Após as cartas de Pêro de Covilhã desvendarem a
rota para as Índias, restava ao rei de Portugal ordenar que uma missão
portuguesa realizasse a jornada tão aguardada. Coube a Vasco da Gama e seu
comandante, Pêro de Alenquer, tal missão.
Vasco não era navegador. Membro da pequena nobreza
burocrática alçada a cargos públicos nos tempos de D. João II, esse português
cumpria o papel de embaixador enviado pelo rei de Portugal, portando carta
régia válida para qualquer lugar em que aportasse. Vasco morreu como um dos
homens mais poderosos de Portugal, vice-rei da Índia.
O historiador inglês Charles Boxer classificou essa
aventura como o alicerce para a construção de um império marítimo, que se
estendia do Brasil até o Japão. Na sua extensão, o português substituiu o árabe
como língua franca. Portugal possuía a maior frota mercante do mundo.
Portugueses fizeram parte do conselho do imperador da China. Fortes portugueses
se multiplicaram em locais tão distantes quanto Barein, Pérsia, Paquistão e
Japão. Cidades como Recife e Mombaça, na África Oriental, Goa e Malaca, ou
Macau eram portuguesas, assim como o porto de Nagasáqui, no Japão.
A própria Grã Bretanha somente se tornou potência
colonial após receberem Bombaim de Portugal, ofertada como dote ao rei Carlos
II. Vasco da Gama deu início à era das colonizações europeias pelo mundo.
O historiador português Armando Cortesão registrou
diversas viagens portuguesas entre as viagens de Bartolomeu Dias e de Vasco da
Gama. Essa aventuras marítimas que tinham a Índia como destino pretendido
ajudaram a desenvolver toda uma nova gama de técnicas de construção de
embarcações melhores e mais bem armadas. Assim nasceu o projeto do Galeão,
inovação portuguesa bastante festejada, que portava todo um conjunto de canhões
embarcados, famosos por intimidarem cidades inteiras com seu estrondo.
A essa altura, o trono português fora herdado por
D. Manuel, igualmente determinado a fazer do Grande Plano português uma
realidade. E a missão agora era fazer um acordo comercial com o Samorim de
Calicute, o conhecido Senhor dos Oceanos.
A frota de Gama era composta por dois barcos
“redondos”, invenção recente, uma caravela e um grande barco de carga,
carregando mercadorias como: têxteis, chapéus de seda, peças de ferro e de
bronze, pregos, contas de coral, pequenos sinos e outras bugigangas. Além de
alimentos frescos a bordo.
Quanto aos marinheiros, apenas 56 retornaram com
vida. Além destes, havia carpinteiros, capelães, músicos, um intérprete árabe e
um grupo de condenados em liberdade condicional – jovens aristocratas presos,
que aspiravam a liberdade após o retorno da missão em que se alistaram. Eram
sempre os primeiros a desembarcarem após navios portugueses aportarem nalgum
lugar. Álvaro Velho eram o cronista da frota.
Vasco partiu de Belém, em Lisboa, em 8 de julho de
1497. Uma semana após, chegaram às Canárias. Voltaram-se para o sul e
alcançaram Cabo verde e 27 de julho. Reabasteceram-se de alimentos frescos. Na
altura de Serra Leoa foram arremessados para o ocidente. Na costa do Brasil, no
Cabo de Santo Agostinho, fizeram um arco até a altura da Argentina, onde pegaram
ventos que os transportaram até o sul da África.
Contornado o continente, atingiram a Ilha de
Moçambique, em 29 de março de 1498. Foi ali que Vasco travou seu primeiro
contato com comerciantes árabes, que dominavam as costas do Índico. Foi também
ali que Vasco avistou quatro barcos de “mouros brancos” – trucos e persas –
lotados de ouro, prata, pregos, pimenta, gengibre, pérolas, safiras e rubis.
Os habitantes locais se vestiam túnicas de algodão
listrado e turbantes. Quase todos eram islâmicos e falavam árabe fluentemente. Foram
muito bem recebidos.
Na verdade os habitantes locais pensavam se
tratarem de asiáticos do norte da Ásia, não de europeus. Quando o Samorim
descobriu a verdadeira identidade deles mandou-os matar.
Mas os portugueses conseguiram escapar do motim e
chegaram a Mombaça, sãos e salvos.
Sofrendo de escorbuto, foi-lhes oferecida grande
quantidade de frutas cítricas. Condenados desembarcaram com cartas de saudação,
assinadas por Vasco da Gama e logo foram recebidos por uma multidão curiosa e
pelo xeque, que os convidou a seu palácio.
Ao deixarem o porto local, seus guias fugiram.
Conseguiram capturar e seqüestrar a tripulação de um navio lotado de
mercadorias. Os comandantes os guiaram até Melinde, onde foram recebidos pelo
monarca da cidade. Lá, conseguiram que um navegador os fizessem atravessar o
Índico, quando chegaram finalmente a Calicute, em 20 de maio de 1498.
O primeiro diálogo foi travado entre um condenado e
dois habitantes locais:
- Que raios estão a fazer aqui?
- Viemos à procura de cristãos e de especiarias.
- Foram enviados pelo rei de Castela, de França ou
pelo doge de Veneza?
- Fomos enviados pelo rei de Portugal. Ele não
permite que outros reis enviem gente para aqui.
- Deus vos abençoe por terem aqui vindo.
O samorim deixou seu palácio de campo e foi ter com
os portugueses, curioso com aqueles viajantes um tanto diferentes. Vasco foi
recebido com honras. Desfilou pelas ruas, onde pessoas lhes saudavam e davam
boas vindas. Tudo ao som de músicos hindus.
