Falante do idioma árabe, confiável e leal, Covilhã parecia
ser o homem perfeito para a missão delegada pelo rei de Portugal: “tentar
encontrar as fontes de canela e de outras especiarias do Oriente, bem como a
rota utilizada para as faze chegar a Veneza”. Tinha 40 anos àquela altura e
fora agraciado como cavaleiro da Guarda Real.
Recebeu, antes, cursos intensivos nas matérias que lhe
poderiam ser úteis: cosmografia, geografia e outras afins. Tudo ocorreu em
Santarém, pois em Lisboa poderia atrair a curiosidade de estrangeiros.
Em maio de 1487, Pêro deixou Santarém atrás e si e pôs-se a
caminho das Índias. Levava 400 cruzados e uma carta de crédito valida para
qualquer parte do mundo, garantida pelo banco dos Médici, em Florença.
Ao saber dos planos portugueses, o papa Júlio avisou
Portugal para que não enviasse delegação comercial ao Egito, pois este estava
na esfera de influência de Veneza. Covilhã teve de se disfarçar para não
levantar suspeitas.
Chegando a Alexandria, principal porto escoador de
mercadorias em direção a Veneza, Lá, Pêro pretendia comerciar o carregamento de
mel que levava consigo. Contraiu uma febre muito forte, foi dado como morto,
seu carregamento foi apreendido e vendido pelo emir da cidade. Mas ao se
recuperar, Pêro foi indenizado pelo mel perdido e usou esses recursos para
continuar sua missão.
No Cairo, Pêro teve contato com mercadores indianos.
Conseguiu embarcar numa caravana proveniente do Marrocos em direção ao Iêmen.
Chegaram a Suez cinco dias depois e chegaram a Tor, importante entreposto
comercial no meio da rota Oriente-Ocidente.
Embarcou numa canoa local, que chamavam de dhow, em direção
à costa ocidental da Índia. Em Adem, na Pérsia, maravilhou-se com a riqueza do
porto local. O mercado contava com gengibres e especiarias em abundância. Soube
também que aquilo tudo não era nada comparado a Calecute, mais ao sul.
Chegou a Calecute em 1488, no Natal. Era a capital do reino
Samorim. Embora o porto em si fosse bastante primitivo, a abundância material
impressionava. O rei tinha mãos e pés recheados de rubis e jóias. Era levado em
procissão numa padiola revestida de ouro, rodeado por cortesãos brâmanes,
perfumadíssimos e montando elefantes, eles também adornados por pedras
preciosas.
Os muçulmanos que lá viviam haviam obtido autorização do ei
para viverem em seu enclave de maneira bastante autônoma – vivendo sob a
sharia, com juízes próprios. Era um local muito freqüentado por mercadores do
Ceilão, Coromandel, Birmânia, Malaca, Sumatra, Bengala e Borneu.
Os preços eram elevados para quase todas as mercadorias.
Pêro se impressionou com a pimenta cultivada localmente, cânfora, goma-lasca,
noz-moscada, tamarindo, canela, porcelana chinesa, diamantes, safiras, rubis e
pérolas.
As mercadorias eram adquiridas mediante outras, desejadas
pelos comerciantes locais. Os mercadores árabes se dirigiam a Calecute
carregados de copra, mercúrio, terra-de-siena queimadas e demais pigmentos,
coral vermelho, açafrão, água de rosas, painéis de madeira pintada, facas,
prata e ouro.
Pêro então tomou o rumo de Goa. Nem de longe tinha os
atrativos de Calecute, mas era o local ideal para os portugueses fixarem um
entreposto comercial na Índia. Era uma ilha nas mãos de muçulmanos. Era mais
factível expulsar uns poucos muçulmanos do que atacar reinos hindus altamente
militarizados.
A tarefa seguinte de Pêro era igualmente importante. O rei
português sabia que a África era cercada por água - não se estendia até a
China. Portanto haveria uma passagem ao sul daquele continente, abrindo
passagem até o Oriente.
A tarefa de encontrar essa passagem foi delegada a
Bartolomeu Dias. Cabia a Pêro achar a rota que levaria daquele ponto ao sul da
África até a fonte das desejadas especiarias.
Em 1489, Covilhã chegou ao Cairo, depois de viajar por
Moçambique, Melinde e Mombaça. Trazia consigo cartas marítimas, mapas
terrestres, medições feitas em astrolábios. Tudo isso foi entregue ao
mensageiro do rei, o rabino Abraão – a escolha de um rabino para essa missão se
deve à facilidade que tinham de se passarem por mercadores árabes, sem levantar
suspeitas. O rabino regressou a Portugal dois anos antes de Colombo se fazer ao
mar a partir de Cádis.
Por seu turno, Bartolomeu Dias partiu de Lisboa em 1487, no
comando de três caravelas. Aportou em Elizabeth Bay, em 26 de dezembro do mesmo
ano. Dez dias depois, uma tempestade colossal arremessou os barcos em direção
ao sul por vários dias.
Após retomar o controle das naus, Bartolomeu seguiu para o
leste, pretendendo alcançar a costa novamente. Não tendo sucesso, mudou o rumo
para norte. Alguns dias após, alcançou a costa pretendida. Interessante notar
que em momento algum Bartolomeu avistou o Cabo das Tormentas – ou da Boa
Esperança -, embora o tenha contornado.
