Pesquisar as postagens

quinta-feira, 8 de junho de 2017

CONDE D`EU – O PRÍNCIPE FRANCÊS INJUSTIÇADO E NÃO RECONHECIDO




Diz-se que no Paraguai o bicho-papão tem nome francês e nacionalidade brasileira: Conde D`Eu. À primeira ameaça de ter que dar com o maldito conde, a crianças morrem de medo. Poucos nomes são mais odiados do que esse no nosso país “vecino”.

Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans nasceu em Neuilly-sur-Seine, bairro aristocrático parisiense, em 1842. Neto do rei da França deposto em 1848, teve de se exilar com a família na Inglaterra por vinte anos, a mando de Napoleão III, inimigo declarado dos Orleans. Era culto e falava diversas línguas. Cursou o “high school” em Edimburgo, Escócia, e aprendeu artes militares no exército espanhol.

Por intermédio do príncipe de Joinville, foi escolhido para desposar a herdeira do trono brasileiro. Um detalhe interessante: eram duas as princesas brasileiras que faziam “ajustes” matrimoniais: Isabel e Leopoldina. Portanto foram selecionados dois príncipes, primos-irmãos: Gusty de Saxe-Coburgo e Gastão d`Orleans. O primeiro tinha 19 anos, o segundo 22.

Sua opinião sobre a princesa, que consta em carta pessoal a sua irmã: “Ela nada tem de bonito no rosto, mas o conjunto é gracioso.”

Casaram-se em outubro de 1864, numa noite de torrencial chuva de granizo.

Cônjuge de princesa e contando apenas 23 anos, Gastão foi nomeado comandante geral da Artilharia e presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército.  

Apesar de seu sua maior obrigação, somente deu um filho a Isabel após 10 anos de casamento. Dúvidas surgiram quanto à sua fertilidade, ou da princesa. Como seu primo-irmão, casado com a princesa Leopoldina, tinha um filho a cada ano, aqueles sobrinhos representavam uma ameaça àquela que desposara a legítima herdeira da Coroa brasileira.

Dentre as qualidades em geral apontadas no rapaz: estudioso, modesto, dominava diversas línguas, não era dado a intrigas (algo raro na família real brasileira), detestava bajulações (outra coisa rara), fidelíssimo, excelente pai, paciente, discreto. Dentre os defeitos: embora bastante alto, seu “narigão” tomava ares de protagonista, era desajeitado, deselegante, dançava mal, seu temperamento era instável, parecia levemente surdo, avarento (bem, ele era francês), apresentava propensão à depressão – o que, aliás, o acometeu no final da campanha que liderou no Paraguai.

Gaston d`Orleans percebeu que seu momento de alcançar destaque no seio da família imperial chegara quando se aproximava o desfecho da Guerra do Paraguai. Duque de Caxias, comandante em chefe de três exércitos, regressara ao Rio: sua missão estava no final e sua saúde, bastante fragilizada.
No entanto, a pendência que ainda restava se mostraria a mais inglória: caçar Solano López. Somente assim o desfecho seria digno. Gastão tinha feito diversos pedidos a D. Pedro II para tomar parte no conflito, mas foram todos recusados. Agora, o próprio imperador solicitava seu auxílio. E mais: como substituto de Caxias!  

Sua missão era, de fato, nefasta, embora exibisse uma patente pomposa: sua esposa, Isabel, chamava-o de “capitão do mato”, coveiro e outros nomes, para lembrá-lo que estava apenas no encalço de um inimigo já derrotado.

Nomeado formalmente em março de 1869, deixou o antigo posto de capitão do exército espanhol para ser general em chefe dos exércitos brasileiro, argentino e uruguaio. Tinha 27 anos e, abaixo de si, havia uma constelação de generais condecorados – como Osório. Conseguiu cultivar excelente relacionamento com todos eles, inclusive com os dos demais países.

