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quinta-feira, 1 de junho de 2017

O MARANHÃO OU MARAGNON? O SONHO DA FRANÇA EQUATORIAL




Desde a “descoberta” do Brasil, por mais de cem anos, as terras ao norte do Brasil, a partir da costa do Ceará, permaneciam inexploradas. Maranhão, Pará e Amapá, além da foz do rio Amazonas, restavam abandonados e à disposição de qualquer aventureiro de plantão.

Esse foi o caso de La Ravadiere, Daniel de La Touche. Por muito pouco seu empreendimento, conhecido como França Equatorial, não foi bem sucedido.

Após serem expulsos pelos portugueses, os franceses se fixaram na Guiana e tentaram obter o direito a todas as terras à esquerda do rio Amazonas. Essa fronteira só foi consolidada após o trabalho espetacular do barão do Rio Branco, em 1900. A fronteira passou a ser delimitada pelo rio Oiapoque.

Após 400 anos, São Luís, capital do estado do Maranhão, ainda lembra o nome de La Ravadiere.

A história de Daniel com o Brasil se iniciou antes da França Equatorial, quando visitou a região da Guiana e do atual Amapá. Escreveu relatório no qual explorava as possibilidades econômicas e comerciais daquela região. As autoridades francesas receberam bem tal relatório, incluindo o rei Henrique IV.

Ao tomar parte nas guerras tribais que infestavam o norte do país, Daniel pode conhecer e tomar nota das riquezas naturais e dos hábitos dos indígenas. Tinha 36 anos na época. Seus bons contatos o auxiliaram a sua nomeação como “tenente-general das terras da América desde a Amazônia até a ilha de Trindade”.

Daniel despendeu um ano e meio no Maranhão. Quando vivia seu melhor momento do projeto, recebeu a notícia de que Henrique IV havia sido assassinado. Era o ano de 1610 e o ambiente político francês mudou completamente. Ascendeu ao trono Luís XIII, ainda menino, tutelado pela mão, a rainha Maria de Médicis.

O rei de cujus era protestante e apoiava o protestante Daniel em seus intentos. Contudo, Maria era radicalmente católica e, portanto, nutria certa antipatia por Daniel. Embora confirmasse a carta-patente concedida por Henrique, não forneceu qualquer apoio financeiro a La Ravadiere.

O objetivo da expedição era a construção de uma colônia na Ilha Grande do Maranhão, com área aproximada de 50 léguas. O projeto França Equatorial era protestante, mas a rainha Maria obrigou à aceitação de uma missão de capuchinhos. A rainha restringiu também a conversão religiosa dos indígenas à religião católica, o que irritou profundamente Daniel. Por fim, a rainha exigiu que os protestantes todos retornassem à França, após a implantação da colônia. Basta lembrar que La Ravadiere era protestante para ter ideia do impacto dessa ordem no outro lado do Atlântico.

Daniel fez declaração registrada por notário de que retornaria à França tão logo chegasse seu sucessor, Françoise de Razilly. Foi uma medida necessária para conter os ânimos dos católicos contra si.

Tantas medidas contra a colônia foram tomadas, que a experiência conseguiu ser ainda mais efêmera do que a França Antártica de Villegagnon.

Após instituir o estatuto de leis fundamentais da colônia, Razilly partiu para Paris em busca de reforços e apoio financeiro. Desembarcou no Havre em companhia de dois capuchinhos e de índios tupinambás. Levavam à rainha-regente souvenirs da terra: papagaios, micos etc.

Talvez emocionada pelos presentes, a rainha chegou a prometer 20 mil escudos para apoiar a missão, mas esse dinheiro nunca foi fornecido de fato.

Era importante que a França Equatorial permanecesse um projeto privado, sem participação da coroa francesa, pois havia um Tratado de 1598, firmado com a Espanha, que dispunha que disputas suscitadas por privados não teriam interferência estatal. A rainha usava esse Tratado para manter um comportamento dúbio e não despertar conflitos com a Espanha. Eram tempos de União Ibérica quando os assuntos referentes a Portugal eram decididos em Madrid, por um Conselho especial.

