O MÁGICO DE OZ –
RACIONAIS MCs
Aquele moleque, que
sobrevive como manda o dia a dia
Tá na correria, como
vive a maioria
Preto desde nascença,
escuro de sol
Eu tô pra vê ali
igual, no futebol
Sair um dia das ruas
é a meta final
Viver decente, sem
ter na mente o mal
Personagem cotidiano: brasileiro, adolescente, pobre, preto,
bom de bola, vive nas ruas, pedinte... e lutando para não começar a cometer
crimes. Mas é difícil. Parece que tudo conspira para transformá-lo num
ladrãozinho, maloqueiro etc.
Tem o instinto que a
liberdade deu
Tem a malicia, que
cada esquina deu
Conhece puta,
traficante e ladrão
Toda raça, uma par de
alucinado e nunca embaçou
Confia neles mais do
que na polícia
Quem confia em
polícia? Eu não sou louco
E assim nosso personagem toma suas primeiras “aulas de viver”.
Suas companhias não são estimulantes, mas são quem ele conhece. E mais: essas
pessoas o protegem, o entendem, são capazes de oferecer algum carinho. Bem
diferente do restante da sociedade, que passa querendo matá-lo, violentá-lo ou
levá-lo preso
A noite chega e o
frio também
Sem demora, ai a
pedra
O consumo aumenta a
cada hora
Pra aquecer ou pra
esquecer
Viciar, deve ser pra
se adormecer
Pra sonha, viajar, na
paranoia, na escuridão
Um poço fundo de
lama, mais um irmão
Finalmente chega a noite: fome, frio, sujeira... nesse
ambiente ele vai ter de adormecer. Como? Só estiver totalmente drogado.
Não quer crescer, ser
fugitivo do passado
Envergonhar-se se aos
25 ter chegado
Queria que Deus
ouvisse a minha voz
E transformasse aqui
num Mundo Mágico de Oz
Se envelhecer, provavelmente viverá como um presidiário
contumaz. Se morrer, ao menos terá seguido a trajetória da maioria que
conheceu. Enfim, no momento só resta rezar e torcer para que alguém o ouça...
Queria que Deus
ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de
Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Um dia ele viu a
malandragem com o bolso cheio
Pagando a rodada,
risada e vagabunda no meio
A impressão que dá, é
que ninguém pode parar
Um carro importado,
som no talo
Homem na Estrada,
eles gostam
Só bagaceira só, o
dia inteiro só
Como ganha o
dinheiro?
Vendendo pedra e pó
Rolex, ouro no
pescoço à custa de alguém
Uma gostosa do lado,
pagando pau pra quem?
A polícia passou e
fez o seu papel
Dinheiro na mão,
corrupção a luz do céu
Que vida agitada,
hein? Gente pobre tem
Periferia tem. Você
conhece alguém?
Finalmente, o tráfico. Qual o modelo de sucesso, de pessoa
bem sucedida? Um traficante ou um bandido, com dinheiro para beber a noite
inteira, rodeados por interesseiros, cercados por mulheres, dirigindo carros (ouvindo
Racionais J)ou
motos... difícil tirar esse objetivo de sua vida: ser igual a eles.
Perigo? Há, mas ele vê como o suborno é capaz de minimizar
os riscos. E assim ele aprende a única coisa que o ensinam.
Moleque novo que não passa
dos 12
Já viu, viveu, mais
que muito homem de hoje
Vira a esquina e para
em frente a uma vitrine
Se vê, se imagina na
vida do crime
Dizem que quem quer
segue o caminho certo
Ele se espelha em
quem tá mais perto
Viver nas ruas significa viver o tempo todo olhando para
vitrines, produtos de consumo de aparência apelativa. Incrível, mas viver nas
ruas aproxima as pessoas do capitalismo...
Pelo reflexo do vidro
ele vê
Seu sonho no chão se
retorcer
Ninguém liga pro
moleque tendo um ataque
"Foda-se, quem
morrer dessa porra de crack."
Relacione os fatos
com seu sonho
Poderia ser eu no seu
lugar
Das duas uma, eu não
quero desandar
Por aqueles manos que
trouxeram essa porra pra cá
Matando os outros, em
troca de dinheiro e fama
Grana suja, como vem,
vai, não me engana
Queria que Deus
ouvisse a minha voz
E transformasse aqui
num Mundo Mágico de Oz
O garoto vê o amigo, viciado em crack, tendo uma overdose. O
que ocorre? Simples, menos um “bandidinho” no mundo. Dane-se!