Interessante notar algumas de suas iniciativas, como a exigência para que o Paraguai abolisse logo a escravatura em seu território... Ordens vindas do representante de um dos últimos países do planeta a fazer o mesmo.

Um dos hercúleos desafios que teve de enfrentar foi a crise por que passou o exército no final da guerra do Paraguai. Com a falta de pagamento aos fornecedores, os soldados passaram períodos duríssimos de fome. O príncipe demonstrou a frieza necessária para lidar com tais problemas.

Uma das passagens mais cruéis denunciadas contra o Conde, foi o trágico incêndio num hospital repleto de feridos, na batalha de Peribebuy. Acusa-se D`Eu de ordenar o incêndio criminoso, além de ter queimado vivos os poucos sobreviventes do incêndio. Também é acusado de mandar degolar um general inimigo.
Mas há historiadores que questionam esses fatos e defendem o Conde, contando que este avisara o general paraguaio Caballero que bombardearia a vila, portanto deveria retirar mulheres e crianças do local. Somente ordenou que degolassem Caballero quando soube que ele matara o general Mena Barreto.

As condições desumanas dos campos de batalha deram início a um quadro de depressão, que o acometeu nos últimos dias de campanha.

Retornou à casa em 29 de abril de 1870, tendo sido recebido com honras de herói.

O ambiente árido do Paraguai parece ter-lhe feito algum bem. Finalmente, em outubro de 1875, nasceu o primeiro filho do casal: D. Pedro de Alcântara. Uma menina também foi gerada um ano depois, mas faleceu por complicações no parto. Em 1878 nasceu D. Luís e, em 1881, D. Antônio, o terceiro filho.

O doutor Ramiz Galvão, diretor da Biblioteca Nacional, foi escolhido para educar os meninos. Exigiu apenas que fosse uma educação simples e sem preconceitos, como aquela que recebera. É famosa passagem em que ele oferece Isabel para dançar com André Rebouças, num baile, após o notável negro ter sido rejeitado por uma série de mulheres.

Gaston d`Orleans é apontado por alguns como responsável indireto pela proclamação da República. Ele era detestado por muitos, era francês e parecia claro que influenciaria sobremaneira sua esposa logo que ela assumisse um trono. Evidentemente as pessoas repudiavam a ideia de serem governadas por um francês – especialmente aquele antipático!

Muito dos motivos que faziam Gaston ser tão odiado era devido à imprensa. O próprio escreveu a seu pai, em claro desabafo: “Estou cansado de ser usado aqui como bode expiatório pela imprensa, ostensivamente responsabilizado por tudo, sem na realidade ter voz nem influência.”

O casal de príncipes viva uma vida relativamente simples: seus filhos frequentaram a escola do padre Moreira, em Petrópolis, antes de estudarem no colégio Pedro II. Mas isso parecia trazer ainda mais antipatia contra si.

Durante uma das crises do segundo império, conhecida como “questão religiosa”, o príncipe francês foi acusado de anistiar alguns bispos, já condenados. Ele realmente parecia ser o culpado por tudo de ruim que ocorresse acusações em geral iniciadas nos jornais.

Deve-se atentar para o fato de D. Pedro II simplesmente ignorar o peso cada vez maior do exército na vida política. Recusava-se a tratá-lo de maneira diversa daquela como tratava a todas.

No estertor de seu longo reinado, D. Pedro realizou uma lona jornada ao exterior. Durou mais de um ano e meio. Nesse período, a regência esteve o tempo todo com Isabel. Uma das medidas da jovem princesa foi assinar a Lei Áurea: estav terminada a escravidão no Brasil, aquela detestável instituição que tanto envergonhava seu pai quando representava o Brasil no exterior. Mas o retorno do imperador terminou sendo mais um trauma para Gaston.

Embora o cedro estivesse com a filha, D. Pedro buscou informar-se sobre os acontecimentos políticos com seu gabinete. Isso irritou sobremaneira o príncipe. Em outra missiva a seu pai, reclamava dizendo que nem ele nem sua esposa eram levados em conta, nem pelos políticos nem pelo imperador.