Desembarcaram numa baía, onde encontraram alguns vaqueiros.
Embora contasse com intérpretes oriundos do Congo, estes não conseguiram
estabelecer contato com aquelas pessoas. Após se retirarem, os vaqueiros retornaram
armados de lanças e atacaram a tripulação. Chamara o lugar de Baía dos
Vaqueiros.
Seguiram viagem até um ponto a que chamara Rio do Infante.
Exaustos, os marinheiros exigiram o retorno à casa. Bartolomeu tomou tal
decisão e fizeram meia volta. Desembarcaram em Portugal pouco antes da chegada
do rabino Abraão.
Após cotejar ambos os roteiros – de Dias e de Covilhã -,
pode o rei perceber que se completavam com coerência. Tinham agora a rota
completa, de Portugal às Índias.
Pêro de Covilhã não viria a por seus pés em Portugal
novamente. O rabino após receber todas a documentação recolhida pelo espião, o
incumbiu de uma nova missão: encontrar o lendário Preste João. Trata-se de uma
lenda européia que já datava de dois séculos então.
Quando os muçulmanos devastavam reinos europeus, um após o
outro, levando suas fronteiras cada vez mais ao norte (chegaram a fincar os pés
a meros oito quilômetros de Paris), crescia dentre os cristão a esperança de
que um lendário imperador cristão, chamado Prete João, o maior rei do Oriente,
lançasse seus exércitos pela retaguarda muçulmana, permitindo assim que os
cristãos fortalecessem suas resistências.
Mesmo não havendo qualquer registro da existência desse
monarca, tornou-se mito, um quase-Deus. Em 1185, em Viena, publicou-se um mapa
com a descriçãod e seu suposto reino. Era referenciado como o Grande Senhor de
Todas as Índias – rei de dezenas de reis.
A descrição de seu palácio era magnífica: palácio de
cristal, soalhos de mosaicos de pedras preciosas, telhado sustentado por
pilares de ouro. O pátio abrigava uma fonte da juventude eterna. Seu trono era
de ouro, estava rodeado por leões, tigres, lobos etc etc.
Mas o que mais interessava para um futuro contato eram suas
forças militares: 10 mil soldados de cavalaria e 100 mil de infantaria, cada
qual com sua cruz numa mão e a espada noutra. Embora lenda, muitos crêem que
foi essa crença que deu forças para que os europeus resistissem ao islamismo.
Durante uma conferência ecumênica, ocorrida em Florença em
1439, o rei português travou contato com uma delegação de abissínios negros que
se diziam governados por um rei-sacerdote chamado João, o Presbítero. Essa
informação foi mais tarde confirmada por um grupo de sacerdotes abissínios a um
diplomata português, embora agora dissessem que o nome do tal monarca era Lucas
Marcos.
Suspeitando que a localização do tal reino ficasse nas
proximidades da nascente do Rio Nilo, o monarca português fez embarcar numa das
caravelas comandadas por Bartolomeu Dias um casal de congoleses, que foram
desembarcados numa praia do Zaire. Seguiram em direção ao interior do
continente, retornaram anos depois mas sem encontrarem qualquer pessoa que
tivesse ouvido falar no Rio Nilo.
Em 1515, sem que Covilhã tivesse ainda retornado de sua
jornada, exploradores portugueses haviam subido a costa da África oriental e foram
informados sobre a localização aproximada do tal reino cristão.
Um padre, chamado Francisco, desembarcou próximo ao mar
Vermelho. Levava uma carta do rei, D. Manuel, endereçada ao rei abissínio e
presentes: crucifixos, tapeçarias descrevendo passagens da Bíblia, punhais
encrustados com jóias, um órgão de igreja portátil...
Padre Francisco dera início a uma jornada de quatro meses
caminhando por vales e montanhas. Até seu guia morreu no meio do caminho, além
de um embaixador português. Escapou de emboscadas, foi levado a um mosteiro
cujo monge não havia retornado há anos, foi assaltado e quase linxado...
Finalmente chegou à capital do reino almejado. Foi abrigado
pelo rei, alimentado. Após uma longa espera, foi informado de que Pêro de
Covilhã vivia numa mansão enorme ali perto. Encontrou-o, Francisco,
proprietário de vastas terras, vivendo com incontáveis mulheres, possuía
cavaleiros e escudeiros, cavalos, cães de caça... Fazia 15 anos que Covilhã não
via um português.
Aproveitou, Covilhã, a ocasião para se confessar e pedir
perdão pelos seus pecados. Francisco pediu que Covilhã retornasse a Portugal e
retomasse seu matrimônio cristão com sua esposa. Foi quando Covilhã revelou que
se encontrava em prisão domiciliar. Francisco retornou à casa de mãos vazias.
Mas foi essa aventura portuguesa em busca de um mito que os
levou a descobrir enormes montas de ouro no lado Oriental do continente
africano, em minas que batizaram de minas do rei Salomão.
Sagazmente, foram mantidas em segredo do resto das nações
européias, mantendo assim seus lucros extraordinários a salvo.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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