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terça-feira, 8 de agosto de 2017

PORTUGAL – A ROMA DO ATLÂNTICO – PARTE 2


Inicialmente, o que atriu os romanos à região da Lusitânia foi o ouro. Um dos governadores da Província foi Plínio, o Velho, de 70 a 75 d.C. Ele dizia que o gigantesco veio de ouro que se estendia pela Lusitânia, Galiza, até as Astúrias era o maior do mundo (mundo conhecido dos romanos era equivalente a duas Europas, mais ou menos).

A regulação que Roma estabeleceu sobre a exploração do ouro limitava as empresas a esta atividade dedicadas a 5.000 empregados por veio, em toda a Ibéria. Após a revogação desse Decreto, Plínio calculou em 320 mil onças a produção anual de ouro da Ibéria Ocidental. Diga-se: as reservas de ouro em Portugal eram de tal monta imensas que apenas em 1992 uma mina próxima a Jales, Vila Real, teve suas atividades encerradas, tendo sido inaugurada ainda pelos romanos. Sua produção incluía também prata, em montante duas vezes superior ao do ouro. Geólogos calcularam em mais de U$ 1 bilhão de dólares a quantidade de ouro ainda remanescente, esperando técnicas mais eficientes de exploração para que seja retirado.

No entanto, as técnicas de exploração do ouro aos tempos dos romanos impressionavam pela crueldade com os mineiros. Plínio testemunhou: “À luz de lanternas, longos túneis foram rasgados nas vertentes das montanhas. Os homens trabalhavam em longos turnos, podendo, durante meses a fio, não ter acesso à luz do dia. Os tetos estavam sujeitos a ruir e a esmagar os mineiros no seu interior. Apanhar ´[erolas ou pescar peixe roço nas profundezas do oceano parecia, comparativamente, bastante mais seguro. Como fomos capazes de tornar a terra perigosa!”

No norte de Portugal, a técnica de exploração de ouro era a céu aberto. Por 200 anos a área foi laborada, tendo empregado mais de 2 mil pessoas ao mesmo tempo.

Plínio mais uma vez se mostrou chocado com a louca ganância que o metal despertava: “O método utilizado consistia em amassar a terra com cunhas e britadeiras de ferro. A mistura de argila e cascalho era considerada como a mais resistente e duradoura de todas – exceto a ganância pelo ouro, que consegue ser ainda mais forte.”

Continuava o Velho, descrevendo as ações após a terra abrir uma fissura, causada pelos golpes das ferramentas: “Com um grito ou um aceno, o vigia dá ordem para os mineiros pararem, descendo rapidamente do seu posto. A montanha rasgada desintegra-se com um estrondo inimaginável, que é acompanhado por uma descolação de ar igualmente incrível. Quais heróis conquistadores, os mineiros contemplam o seu trinfo sobre a natureza.”

A seguir, abriam-se as comportas dos reservatórios, previamente construídos na montanha, e a água precipitava-se através de íngremes condutos – estes caminhos da água eram feitos por homens pendurados em cordas nas encostas das falésias.       

As torrentes arrastavam pepitas de até 3 mil onças. Estas ficavam presas nos degraus talhados nas rochas. O tojo de cascalho contendo os fragmentos de ouro eram secados, queimados e o ouro recuperado das cinzas.

As técnicas romanas eram de tal forma avançadas, que foram abanonadas após Portugal sofrer invasões seguidas de diversos povos, que eram incapazes de entender como a água era bombeada, de modo a manter as minas secas. Apenas no século XIX pode-se conceber um método compatível.

Na região do Alentejo, os romanos se apropriaram das minas de cobre, prata, estanho, zinco e ferro dos cartagineses. Expandiram bastante a produção desses locais. Outro metal valorizado era o chumbo branco, que adicionado ao ferro, protegia-o de ferrugem.