D. Pedro II já havia sido aconselhado por seu conselheiro liberal Saraiva de que deveria se ocupar imediatamente de preparar sua transição: deveria preparar seu sucessor na Coroa. Mas D. Pedro parecia ignorar essa realidade. Aliás, parecia antever para breve o final do império. E mais: parecia completamente desinteressado quanto a isso.

Surgida a oportunidade, a cúpula militar, já dada a golpismos, demonstrou todo seu descontentamento derrubando o velho imperador. Sem consultar o resto do país, meia dúzia de autoridades instaladas no Rio de Janeiro pôs fim ao império tupiniquim. O episódio foi de tal ordem risível, que a proclamação da República terminou com um “Viva a sua Majestade Imperial D. Pedro II”. A vítima fora saudada... Não tinha como negar: aquele monarca-cidadão continuava querido e admirado... Por todos!

Não são poucos os que defendem que se o imperador tivesse descido a Serra com aqueles que lhe eram leais, teria revertido aquela encenação patética. Mas eles também concordam que D. Pedro estava cansado, muito cansado de tudo aquilo.

Perdido o trono e majestade, D. Pedro e família partiram para a Europa. Mas não era tarde o bastante para uma última decepção. Todos a bordo, inesperadamente adentrou a embarcação um emissário do novo governo brasileiro. Vinha oferecer ao imperador e à sua família uma espécie de indenização, uma quantia bastante expressiva para que pudessem fazer frente às primeiras despesas na Europa. Mas D. Pedro era brioso, orgulhoso e estava bastante decepcionado. Recusou imediatamente qualquer ajuda oferecida por aqueles governo. No entanto Conde D`Eu se rebelou. Disse que tinha três filhos adolescentes e que aquela quantia poderia auxiliá-lo efetivamente. D. Pedro insistiu em sua tese e se mostrou inarredável. A discussão ainda durou algum tempo após a partida.

Interessante notar a confusão gerada por um golpe tão mal elaborado. A República foi inaugurada com um Conselho de Estado, do qual faziam parte como membros extranumerários a princesa Isabel e o príncipe Gaston.

A chegada à Europa ocorreu na Normandia, no castelo D`Eu. Como Gaston havia se naturalizado brasileiro, perdeu o direito aos títulos nobiliárquicos derivados de sua descendência familiar. Sua relação com a família real francesa estava extinta e essa situação era inapelável.

Após a morte do ex-imperador, Gaston e Isabel visitaram diversos países, por 110 dias. Ao fim da longa jornada, Gaston publicou um livro.

Seus filhos frequentaram os melhores colégios da Europa e, após a maioridade, foram agraciados com a possibilidade de poderem desposar outros nobres, apesar da renúncia paterna.

Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa revogou o decreto que bania a família imperial do país. Os despojos do imperador (e de seu pai) foram transportados de volta ao Brasil a bordo do couraçado São Paulo.
Isabel e Gaston retornaram logo após. Conde D`Eu era decano e presidente honorário do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – e lá foi recebido em sessão solene, em 1921. Isabel estava doente e ogo depois pediu para que retornassem à Europa. Ela faleceu aos 75 anos, em novembro de 1921.
Gaston morreu a bordo do navio Massilia, quando navegava para o Brasil para festejar o centenário da independência , em 1922, aos 80 anos.

Todos eles estão sepultados na catedral de Petrópolis.

Quanto a seus descendentes, D. Luís morreu na I Guerra Mundial, em 1918, quando atuava como capitão do Exército inglês. Foi condecorado com a British War Medal. D. Antônio era piloto de combate da Aeronáutica francesa. Morreu quando seu avião caiu perto de Edmonton. Também foi condecorado e morreu em 1920.

O herdeiro imperial D. Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança morreu em 1940, aos 65 anos.


Rubem L. de F. Auto
 
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil”

Nenhum comentário:

Postar um comentário