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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

AS AVENTURAS DE VASCO DA GAMA COM O REI DOS OCEANOS


Após as cartas de Pêro de Covilhã desvendarem a rota para as Índias, restava ao rei de Portugal ordenar que uma missão portuguesa realizasse a jornada tão aguardada. Coube a Vasco da Gama e seu comandante, Pêro de Alenquer, tal missão.
Vasco não era navegador. Membro da pequena nobreza burocrática alçada a cargos públicos nos tempos de D. João II, esse português cumpria o papel de embaixador enviado pelo rei de Portugal, portando carta régia válida para qualquer lugar em que aportasse. Vasco morreu como um dos homens mais poderosos de Portugal, vice-rei da Índia.
O historiador inglês Charles Boxer classificou essa aventura como o alicerce para a construção de um império marítimo, que se estendia do Brasil até o Japão. Na sua extensão, o português substituiu o árabe como língua franca. Portugal possuía a maior frota mercante do mundo. Portugueses fizeram parte do conselho do imperador da China. Fortes portugueses se multiplicaram em locais tão distantes quanto Barein, Pérsia, Paquistão e Japão. Cidades como Recife e Mombaça, na África Oriental, Goa e Malaca, ou Macau eram portuguesas, assim como o porto de Nagasáqui, no Japão.
A própria Grã Bretanha somente se tornou potência colonial após receberem Bombaim de Portugal, ofertada como dote ao rei Carlos II. Vasco da Gama deu início à era das colonizações europeias pelo mundo.
O historiador português Armando Cortesão registrou diversas viagens portuguesas entre as viagens de Bartolomeu Dias e de Vasco da Gama. Essa aventuras marítimas que tinham a Índia como destino pretendido ajudaram a desenvolver toda uma nova gama de técnicas de construção de embarcações melhores e mais bem armadas. Assim nasceu o projeto do Galeão, inovação portuguesa bastante festejada, que portava todo um conjunto de canhões embarcados, famosos por intimidarem cidades inteiras com seu estrondo.
A essa altura, o trono português fora herdado por D. Manuel, igualmente determinado a fazer do Grande Plano português uma realidade. E a missão agora era fazer um acordo comercial com o Samorim de Calicute, o conhecido Senhor dos Oceanos.
A frota de Gama era composta por dois barcos “redondos”, invenção recente, uma caravela e um grande barco de carga, carregando mercadorias como: têxteis, chapéus de seda, peças de ferro e de bronze, pregos, contas de coral, pequenos sinos e outras bugigangas. Além de alimentos frescos a bordo.
Quanto aos marinheiros, apenas 56 retornaram com vida. Além destes, havia carpinteiros, capelães, músicos, um intérprete árabe e um grupo de condenados em liberdade condicional – jovens aristocratas presos, que aspiravam a liberdade após o retorno da missão em que se alistaram. Eram sempre os primeiros a desembarcarem após navios portugueses aportarem nalgum lugar. Álvaro Velho eram o cronista da frota.
Vasco partiu de Belém, em Lisboa, em 8 de julho de 1497. Uma semana após, chegaram às Canárias. Voltaram-se para o sul e alcançaram Cabo verde e 27 de julho. Reabasteceram-se de alimentos frescos. Na altura de Serra Leoa foram arremessados para o ocidente. Na costa do Brasil, no Cabo de Santo Agostinho, fizeram um arco até a altura da Argentina, onde pegaram ventos que os transportaram até o sul da África.
Contornado o continente, atingiram a Ilha de Moçambique, em 29 de março de 1498. Foi ali que Vasco travou seu primeiro contato com comerciantes árabes, que dominavam as costas do Índico. Foi também ali que Vasco avistou quatro barcos de “mouros brancos” – trucos e persas – lotados de ouro, prata, pregos, pimenta, gengibre, pérolas, safiras e rubis.
Os habitantes locais se vestiam túnicas de algodão listrado e turbantes. Quase todos eram islâmicos e falavam árabe fluentemente. Foram muito bem recebidos.
Na verdade os habitantes locais pensavam se tratarem de asiáticos do norte da Ásia, não de europeus. Quando o Samorim descobriu a verdadeira identidade deles mandou-os matar.
Mas os portugueses conseguiram escapar do motim e chegaram a Mombaça, sãos e salvos.
Sofrendo de escorbuto, foi-lhes oferecida grande quantidade de frutas cítricas. Condenados desembarcaram com cartas de saudação, assinadas por Vasco da Gama e logo foram recebidos por uma multidão curiosa e pelo xeque, que os convidou a seu palácio.
Ao deixarem o porto local, seus guias fugiram. Conseguiram capturar e seqüestrar a tripulação de um navio lotado de mercadorias. Os comandantes os guiaram até Melinde, onde foram recebidos pelo monarca da cidade. Lá, conseguiram que um navegador os fizessem atravessar o Índico, quando chegaram finalmente a Calicute, em 20 de maio de 1498.
O primeiro diálogo foi travado entre um condenado e dois habitantes locais:
- Que raios estão a fazer aqui?
- Viemos à procura de cristãos e de especiarias.
- Foram enviados pelo rei de Castela, de França ou pelo doge de Veneza?
- Fomos enviados pelo rei de Portugal. Ele não permite que outros reis enviem gente para aqui.
- Deus vos abençoe por terem aqui vindo.

