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terça-feira, 27 de junho de 2017

MÁGICO DE OZ – UM DRAMA BRASILEIRO


O MÁGICO DE OZ – RACIONAIS MCs

Aquele moleque, que sobrevive como manda o dia a dia
Tá na correria, como vive a maioria
Preto desde nascença, escuro de sol
Eu tô pra vê ali igual, no futebol
Sair um dia das ruas é a meta final
Viver decente, sem ter na mente o mal

Personagem cotidiano: brasileiro, adolescente, pobre, preto, bom de bola, vive nas ruas, pedinte... e lutando para não começar a cometer crimes. Mas é difícil. Parece que tudo conspira para transformá-lo num ladrãozinho, maloqueiro etc.

Tem o instinto que a liberdade deu
Tem a malicia, que cada esquina deu
Conhece puta, traficante e ladrão
Toda raça, uma par de alucinado e nunca embaçou
Confia neles mais do que na polícia
Quem confia em polícia? Eu não sou louco

E assim nosso personagem toma suas primeiras “aulas de viver”. Suas companhias não são estimulantes, mas são quem ele conhece. E mais: essas pessoas o protegem, o entendem, são capazes de oferecer algum carinho. Bem diferente do restante da sociedade, que passa querendo matá-lo, violentá-lo ou levá-lo preso

A noite chega e o frio também
Sem demora, ai a pedra
O consumo aumenta a cada hora
Pra aquecer ou pra esquecer
Viciar, deve ser pra se adormecer
Pra sonha, viajar, na paranoia, na escuridão
Um poço fundo de lama, mais um irmão

Finalmente chega a noite: fome, frio, sujeira... nesse ambiente ele vai ter de adormecer. Como? Só estiver totalmente drogado.

Não quer crescer, ser fugitivo do passado
Envergonhar-se se aos 25 ter chegado
Queria que Deus ouvisse a minha voz
E transformasse aqui num Mundo Mágico de Oz

Se envelhecer, provavelmente viverá como um presidiário contumaz. Se morrer, ao menos terá seguido a trajetória da maioria que conheceu. Enfim, no momento só resta rezar e torcer para que alguém o ouça...

Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)

Um dia ele viu a malandragem com o bolso cheio
Pagando a rodada, risada e vagabunda no meio
A impressão que dá, é que ninguém pode parar
Um carro importado, som no talo
Homem na Estrada, eles gostam
Só bagaceira só, o dia inteiro só
Como ganha o dinheiro?
Vendendo pedra e pó
Rolex, ouro no pescoço à custa de alguém
Uma gostosa do lado, pagando pau pra quem?
A polícia passou e fez o seu papel
Dinheiro na mão, corrupção a luz do céu
Que vida agitada, hein? Gente pobre tem
Periferia tem. Você conhece alguém?

Finalmente, o tráfico. Qual o modelo de sucesso, de pessoa bem sucedida? Um traficante ou um bandido, com dinheiro para beber a noite inteira, rodeados por interesseiros, cercados por mulheres, dirigindo carros (ouvindo Racionais J)ou motos... difícil tirar esse objetivo de sua vida: ser igual a eles.
Perigo? Há, mas ele vê como o suborno é capaz de minimizar os riscos. E assim ele aprende a única coisa que o ensinam.

Moleque novo que não passa dos 12
Já viu, viveu, mais que muito homem de hoje
Vira a esquina e para em frente a uma vitrine
Se vê, se imagina na vida do crime
Dizem que quem quer segue o caminho certo
Ele se espelha em quem tá mais perto

Viver nas ruas significa viver o tempo todo olhando para vitrines, produtos de consumo de aparência apelativa. Incrível, mas viver nas ruas aproxima as pessoas do capitalismo...

Pelo reflexo do vidro ele vê
Seu sonho no chão se retorcer
Ninguém liga pro moleque tendo um ataque
"Foda-se, quem morrer dessa porra de crack."
Relacione os fatos com seu sonho
Poderia ser eu no seu lugar
Das duas uma, eu não quero desandar
Por aqueles manos que trouxeram essa porra pra cá
Matando os outros, em troca de dinheiro e fama
Grana suja, como vem, vai, não me engana
Queria que Deus ouvisse a minha voz
E transformasse aqui num Mundo Mágico de Oz

O garoto vê o amigo, viciado em crack, tendo uma overdose. O que ocorre? Simples, menos um “bandidinho” no mundo. Dane-se!
Interessante que ele tem a consciência de que o consumo de crack dá mais poder aos traficantes. E ele não quer isso. Sabe também que aquilo mata muito facilmente, quem vende poderia ser acusado de homicídio... Mas nada pode fazer, exceto rezar...

Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)

Ei mano, será que ele terá uma chance?
Quem vive nessa porra, merece uma revanche
É um dom que você tem de viver
É um dom que você recebe pra sobreviver

Boa pergunte: quem vive esse inferno na Terra a vida inteira, merece uma vida melhor n`outro Plano! É uma questão de justiça.

História chata, mas cê tá ligado
Que é bom lembrar: quem entra, é um em cem pra voltar
Quer dinheiro pra vender? Tem um monte aí
Tem dinheiro, quer usar? Tem um monte aí
Tudo dentro de casa vira fumaça, é foda
Será que Deus deve estar aprovando minha raça?
Só desgraça gira em torno daqui

Agora o ponto gira em torno do crack. Vicia muito rapidamente, é difícil largar. Se quiser vender, as vagas estão abertas. Se quiser comprar, a oferta é quase infinita.
Acabou o dinheiro? Venda o que é menos importante, isto é, tudo!
Tanta à sua volta só pode ser maldição! Quem supera isso merece um reconhecimento divino sim.

Falei do JB ao Piqueri, Mazzei
Rezei para o moleque que pediu
"Qualquer trocado, qualquer moeda
Me ajuda tio..."
Pra mim não faz falta, uma moeda não neguei
Não quero saber, o que que pega se eu errei
Independente, a minha parte eu fiz
Tirei um sorriso ingênuo, fiquei um terço feliz

Mesmo sendo avisado de que o dinheiro da esmola pode virar cola, é difícil negar uma ajuda a quem vive o inferno diariamente.

Se diz que moleque de rua rouba
O governo, a polícia, no Brasil quem não rouba?
Ele só não tem diploma pra roubar
Ele não esconde atrás de uma farda suja
É tudo uma questão de reflexão irmão
É uma questão de pensar

Sem mais... disse tudo. Se o exemplo educa, somos a nação dos bandidos. A diferença é que alguns roubam para ter o que comer, outros roubam para comprar apartamento em NY...

A polícia sempre dá o mau exemplo
Lava a minha rua de sangue, leva o ódio pra dentro
Pra dentro de cada canto da cidade
Pra cima dos quatro extremos da simplicidade

Embora muitos vejam apenas o órgão policial trabalhando e executando suas funções, o excesso de violência traz o ensinamento de que a violência é natural e de que derramar sangue faz parte da paisagem.

A minha liberdade foi roubada
Minha dignidade violentada
Que nada dos manos se ligar
Parar de se matar
Amaldiçoar, levar pra longe daqui essa porra
Não quero que um filho meu um dia Deus me livre morra
Ou um parente meu acabe com um tiro na boca
É preciso eu morrer pra Deus ouvir minha voz
Ou transformar aqui no Mundo Mágico de Oz?

Resumindo: eu só queria bater asas e voar embora desse lugar amaldiçoado.

Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)

Jardim Filhos da Terra e tal
Jardim Hebron, Jaçanã e Jova Rural
Piqueri, Mazzei, Nova Galvão
Jardim Corisco, Fontális e então
Campo Limpo, Guarulhos, Jardim Peri
JB, Edu Chaves e Tucuruvi
Alô Doze, Mimosa, São Rafael
Zaki Narchi, tem um lugar no céu

Exemplos de nomes de bairros que sofrem do mesmo mal.

Às vezes eu fico pensando
Se Deus existe mesmo, morô?
Porque meu povo já sofreu demais
E continua sofrendo até hoje
Só que ai eu vejo os moleque nos farol, na rua
Muito louco de cola, de pedra
E eu penso que poderia ser um filho meu, morô?
Mas aí, eu tenho fé
Eu tenho fé... em Deus

Boa pergunta. Difícil crer, mas há quem consiga...



Rubem L. de F. Auto

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