Interessante que ele tem a consciência de que o consumo de
crack dá mais poder aos traficantes. E ele não quer isso. Sabe também que
aquilo mata muito facilmente, quem vende poderia ser acusado de homicídio...
Mas nada pode fazer, exceto rezar...
Queria que Deus
ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de
Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Ei mano, será que ele
terá uma chance?
Quem vive nessa
porra, merece uma revanche
É um dom que você tem
de viver
É um dom que você
recebe pra sobreviver
Boa pergunte: quem vive esse inferno na Terra a vida
inteira, merece uma vida melhor n`outro Plano! É uma questão de justiça.
História chata, mas
cê tá ligado
Que é bom lembrar:
quem entra, é um em cem pra voltar
Quer dinheiro pra
vender? Tem um monte aí
Tem dinheiro, quer
usar? Tem um monte aí
Tudo dentro de casa
vira fumaça, é foda
Será que Deus deve
estar aprovando minha raça?
Só desgraça gira em
torno daqui
Agora o ponto gira em torno do crack. Vicia muito
rapidamente, é difícil largar. Se quiser vender, as vagas estão abertas. Se
quiser comprar, a oferta é quase infinita.
Acabou o dinheiro? Venda o que é menos importante, isto é,
tudo!
Tanta à sua volta só pode ser maldição! Quem supera isso
merece um reconhecimento divino sim.
Falei do JB ao Piqueri,
Mazzei
Rezei para o moleque
que pediu
"Qualquer
trocado, qualquer moeda
Me ajuda tio..."
Pra mim não faz
falta, uma moeda não neguei
Não quero saber, o
que que pega se eu errei
Independente, a minha
parte eu fiz
Tirei um sorriso
ingênuo, fiquei um terço feliz
Mesmo sendo avisado de que o dinheiro da esmola pode virar
cola, é difícil negar uma ajuda a quem vive o inferno diariamente.
Se diz que moleque de
rua rouba
O governo, a polícia,
no Brasil quem não rouba?
Ele só não tem
diploma pra roubar
Ele não esconde atrás
de uma farda suja
É tudo uma questão de
reflexão irmão
É uma questão de
pensar
Sem mais... disse tudo. Se o exemplo educa, somos a nação dos
bandidos. A diferença é que alguns roubam para ter o que comer, outros roubam
para comprar apartamento em NY...
A polícia sempre dá o
mau exemplo
Lava a minha rua de
sangue, leva o ódio pra dentro
Pra dentro de cada
canto da cidade
Pra cima dos quatro
extremos da simplicidade
Embora muitos vejam apenas o órgão policial trabalhando e
executando suas funções, o excesso de violência traz o ensinamento de que a
violência é natural e de que derramar sangue faz parte da paisagem.
A minha liberdade foi
roubada
Minha dignidade
violentada
Que nada dos manos se
ligar
Parar de se matar
Amaldiçoar, levar pra
longe daqui essa porra
Não quero que um
filho meu um dia Deus me livre morra
Ou um parente meu
acabe com um tiro na boca
É preciso eu morrer
pra Deus ouvir minha voz
Ou transformar aqui
no Mundo Mágico de Oz?
Resumindo: eu só queria bater asas e voar embora desse lugar
amaldiçoado.
Queria que Deus
ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de
Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Jardim Filhos da
Terra e tal
Jardim Hebron, Jaçanã
e Jova Rural
Piqueri, Mazzei, Nova
Galvão
Jardim Corisco,
Fontális e então
Campo Limpo,
Guarulhos, Jardim Peri
JB, Edu Chaves e
Tucuruvi
Alô Doze, Mimosa, São
Rafael
Zaki Narchi, tem um
lugar no céu
Exemplos de nomes de bairros que sofrem do mesmo mal.
Às vezes eu fico
pensando
Se Deus existe mesmo,
morô?
Porque meu povo já
sofreu demais
E continua sofrendo
até hoje
Só que ai eu vejo os
moleque nos farol, na rua
Muito louco de cola,
de pedra
E eu penso que
poderia ser um filho meu, morô?
Mas aí, eu tenho fé
Eu tenho fé... em
Deus
Boa pergunta. Difícil crer, mas há quem consiga...
Rubem L. de F. Auto
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