O samorim deixou seu palácio de campo e foi ter com os portugueses, curioso com aqueles viajantes um tanto diferentes. Vasco foi recebido com honras. Desfilou pelas ruas, onde pessoas lhes saudavam e davam boas vindas. Tudo ao som de músicos hindus.
Quando levado à presença do samorim, vestido apenas com um dhoti de algodão e um gorro bordado, adornado com um cinto incrustado de ouro e rubis, além usar pulseiras de ouro, jóias, anéis de esmeralda e diamantes. Usava também brincos de rubis e pérolas.
Vasco saudou o samorim à maneira hindu. Este pediu que os portugueses se sentassem num banco e mandou que lhes trouxessem frutas.
O samorim perguntou a Vasco o que pretendiam ali. Vasco respondeu que estavam à procura de cristãos e desejavam comprar especiarias. O samorim deu-lhes as boas vindas e pediu que seus pilotos guiassem as embarcações portuguesas até um porto mais seguro.
No dia seguinte, Vasco enviou num barco a remo presentes ao samorim: 12 rolos de algodão listrado, quatro fios de corais, uma caixa de açúcar, dois barris de leite e mel.
O samorim inspecionou as ofertas e considerou-as ridículas: “O mais pobre mercador árabe oferece a Sua Majestade mais do que isto. Não se encontra aqui nada digno de um rei. Têm de lhe dar ouro.”  
Vasco da Gama conseguiu remediar o mal estar dizendo que eram presentes pessoais dele mesmo, não do rei de Portugal. Prometeu que o ouro logo chegaria.
Vasco exigiu outra audiência com o samorim. Lá chegando, Vasco proferiu uma sequência tão grande de insultos contra o samorim que até o intérprete se recusou a traduzi-las.   
Os conselheiros do samorim novamente disseram ser vergonhoso que os portugueses não tivessem nada digno do rei deles. Vasco respondeu que tinha muitas mercadorias para comercializar: trigo, vinho, ferro e cobre fundido.
Os desentendimentos entre Vasco e as autoridades de Calicute deram oportunidade a seus inimigos, os árabes. Estes já haviam percebido que a chegada daqueles portugueses representava uma grande ameaça a altamente lucrativo monopólio comercial. Ao saberem da péssima recepção dada às bugigangas portuguesas, logo fizeram troça daqueles mercadores pés-rapados.
A única coisa que alegrava os olhos dos hindus eram as embarcações portuguesas. Famílias inteiras subiam a bordo para conhecê-las. Vasco organizou uma recepção suntuosa, procurando cultivar uma certa simpatia com os habitantes locais.
A muito custo, os portugueses conseguiram transferir as mercadorias que trouxeram até o centro de Calicute. Um morador local, de origem tunisiana e chamado Monçaide procurou Vasco e disse-lhe que os árabes tinham conseguido convencer o samorim de que os portugueses eram piratas e ladrões; além de pretenderem atacar e saquear a cidade assim que surgisse uma chance. Os árabes também prometeram uma enorme soma de dinheiro se o samorim mandasse prender e decapitar Vasco e seu séquito.
Logo após os portugueses foram proibidos de retornar a seus navios. Vasco, astutamente, percebeu que havia uns 20 indianos a bordo. Alguns aguardando para almoçar com os portugueses – a maioria bem vestida, aparentando serem nobres locais. Vasco mandou detê-los a bordo e negociou a troca pelos portugueses presos pelos indianos.
Confusão desfeita, Vasco reclamou estar profundamente indignado por ter sido acusado injustamente de pirata de ladrão. Disse que zarparia para nunca mais regressar.
O samorim mandou entregar a Vasco uma carta endereçada à majestade de Portugal, em que dizia ter sido muito prazeroso conhecer sua delegação e que, se lhe enviassem ouro, teria enorme prazer em transacionar demais mercadorias (especiarias e jóias) com seus mercadores.    
De regresso, Vasco teve de enfrentar uma série de tragédias. Dois terços de seus homens morreram de febre e de escorbuto. Restaram tão poucos homens que tiveram de abandonar dois de seus quatro navios. Não sem antes queimá-los, evitando assim que fossem capturados e se descobrissem seus segredos de engenharia.
A chegada a Lisboa teve recepção monumental. D. Manuel mandou que se tocassem todos os sinos de todas as igrejas do país. Também não demorou a mandar organizar outra frota, ainda maior do que a de Vasco, a fim de acertar os detalhes do acordo comercial a ser firmado com o samorim de Calicute. É aqui que entrará Pedro Álvares Cabral e sua frota espetacular, no mesmo contexto do “descobrimento” do Brasil.
Os barcos que retornaram com Vasco da Gama trouxeram especiarias como: canela, cravos-da-índia, pimenta, gengibre, noz-moscada, bálsamo, âmbar, almíscar, pérolas, rubis e muitas outras pedras preciosas. Embora pequeno, aquele carregamento tinha valor de mercado 60 vezes superior ao custo de toda a expedição.
Vasco não estava no meio daquela recepção festiva. Seu irmão mais velho tinha contraído febre e estava bastante abatido. Vasco o levou aos Açores, onde julgava que os bons ares ajudariam na sua recuperação. Mas não surtiu efeito, Paulo logo morreu.
Poucos anos após, Vasco da Gama foi nomeado Vice-Rei da Índia. Recebeu como prêmio por seus feitos espetaculares: sua vila natal, Sines; uma pensão anual de 30 mil réis em ouro – valendo também para seus herdeiros; 200 cruzados de especiarias por viagem; direito a embarcar gratuitamente em navios da frota real; direito a cobrar taxas de ancoradouro ao longo de toda a costa indiana. Tornou-se também o conde de Vidigueiras. Sua irmã e seu irmão mais novo foram nomeados nobres e passaram a receber pensão também.
Vasco morreu em 1524.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A primeira aldeia global”
    

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