Pesquisar as postagens

sexta-feira, 9 de junho de 2017

NAPOLEÃO EM PERNAMBUCO – LE TERRIBLE ENFANT EM RECIFE?




Napoleão Bonaparte foi cogitado como patrono da primeira revolta pernambucana, visando à fundação de uma República brasileira, em 1801.

Embora soe como elucubração infundada, os fatos não nos eram tão distantes. D. Maria Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I, era irmã de Maria Luísa, segunda esposa de Napoleão. E D> Pedro era fascinado pelo cunhado-imperador.

A conspiração dos Suassunas de 1801 foi uma revolta liberal e democrática que tinha como princípio balizador o chamado Areópago de Itambé, uma espécie de sociedade secreta política e maçônica. Foi fundada pelo carmelita Manuel de Arruda Câmara e se baseava na tríade revolucionária francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Manuel estudara em Coimbra e em Montpellier e foi sócio da Academia Real de Ciências de Portugal... Nada mal para um brasileiro.

Naqueles anos ocorreu a conhecida “Guerra das Laranjas”, entre Portugal e Espanha. Esse conflito renderia a Portugal – e ao Brasil – grande parte do Rio Grande do Sul. Para fazer frente às despesas decorrentes do conflito, Portugal lançou títulos de empréstimo do Tesouro português na praça do Recife. Isso indignou os liberais.

Esse foi o estopim para um movimento de natureza popular que pretendia um República sob a proteção do velho “demolidor” de Impérios.

Os primeiros contatos com o imperador francês seriam feitos por José Francisco, irmão do coronel Suassuna e residente em Lisboa. No entanto seus movimentos foram percebidos e escapou por pouco de ser preso. Refugiou-se em Londres.

Em razão da ingenuidade e dos parcos esforços de organização, o movimento foi descoberto e seus líderes, presos. Entretanto, os contatos e esforços realizados foram aproveitados num segundo momento, em 1817, no âmbito de uma revolução muito mais bem planejada.

A revolução de 1817 se deu quando Napoleão já estava preso – fato ocorrido em 1815. E mais, foi contemporânea da conspiração empreendida pelos emigrados franceses nos Estados Unidos,que pretendiam “sequestrar” Napoleão, levá-lo a Pernambuco e, de lá, para Nova Orleans.

Ocorrera o seguinte. Após cair nas garras dos britânicos, os generais e coronéis bonapartistas se encontraram entre a cruz e a espada. Ou se declaravam fiéis a Luís XVIII ou se contentavam a receber meio soldo. Numerosos oficiais se decidiram por uma terceira via: expatriar-se nos EUA. Meses após a queda do imperador corso já havia mais de mil oficiais franceses na terra dos yankees.

A conspiração dos oficiais franceses nos EUA era liderada por ninguém menos que o irmão de Napoleão, José Bonaparte, que foi um efêmero rei da Espanha, nomeado pelo irmão após invadir aquele país.
O prefeito de Nova Orleans era fanático por Napoleão e até reservou-lhe uma bela residência, conhecida como Napoleon`s House.

Definidos os planos, iniciou-se a movimentação de militares franceses em direção a Pernambuco, a fim de preparar o terreno: armamentos e munições começaram a chegar à província.

Outro apoio à causa de 1817 foi dado pela maçonaria brasileira, que se comunicou com a maçonaria norte-americana. Em Londres, a maçonaria conseguiu que o jornal Times fizesse um editorial em apoio ao movimento. Alguns creem que os ingleses anteviam um aumento das exportações para o Brasil.
Um dos mentores da Revolução de 1817 foi Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, mulato herdeiro de família abastada, realizava em sua casa reuniões entre os conspiradores. Caso o movimento fosse bem sucedido, Cabugá seria nomeado embaixador brasileiro em Washington, responsável por angariar o apoio necessário ao reconhecimento de Pernambuco como uma república independente.

Ainda em 8 de maio de 1817, Cabugá deslocou-se à Filadélfia, adquiriu armas e munições, fretou dois navios e os enviou a Pernambuco.

Mas a pretendida revolução foi rapidamente derrotada. Ainda em agosto de 1817, o exército real e a esquadra portuguesa sufocaram os revoltosos, bloqueando o porto do Recife. Os líderes fugiram, mas foram capturados e fuzilados. O conflito todo durou meros 5 meses.

Cabugá, ainda nos EUA, soube com profunda tristeza da derrota do seu sonho republicano. Permaneceu em Washington por puco tempo, deslocando-se logo à Filadélfia, onde manteve contato com os franceses, ainda elaborando seus planos de raptar seu velho general.

Cabugá logo aderiu ao império brasileiro, após a independência. Embora pareça contraditório, ele ansiava mais pela libertação do jugo português do que pela implantação de uma república. Sua adesão foi comemorada com sua condecoração à Ordem do Cruzeiro. Também foi nomeado Cônsul Geral do Império dos EUA.

Foi Cabugá quem pelejou pelo reconhecimento formal do governo independente do Brasil. Cabugá faleceu na Bolívia, após ser nomeado charge d`affaires e Cônsul Geral naquele país.