Outros campos incluíam o de São Domingos, explorado por uma empresa britânica até a década de 1960; e Aljustrel, cuja exploração mineral permanece até hoje.

As minas do norte eram todas estatais. No Alentejo, as concessões eram vendidas a empresários individuais ou grupos de mineiros. Após a aquisição, os concessionários deveriam iniciar atividades em até 25 dias – caso contrário, caducava e revertia ao Estado.

Antes da comercialização, fazia-se necessário pagar altos impostos. As estradas locais eram patrulhadas para impedir evasão. A pena a quem desobedecesse a lei eram longos anos de trabalho forçado.

A atividade mineira era a mais lucrativa, mas não a única. As técnicas romanas de agricultura também mudaram o modo de vida da região. O azeite, o vinho e os cereais já eram cultivados, porém em escala reduzida se comparada com os anos posteriores. Imigrantes italianos trouxeram plantas e compraram terras, que iam juntando com outras até atingirem extensões imensas, da ordem de 2 mil hectares.

O trigo e vários frutos (secos ou conservados em mel) e o esparto – utilizado no fabrico de cordas e velas -, eram exportados para a Bélgica, Holanda e Inglaterra. Um tipo de azeite lusitano era considerado pelos romanos o melhor do mundo, atingindo preços estratosféricos.

Quanto ao vinho, na década de 80 d.C., o Império viu-se diante de uma enorme quantidade de vinho que não se conseguia vender. O imperador Domiciano mandou arrancar todas as videiras de áreas que pudessem produzir outra coisa. Reduzida a produção pela metade, percebeu-se que as adegas passaram a produzir menos quantidade de um produto com melhor qualidade. Consequentemente, as exportações explodiram. Atualmente, quase 2 mil anos depois, os vinhedos ao sul do Tejo, plantados pelos romanos, continuam a produzir vinhos de qualidade, comercializado na Itália e além.

Até por volta de 212 d.C., a população da região se caracterizava pela homogeneidade, devido especialmente aos casamentos inter-raciais. O imperador Caracala decidiu conceder cidadania romana a todos os não-escravos residentes naquela região.

As mineradoras romanas dominavam este setor na Lusitânia. As altas classes italianas possuíam também as grandes fazendas e fábricas. Em geral, os proprietários também residiam em Roma. Portanto os lucros também eram todos enviados à insaciável Roma.

Durante a longa era da Pax Romanii na Lusitânia os municípios foram evoluindo para comunidades democráticas, muitos deles com autonomia administrativa. Cidadãos elegiam magistrados, que administravam tais municípios. Cobravam impostos, que pagavam colossais obras públicas: estradas, pontes, aquedutos, templos, banhos públicos e teatros.

A degringolada do Império se deu ao mesmo tempo que cobrava impostos crescentes e investia um obras e serviços públicos cada vez menos. Desanimados, muitos abandonavam os municípios com o fim único de não pagar impostos. Decreto imperial classificou como vedadas tais mudanças. Sem recursos, muitos cidadãos passaram a se vender como escravos ( a alternativa era a prisão por dividas).

Em dado momentos, foram suspensas as eleições para o cargo de magistrado, passando a ser hereditários ( o filho do cobrador de impostos era o próximo cobrador de impostos, compulsoriamente, sob pena de morte).

Outra forma de se proteger das garras fiados do Império era servir a ele. Muitos lusitanos se alistavam nas legiões romanas, servindo em Províncias no norte da África, Gália, Grã Bretanha... Alguns foram soldados de Constantino, quando marchou para libertar uma Roma sitiada pelos Godos.

Na Lusitânia, os ricos italianos, organizados em uma casta única e superior, viam seus bons dias esvaindo-se com o poder do Império. Não integrados com os locais, viram duas das três legiões lá estacionadas para os defender sendo extintas por falta de verbas. Além disso, Roma se esvaía.

A cada dia, os bárbaros do norte da Europa se aproximavam mais do coração do império...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “A Primeira Aldeia Global”


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