Quando levado à presença do samorim, vestido apenas
com um dhoti de algodão e um gorro bordado, adornado com um cinto incrustado de
ouro e rubis, além usar pulseiras de ouro, jóias, anéis de esmeralda e diamantes.
Usava também brincos de rubis e pérolas.
Vasco saudou o samorim à maneira hindu. Este pediu
que os portugueses se sentassem num banco e mandou que lhes trouxessem frutas.
O samorim perguntou a Vasco o que pretendiam ali.
Vasco respondeu que estavam à procura de cristãos e desejavam comprar
especiarias. O samorim deu-lhes as boas vindas e pediu que seus pilotos
guiassem as embarcações portuguesas até um porto mais seguro.
No dia seguinte, Vasco enviou num barco a remo
presentes ao samorim: 12 rolos de algodão listrado, quatro fios de corais, uma
caixa de açúcar, dois barris de leite e mel.
O samorim inspecionou as ofertas e considerou-as
ridículas: “O mais pobre mercador árabe oferece a Sua Majestade mais do que
isto. Não se encontra aqui nada digno de um rei. Têm de lhe dar ouro.”
Vasco da Gama conseguiu remediar o mal estar dizendo
que eram presentes pessoais dele mesmo, não do rei de Portugal. Prometeu que o
ouro logo chegaria.
Vasco exigiu outra audiência com o samorim. Lá
chegando, Vasco proferiu uma sequência tão grande de insultos contra o samorim
que até o intérprete se recusou a traduzi-las.
Os conselheiros do samorim novamente disseram ser
vergonhoso que os portugueses não tivessem nada digno do rei deles. Vasco
respondeu que tinha muitas mercadorias para comercializar: trigo, vinho, ferro
e cobre fundido.
Os desentendimentos entre Vasco e as autoridades de
Calicute deram oportunidade a seus inimigos, os árabes. Estes já haviam
percebido que a chegada daqueles portugueses representava uma grande ameaça a altamente
lucrativo monopólio comercial. Ao saberem da péssima recepção dada às
bugigangas portuguesas, logo fizeram troça daqueles mercadores pés-rapados.
A única coisa que alegrava os olhos dos hindus eram
as embarcações portuguesas. Famílias inteiras subiam a bordo para conhecê-las.
Vasco organizou uma recepção suntuosa, procurando cultivar uma certa simpatia
com os habitantes locais.
A muito custo, os portugueses conseguiram transferir
as mercadorias que trouxeram até o centro de Calicute. Um morador local, de
origem tunisiana e chamado Monçaide procurou Vasco e disse-lhe que os árabes
tinham conseguido convencer o samorim de que os portugueses eram piratas e
ladrões; além de pretenderem atacar e saquear a cidade assim que surgisse uma
chance. Os árabes também prometeram uma enorme soma de dinheiro se o samorim mandasse
prender e decapitar Vasco e seu séquito.
Logo após os portugueses foram proibidos de
retornar a seus navios. Vasco, astutamente, percebeu que havia uns 20 indianos
a bordo. Alguns aguardando para almoçar com os portugueses – a maioria bem
vestida, aparentando serem nobres locais. Vasco mandou detê-los a bordo e
negociou a troca pelos portugueses presos pelos indianos.
Confusão desfeita, Vasco reclamou estar
profundamente indignado por ter sido acusado injustamente de pirata de ladrão.
Disse que zarparia para nunca mais regressar.
O samorim mandou entregar a Vasco uma carta
endereçada à majestade de Portugal, em que dizia ter sido muito prazeroso
conhecer sua delegação e que, se lhe enviassem ouro, teria enorme prazer em
transacionar demais mercadorias (especiarias e jóias) com seus mercadores.
De regresso, Vasco teve de enfrentar uma série de tragédias.
Dois terços de seus homens morreram de febre e de escorbuto. Restaram tão
poucos homens que tiveram de abandonar dois de seus quatro navios. Não sem antes
queimá-los, evitando assim que fossem capturados e se descobrissem seus
segredos de engenharia.
A chegada a Lisboa teve recepção monumental. D.
Manuel mandou que se tocassem todos os sinos de todas as igrejas do país.
Também não demorou a mandar organizar outra frota, ainda maior do que a de
Vasco, a fim de acertar os detalhes do acordo comercial a ser firmado com o
samorim de Calicute. É aqui que entrará Pedro Álvares Cabral e sua frota
espetacular, no mesmo contexto do “descobrimento” do Brasil.
Os barcos que retornaram com Vasco da Gama
trouxeram especiarias como: canela, cravos-da-índia, pimenta, gengibre,
noz-moscada, bálsamo, âmbar, almíscar, pérolas, rubis e muitas outras pedras
preciosas. Embora pequeno, aquele carregamento tinha valor de mercado 60 vezes superior
ao custo de toda a expedição.
Vasco não estava no meio daquela recepção festiva.
Seu irmão mais velho tinha contraído febre e estava bastante abatido. Vasco o levou
aos Açores, onde julgava que os bons ares ajudariam na sua recuperação. Mas não
surtiu efeito, Paulo logo morreu.
Poucos anos após, Vasco da Gama foi nomeado Vice-Rei
da Índia. Recebeu como prêmio por seus feitos espetaculares: sua vila natal,
Sines; uma pensão anual de 30 mil réis em ouro – valendo também para seus
herdeiros; 200 cruzados de especiarias por viagem; direito a embarcar
gratuitamente em navios da frota real; direito a cobrar taxas de ancoradouro ao
longo de toda a costa indiana. Tornou-se também o conde de Vidigueiras. Sua
irmã e seu irmão mais novo foram nomeados nobres e passaram a receber pensão
também.
Vasco morreu em 1524.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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