Era muito difícil aos EUA reconhecer a república nascente, ainda não reconhecida por qualquer país. Mas era patente a simpatia do presidente James Monroe pela independência das colônias espanhola e portuguesa. Inclusive recebeu Cabugá, porém em caráter particular. Também prestou apoio para a compra de armas em Baltimore.

Por fim, o Departamento de Estado decidiu nomear um representante permanente dos EUA em Recife. OS emigrados franceses perceberam a chance de ouro: tinham o auxílio de Cabugá nos EUA e do cônsul americano no Recife.

Despachadas as embarcações de Baltimore em direção ao Brasil, definiu-se a ilha de Fernando de Noronha como ponto de reunião. Lá se reuniriam cerca de 80 oficiais franceses, 700 voluntários norte-americanos, além de outro navio transportando mais 800 marinheiros.

O alvo era a ilha de Santa Helena, cativeiro de Napoleão. Mas havia um segundo grupo, encarregado de raptar o filho de Napoleão com Maria Luísa, conhecido como “L`Aiglon”, que também seria levado a Nova Orleans.

Todavia, Portugal contava com o abade Correia da Serra, ministro em Washington. Percebendo a atração que os EUA sentiam por grupos revoltosos nas velhas colônias ibéricas, não se inibindo em apoiá-los (Serra chamava os EUA de “the great fomenter of rebellions”), a raposa portuguesa conseguiu firmar com os EUA o conhecido Act of Neutrality, assinado apenas 3 dias antes do início da Revolução Pernambucana. Estava assim impedido o apoio dos EUA à causa que, de alguma forma, ajudara a planejar.

Na verdade Serra atuou de tal forma radical nos EUA que quase foi expulso do país. Chegou ao cúmulo de plantar notas em jornais americanos denunciando a cumplicidade do país com causas que desestabilizavam a região.

Essa mudança de ares pôs todo o planejamento dos rebeldes franceses água a baixo. Chegada a expedição francesa ao Rio Grande do Norte, o coronel Latapie solicitou audiência com o governador Luiz do Rego e relatou-lhe tudo sobre a ansiada aventura. Disse também que José Bonaparte aportaria nos próximos dias.
Sabendo-se que D. João VI estava no Brasil desde 1808, situação motivada pelos desmandos de Napoleão na Europa, portanto era inimigo mortal do ex-imperador francês, o governador português de Pernambuco tomou a atitude que lhe competia: deteve todos os franceses e encaminhou-os às autoridades no Rio de Janeiro. Pesou também a amizade entre D. João VI e Luís XVIII, quem ajudara financeiramente aquele durante seu exílio. Outro detalhe: Napoleão estava preso por ordem dos ingleses, que eram aliados de Portugal.

No Rio, outra traição. Um cidadão norte-americano denunciou ao Tribunal de Alçada que Cabugá e o cônsul americano no Recife estavam em contato permanente com os líderes franceses. Disse também que o tal cônsul acusava o governador de Pernambuco de prejudicar os interesses comerciais norte-americanos ao agir contra a expedição francesa.

O governador de Pernambuco, Luiz do Rego, convencido da cumplicidade do cônsul yankee com os fatos despontados, ordenou busca na casa do cônsul e lá foram presos três pernambucanos implicados na revolução de 1817, ocorrida apenas um ano antes.

O cônsul não foi preso em razão de sua imunidade, mas seu secretário não teve a mesma sorte e terminou por abrir o bico e denunciou tudo: os franceses estavam associados aos revolucionários de 1817. E mais: muitos franceses achavam que a revolução de 1817 tinha sido bem sucedida, planejavam vir ao Brasil e ajudar na expedição a Santa Helena. Os franceses já tinham arrecadado mais de 1 milhão de dólares para sua causa.

Denunciado o cônsul americano a seu governo, foi demitido em 1820 mas permaneceu vivendo no Recife como comerciante.

Esses fatos são contrastados por aqueles que defendem que Napoleão nunca teria aceitado a ideia de fugir para os EUA: fugir não fazia parte de seu feitio, além do que ele sabia que deixara uma imagem muito forte na memória dos franceses e sua morte seria a quase certeza de que sua dinastia voltaria ao poder. O que ocorreu de fato com Napoleão III.

Outro detalhe: soube-se mais tarde que os ingleses estavam acompanhando todos aqueles movimentos de longe, e já haviam fortalecido suas posições em Santa Helena para o caso de confronto.

Napoleão, diz-se, distraiu-se nos seus últimos dias em Santa Helena com pássaros brasileiros, que ele chamava de “cardeais” cor de fogo (aqui são chamados de “galinhos-da-serra” ou “galinhos-de-campina”).
Em 1840. Os ingleses cederam aos pedidos dos descendentes de Luis Felipe para levar os restos mortais do imperador corso para a França. A fragata usada no transporte parou no Rio para reabastecimento. Aqui, a tripulação foi recebida com entusiasmo por D. Pedro II.


Rubem L. de F. Auto
 
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil”

Nenhum comentário:

Postar um comentário