e parecia claro que influenciaria sobremaneira sua esposa logo que ela
assumisse um trono. Evidentemente as pessoas repudiavam a ideia de serem
governadas por um francês – especialmente aquele antipático!
Muito dos motivos que faziam Gaston ser tão odiado era devido
à imprensa. O próprio escreveu a seu pai, em claro desabafo: “Estou cansado de
ser usado aqui como bode expiatório pela imprensa, ostensivamente
responsabilizado por tudo, sem na realidade ter voz nem influência.”
O casal de príncipes viva uma vida relativamente simples:
seus filhos frequentaram a escola do padre Moreira, em Petrópolis, antes de
estudarem no colégio Pedro II. Mas isso parecia trazer ainda mais antipatia
contra si.
Durante uma das crises do segundo império, conhecida como “questão
religiosa”, o príncipe francês foi acusado de anistiar alguns bispos, já condenados.
Ele realmente parecia ser o culpado por tudo de ruim que ocorresse acusações em
geral iniciadas nos jornais.
Deve-se atentar para o fato de D. Pedro II simplesmente
ignorar o peso cada vez maior do exército na vida política. Recusava-se a
tratá-lo de maneira diversa daquela como tratava a todas.
No estertor de seu longo reinado, D. Pedro realizou uma lona
jornada ao exterior. Durou mais de um ano e meio. Nesse período, a regência
esteve o tempo todo com Isabel. Uma das medidas da jovem princesa foi assinar a
Lei Áurea: estav terminada a escravidão no Brasil, aquela detestável instituição
que tanto envergonhava seu pai quando representava o Brasil no exterior. Mas o
retorno do imperador terminou sendo mais um trauma para Gaston.
Embora o cedro estivesse com a filha, D. Pedro buscou
informar-se sobre os acontecimentos políticos com seu gabinete. Isso irritou
sobremaneira o príncipe. Em outra missiva a seu pai, reclamava dizendo que nem
ele nem sua esposa eram levados em conta, nem pelos políticos nem pelo
imperador.
D. Pedro II já havia sido aconselhado por seu conselheiro
liberal Saraiva de que deveria se ocupar imediatamente de preparar sua
transição: deveria preparar seu sucessor na Coroa. Mas D. Pedro parecia ignorar
essa realidade. Aliás, parecia antever para breve o final do império. E mais:
parecia completamente desinteressado quanto a isso.
Surgida a oportunidade, a cúpula militar, já dada a
golpismos, demonstrou todo seu descontentamento derrubando o velho imperador.
Sem consultar o resto do país, meia dúzia de autoridades instaladas no Rio de
Janeiro pôs fim ao império tupiniquim. O episódio foi de tal ordem risível, que
a proclamação da República terminou com um “Viva a sua Majestade Imperial D.
Pedro II”. A vítima fora saudada... Não tinha como negar: aquele monarca-cidadão
continuava querido e admirado... Por todos!
Não são poucos os que defendem que se o imperador tivesse
descido a Serra com aqueles que lhe eram leais, teria revertido aquela
encenação patética. Mas eles também concordam que D. Pedro estava cansado,
muito cansado de tudo aquilo.
Perdido o trono e majestade, D. Pedro e família partiram
para a Europa. Mas não era tarde o bastante para uma última decepção. Todos a
bordo, inesperadamente adentrou a embarcação um emissário do novo governo
brasileiro. Vinha oferecer ao imperador e à sua família uma espécie de indenização,
uma quantia bastante expressiva para que pudessem fazer frente às primeiras despesas
na Europa. Mas D. Pedro era brioso, orgulhoso e estava bastante decepcionado.
Recusou imediatamente qualquer ajuda oferecida por aqueles governo. No entanto
Conde D`Eu se rebelou. Disse que tinha três filhos adolescentes e que aquela
quantia poderia auxiliá-lo efetivamente. D. Pedro insistiu em sua tese e se
mostrou inarredável. A discussão ainda durou algum tempo após a partida.
Interessante notar a confusão gerada por um golpe tão mal
elaborado. A República foi inaugurada com um Conselho de Estado, do qual faziam
parte como membros extranumerários a princesa Isabel e o príncipe Gaston.
A chegada à Europa ocorreu na Normandia, no castelo D`Eu.
Como Gaston havia se naturalizado brasileiro, perdeu o direito aos títulos
nobiliárquicos derivados de sua descendência familiar. Sua relação com a
família real francesa estava extinta e essa situação era inapelável.
Após a morte do ex-imperador, Gaston e Isabel visitaram
diversos países, por 110 dias. Ao fim da longa jornada, Gaston publicou um
livro.
Seus filhos frequentaram os melhores colégios da Europa e,
após a maioridade, foram agraciados com a possibilidade de poderem desposar
outros nobres, apesar da renúncia paterna.
Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa revogou o decreto que
bania a família imperial do país. Os despojos do imperador (e de seu pai) foram
transportados de volta ao Brasil a bordo do couraçado São Paulo.
Isabel e Gaston retornaram logo após. Conde D`Eu era decano e
presidente honorário do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – e lá
foi recebido em sessão solene, em 1921. Isabel estava doente e ogo depois pediu
para que retornassem à Europa. Ela faleceu aos 75 anos, em novembro de 1921.
Gaston morreu a bordo do navio Massilia, quando navegava
para o Brasil para festejar o centenário da independência , em 1922, aos 80
anos.
Todos eles estão sepultados na catedral de Petrópolis.
Quanto a seus descendentes, D. Luís morreu na I Guerra
Mundial, em 1918, quando atuava como capitão do Exército inglês. Foi
condecorado com a British War Medal. D. Antônio era piloto de combate da
Aeronáutica francesa. Morreu quando seu avião caiu perto de Edmonton. Também
foi condecorado e morreu em 1920.
O herdeiro imperial D. Pedro de Alcântara de Orleans e
Bragança morreu em 1940, aos 65 anos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades
e episódios controversos da história do Brasil”
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