O novo governador-geral do Brasil, Gaspar de Souza, chegou a Pernambuco em 1613, com a colônia francesa instalada e se desenvolvendo a todo vapor. O novo enviado tinha uma missão clara: destruir aquela verdadeira provocação!

Gaspar se mudou da Bahia para Olinda, para ficar mais próximo dos inimigos. Velejando em suas caravelas, os portugueses conseguiram se aproximar bastante da colônia francesa de São Luís (forte Saint Louis).

Percebendo a movimentação, os franceses fortaleceram suas defesas e solicitaram reforços à metrópole. Aproximava-se a batalha de Guaxeduba, decisiva nesse episódio.

Muito habilmente, os franceses conseguiram cercar totalmente as embarcações portuguesas – que já haviam enfrentado até motins e fuga de marinheiros. Em 19 de novembro, os lusos se viram presos numa baía cerrada por navios franceses. Sete navios e 46 canoas, com 300 franceses e 2 mil índios tupinambás bloquearam a passagem das caravelas. Daniel estava no comando.

Pouco antes dos portugueses iniciarem um ataque desesperado aos franceses, ouviu-se um toque de tambor e surgiu um enviado de La Ravadiere, com uma carta de ultimatum em mãos. Era concedido um prazo de 4 horas para que se os portugueses se rendessem.

Nesse momento, os franceses cometeram um erro gravíssimo e indesculpável. Os comandantes abaixo de La Ravadiere permitiram que seus homens relaxassem, deitassem, descansassem, baixassem suas guardas. Muitos aproveitaram para comer, tirar uma soneca enquanto o prazo de quatro horas expirava.

O comandante português, Jerônimo de Albuquerque, percebeu a oportunidade que se lhe avizinhava. Enviou mensagem secreta a seus comandantes confirmando as ordens dadas antes do tal ultimatum. Cerca de uma hora mais tarde, os lusos realizaram um ataque surpresa, aproveitando-se da distração dos franceses. Foi uma verdadeira matança. Os índios do lado português eram comandados pelo capitão Madeira. Também fizeram um estrago completo do lado francês. Muitos soldados franceses foram mortos dormindo ou ainda sonolentos.

La Ravadiere acompanhava tudo de longe, a bordo de sua nau capitânia.

Apesar do ataque fulminante, o forte Saint Louis continuava intacto e os porugueses não apreciam capazes de destruí-lo.

Embora os portugueses ainda estivessem bloqueados na baía, o ânimo francês se reduzia rapidamente, e seus homens passaram a desconfiar de uma possível vitória. Daniel parecia estar deprimido após ver uma reversão tão drástica de sua posição de clara superioridade.

La Ravadiere foi convidado a visitar o campo luso e lá foi recebido com pompas e honras. Ofereceu o serviço de seus médicos para tratar dos feridos lusos e brasileiros. Diogo de Campos Moreno, a contraparte lusa, visitou o campo francês, tendo recebido as mesmas homenagens.

Os encontros entre os inimigos levantaram a possibilidade de acordo, mas os espanhóis não tinham a mesma intenção. O rei espanhol Felipe III ordenou que o governador-geral expulsasse imediatamente os franceses. O capitão-mor Alexandre de Moura foi enviado com esse fim. A rainha francesa, mais uma vez, esquivou-se e evitou qualquer atitude que pudesse irritar a Espanha.

Isaac de Razilly, ainda na França, despendeu recursos do próprio bolso para contra-atacar os lusos. No entanto, quando a rendição dos franceses em Saint Louis já havia sido anunciada.

Um detalhe interessante: o rei espanhol resolveu fazer algumas concessões aos franceses. No entanto essas instruções não foram seguidas pelo governador-geral. Uma das medidas do rei foi o envio de 20 mil cruzados... que não foram entregues aos franceses. Aparentemente Alexandre de Moura guardou o dinheiro para si...

Em Olinda, La Ravadiere foi recebido por Gaspar de Souza com palavras amabilíssimas. Rebeu do governador 2 mil cruzados e várias outras ofertas (provavelmente caixas de açúcar, cujos impostos foram isentados).

Esses fatos levantam a suspeita de que Daniel de La Touche, na verdade, foi subornado pelos portugueses para desistir de seu intento.

Aparentemente, Daniel terminou sua aventura satisfeito.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil.”

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