Napoleão Bonaparte foi cogitado como patrono da primeira
revolta pernambucana, visando à fundação de uma República brasileira, em 1801.
Embora soe como elucubração infundada, os fatos não nos eram
tão distantes. D. Maria Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I, era irmã de
Maria Luísa, segunda esposa de Napoleão. E D> Pedro era fascinado pelo
cunhado-imperador.
A conspiração dos Suassunas de 1801 foi uma revolta liberal
e democrática que tinha como princípio balizador o chamado Areópago de Itambé,
uma espécie de sociedade secreta política e maçônica. Foi fundada pelo
carmelita Manuel de Arruda Câmara e se baseava na tríade revolucionária francesa:
liberdade, igualdade e fraternidade.
Manuel estudara em Coimbra e em Montpellier e foi sócio da
Academia Real de Ciências de Portugal... Nada mal para um brasileiro.
Naqueles anos ocorreu a conhecida “Guerra das Laranjas”,
entre Portugal e Espanha. Esse conflito renderia a Portugal – e ao Brasil –
grande parte do Rio Grande do Sul. Para fazer frente às despesas decorrentes do
conflito, Portugal lançou títulos de empréstimo do Tesouro português na praça
do Recife. Isso indignou os liberais.
Esse foi o estopim para um movimento de natureza popular que
pretendia um República sob a proteção do velho “demolidor” de Impérios.
Os primeiros contatos com o imperador francês seriam feitos
por José Francisco, irmão do coronel Suassuna e residente em Lisboa. No entanto
seus movimentos foram percebidos e escapou por pouco de ser preso. Refugiou-se
em Londres.
Em razão da ingenuidade e dos parcos esforços de
organização, o movimento foi descoberto e seus líderes, presos. Entretanto, os
contatos e esforços realizados foram aproveitados num segundo momento, em 1817,
no âmbito de uma revolução muito mais bem planejada.
A revolução de 1817 se deu quando Napoleão já estava preso –
fato ocorrido em 1815. E mais, foi contemporânea da conspiração empreendida
pelos emigrados franceses nos Estados Unidos,que pretendiam “sequestrar”
Napoleão, levá-lo a Pernambuco e, de lá, para Nova Orleans.
Ocorrera o seguinte. Após cair nas garras dos britânicos, os
generais e coronéis bonapartistas se encontraram entre a cruz e a espada. Ou se
declaravam fiéis a Luís XVIII ou se contentavam a receber meio soldo. Numerosos
oficiais se decidiram por uma terceira via: expatriar-se nos EUA. Meses após a
queda do imperador corso já havia mais de mil oficiais franceses na terra dos yankees.
A conspiração dos oficiais franceses nos EUA era liderada
por ninguém menos que o irmão de Napoleão, José Bonaparte, que foi um efêmero rei
da Espanha, nomeado pelo irmão após invadir aquele país.
O prefeito de Nova Orleans era fanático por Napoleão e até
reservou-lhe uma bela residência, conhecida como Napoleon`s House.
Definidos os planos, iniciou-se a movimentação de militares
franceses em direção a Pernambuco, a fim de preparar o terreno: armamentos e
munições começaram a chegar à província.
Outro apoio à causa de 1817 foi dado pela maçonaria brasileira,
que se comunicou com a maçonaria norte-americana. Em Londres, a maçonaria conseguiu
que o jornal Times fizesse um editorial em apoio ao movimento. Alguns creem que
os ingleses anteviam um aumento das exportações para o Brasil.
Um dos mentores da Revolução de 1817 foi Antônio Gonçalves
da Cruz, o Cabugá, mulato herdeiro de família abastada, realizava em sua casa
reuniões entre os conspiradores. Caso o movimento fosse bem sucedido, Cabugá
seria nomeado embaixador brasileiro em Washington, responsável por angariar o
apoio necessário ao reconhecimento de Pernambuco como uma república
independente.
Ainda em 8 de maio de 1817, Cabugá deslocou-se à Filadélfia,
adquiriu armas e munições, fretou dois navios e os enviou a Pernambuco.
Mas a pretendida revolução foi rapidamente derrotada. Ainda
em agosto de 1817, o exército real e a esquadra portuguesa sufocaram os
revoltosos, bloqueando o porto do Recife. Os líderes fugiram, mas foram
capturados e fuzilados. O conflito todo durou meros 5 meses.
Cabugá, ainda nos EUA, soube com profunda tristeza da
derrota do seu sonho republicano. Permaneceu em Washington por puco tempo,
deslocando-se logo à Filadélfia, onde manteve contato com os franceses, ainda
elaborando seus planos de raptar seu velho general.
Cabugá logo aderiu ao império brasileiro, após a
independência. Embora pareça contraditório, ele ansiava mais pela libertação do
jugo português do que pela implantação de uma república. Sua adesão foi
comemorada com sua condecoração à Ordem do Cruzeiro. Também foi nomeado Cônsul
Geral do Império dos EUA.
Foi Cabugá quem pelejou pelo reconhecimento formal do
governo independente do Brasil. Cabugá faleceu na Bolívia, após ser nomeado charge
d`affaires e Cônsul Geral naquele país.
