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segunda-feira, 5 de junho de 2017

CALABAR E A ALTERNATIVA HOLANDESA PARA O BRASIL




Embora tenhamos a tentação de nos referirmos ao Brasil como uma construção que data de 1500, de fato, ao analisarmos diversas invasões por países não contemplados pelo Tratado de Tordesilhas – franceses e holandeses, especialmente -, pode-se perceber facilmente que o Brasil foi produto de uma lenta construção histórica. Por séculos foi uma terra em disputa, quase uma terra de ninguém. Judeus e protestantes formaram uma frente única contra o papa e os reis da Espanha e de Portugal.

Na realidade, até o século XVIII a riqueza, na visão europeia, estava no Oriente. A Ásia era há muitos séculos sede de estruturas geradoras de riquezas, rotas comerciais e produtos de alto valor agregado. Por sua vez, a América era muito rústica nesse sentido, era necessário montar uma estrutura comercial a partir do zero.

Foi marcante o papel do padre Antônio Vieira, que tentou negociar com os holandeses a troca do nordeste brasileiro, mais Angola e São Tomé, apenas pelo compromisso dos batavos de respeitarem as colônias portuguesas no Oriente.

Mas essa desproporção começou a mudar no século XVI, quando o açúcar do nordeste superou todo o fluxo comercial do Portugal com o Oriente.

Um dos episódios mais marcantes desse embate ocorreu no nordeste brasileiro e envolveu os decididos holandeses. Essas invasões ocorreram durante a União das coroas Ibéricas, portanto a responsabilidade por combater os invasores era dos reis espanhóis, que tardaram a enviar soldados para combater os batavos. E um dos nomes mais famosos foi o daquele soldados português, que se bandeou para o lado holandês, e sem quem teriam sido impossíveis os sucessos iniciais dos invasores: Calabar.

Para entender melhor e contexto, deve-se ter em mente o ambiente colonial então vigente no Brasil: as condições de vida eram duras e a liberdade individual era quase inexistente; os impostos eram elevados; as viagens pelo interior do território eram proibidas; fabricação de tecidos era vedada; era proibida a abertura de escolas; o comércio com demais nações eram impensável; a posse de livros também era proibida (exceto a Bíblia, claro).

A única religião possível de ser praticada era o catolicismo, e um dos poderes mais temidos chamava-se Santa Inquisição.

O que parecia atrair debandados para o lado holandês eram as promessas de liberdade. Também atraiam, promessas de justiça e de melhores condições sociais.

Domingos Fernandes Calabar nasceu em Porto Calvo, Alagoas. Era mameluco, filho de português com índia. Seu apoio aos holandeses foi fundamental. Nas palavras de Weerdenburgh, seu primeiro superior holandês: “Em todos esses perigos, estávamos dependendo da fidelidade ou infidelidade de um negro (eenem Neger)”. Para os holandeses, quem não fosse rigorosamente branco era classificado como negro.

Apesar de ter estudado em colégio de jesuítas e de ser, portanto, alfabetizado, conhecia muito bem a região onde habitava, especialmente os cursos dos rios. Deveria também ter posses, pois recusara pagamento dos holandeses por ter mudado de lado. Parecia ter menos de 30 anos de idade.

Calabar foi nomeado sargento-mor e, mais tarde, capitão do exército holandês.

O principal descontentamento de Calabar com a colonização portuguesa era de fundo racial. Ser negro, ou mameluco, era motivo para discriminações mil. E Calabar sabia da tolerância dos holandeses com os índios, pretos e escravos. Além disso, Calabar sabia que seu conhecimento da geografia da região era fundamental aos batavos. Seria mais fácil galgar cargos mais altos, no Exército ou na administração pública.

E sua escolha não pareceu ter sido errada. Afinal, após sua morte sua esposa teve direito a uma pensão concedida pelo governo holandês.

Os holandeses reinaram no nordeste brasileiro por 24 anos, de 1630 a 1654. Calabar atuou entre os anos de 1632 e 1635. Entre 1637 e 1644, a dominação holandesa era incontestável. A colônia inclusive prosperou sobremaneira sob a administração do conde João Maurício de Nassau-Siegen, alemão, funcionário da Companhia holandesa das Índias Ocidentais, que implantou uma espécie de república renascentista no ambiente sufocante da colônia luso-espanhola.

A liberdade era também uma ferramenta de propaganda utilizada pelos batavos, que diziam assegurar “liberdade de consciência tanto para os católicos como para os judeus, desde que prestassem juramento de lealdade, e o governo garantia que a Holanda não investigaria as suas consciências”.

Nos dois primeiros anos de lutas, os holandeses conquistaram a soberania no litoral. Controlavam praias e mares, mas o interior, riquíssimos pois era de onde saía o desejado açúcar, continuava sob o domínios português. Foi aí que Calabar desequilibrou a balança.

Olinda caiu sob o jugo holandês em 1630. Itamaracá caiu em 1631. Lá, construíram o forte Orange. A resistência portuguesa se aglomerava no Arraial do Bom Jesus, a 6 quilômetros da praia.
Quando, em abril de 1632, Calabar mudou delado, o equilíbrio relativo se desfez.

A primeira contribuição de Calabar foi a facilitação da invasão a Igaraçu. Ele sabia que os prortugueses haviam transportado para lá grande parte de seus pertences, temendo eventuais saques. Foi uma grande vitória para o lado dos batavos.

Diante do rápido progresso holandês, Matias de Albuquerque, comandante do lado português, enviou ordens para matarem Calabar imediatamente. Apesar das precauções tomadas, seria muito difícil escapar dessa sina.

A tomada de Porto Calvo foi outro episódio possível graças ao auxílio providencial de Calabar.
Embora o local tenha sido tomado, o quantitativo de tropas luso-espanhola-italianas era muito superior ao dos holandeses. Em dado momento, uma pequena tropa holandesa se viu cercada. Entre os homens estava Calabar.

Posto à mercê de El-Rei, foi submetido a um julgamento relâmpago e enforcado em seguida. Após, seu corpo foi esquartejado. Deve-se analisar o episódio como uma típica queima de arquivo.

Essa história é bastante lembrada, ainda, por suscitar discussões acerca de como teria sido a história do Brasil se colonizado pelos holandeses. Cidadãos da Indonésia, Bornéu e Suriname certamente discordam de que seríamos ricos e poderosos se Portugal houvesse perdido aquelas batalhas.

O próprio conde Nassau padeceu por falta de apoio da Companhia das Índias. Não teve seus pedidos por mais colonos (pediu até prisioneiros, quaisquer pessoas). Também enfrentou problemas e foi demitido por excessos de despesas durante seu mandato em Pernambuco.

Manuel de Morais, também debandado para o lado holandês, no entanto apenas após sua prisão em batalha, foi outro “traidor”. Jesuíta letrado, obteve projeção em Amsterdam, tornando-se amigo íntimo de intelectuais do país. Chegou a escrever relatórios aconselhando os senhores das 19 Províncias holandesas sobre como lidar com a política colonial a ser implantada no Brasil.


Rubem L. de F. Auto
  
Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil”

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