Era muito difícil aos EUA reconhecer a república nascente,
ainda não reconhecida por qualquer país. Mas era patente a simpatia do
presidente James Monroe pela independência das colônias espanhola e portuguesa.
Inclusive recebeu Cabugá, porém em caráter particular. Também prestou apoio
para a compra de armas em Baltimore.
Por fim, o Departamento de Estado decidiu nomear um
representante permanente dos EUA em Recife. OS emigrados franceses perceberam a
chance de ouro: tinham o auxílio de Cabugá nos EUA e do cônsul americano no
Recife.
Despachadas as embarcações de Baltimore em direção ao
Brasil, definiu-se a ilha de Fernando de Noronha como ponto de reunião. Lá se reuniriam
cerca de 80 oficiais franceses, 700 voluntários norte-americanos, além de outro
navio transportando mais 800 marinheiros.
O alvo era a ilha de Santa Helena, cativeiro de Napoleão.
Mas havia um segundo grupo, encarregado de raptar o filho de Napoleão com Maria
Luísa, conhecido como “L`Aiglon”, que também seria levado a Nova Orleans.
Todavia, Portugal contava com o abade Correia da Serra,
ministro em Washington. Percebendo a atração que os EUA sentiam por grupos
revoltosos nas velhas colônias ibéricas, não se inibindo em apoiá-los (Serra
chamava os EUA de “the great fomenter of rebellions”), a raposa portuguesa
conseguiu firmar com os EUA o conhecido Act of Neutrality, assinado apenas 3
dias antes do início da Revolução Pernambucana. Estava assim impedido o apoio
dos EUA à causa que, de alguma forma, ajudara a planejar.
Na verdade Serra atuou de tal forma radical nos EUA que
quase foi expulso do país. Chegou ao cúmulo de plantar notas em jornais
americanos denunciando a cumplicidade do país com causas que desestabilizavam a
região.
Essa mudança de ares pôs todo o planejamento dos rebeldes
franceses água a baixo. Chegada a expedição francesa ao Rio Grande do Norte, o
coronel Latapie solicitou audiência com o governador Luiz do Rego e relatou-lhe
tudo sobre a ansiada aventura. Disse também que José Bonaparte aportaria nos
próximos dias.
Sabendo-se que D. João VI estava no Brasil desde 1808,
situação motivada pelos desmandos de Napoleão na Europa, portanto era inimigo
mortal do ex-imperador francês, o governador português de Pernambuco tomou a
atitude que lhe competia: deteve todos os franceses e encaminhou-os às
autoridades no Rio de Janeiro. Pesou também a amizade entre D. João VI e Luís
XVIII, quem ajudara financeiramente aquele durante seu exílio. Outro detalhe:
Napoleão estava preso por ordem dos ingleses, que eram aliados de Portugal.
No Rio, outra traição. Um cidadão norte-americano denunciou
ao Tribunal de Alçada que Cabugá e o cônsul americano no Recife estavam em
contato permanente com os líderes franceses. Disse também que o tal cônsul
acusava o governador de Pernambuco de prejudicar os interesses comerciais
norte-americanos ao agir contra a expedição francesa.
O governador de Pernambuco, Luiz do Rego, convencido da
cumplicidade do cônsul yankee com os fatos despontados, ordenou busca na casa
do cônsul e lá foram presos três pernambucanos implicados na revolução de 1817,
ocorrida apenas um ano antes.
O cônsul não foi preso em razão de sua imunidade, mas seu
secretário não teve a mesma sorte e terminou por abrir o bico e denunciou tudo:
os franceses estavam associados aos revolucionários de 1817. E mais: muitos
franceses achavam que a revolução de 1817 tinha sido bem sucedida, planejavam
vir ao Brasil e ajudar na expedição a Santa Helena. Os franceses já tinham
arrecadado mais de 1 milhão de dólares para sua causa.
Denunciado o cônsul americano a seu governo, foi demitido em
1820 mas permaneceu vivendo no Recife como comerciante.
Esses fatos são contrastados por aqueles que defendem que
Napoleão nunca teria aceitado a ideia de fugir para os EUA: fugir não fazia
parte de seu feitio, além do que ele sabia que deixara uma imagem muito forte na
memória dos franceses e sua morte seria a quase certeza de que sua dinastia
voltaria ao poder. O que ocorreu de fato com Napoleão III.
Outro detalhe: soube-se mais tarde que os ingleses estavam
acompanhando todos aqueles movimentos de longe, e já haviam fortalecido suas
posições em Santa Helena para o caso de confronto.
Napoleão, diz-se, distraiu-se nos seus últimos dias em Santa
Helena com pássaros brasileiros, que ele chamava de “cardeais” cor de fogo
(aqui são chamados de “galinhos-da-serra” ou “galinhos-de-campina”).
Em 1840. Os ingleses cederam aos pedidos dos descendentes de
Luis Felipe para levar os restos mortais do imperador corso para a França. A
fragata usada no transporte parou no Rio para reabastecimento. Aqui, a
tripulação foi recebida com entusiasmo por D. Pedro II.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades
e episódios controversos da história do Brasil”
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