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terça-feira, 29 de agosto de 2017

PÊRO DE COVILHÃ – O ESPIÃO A SERVIÇO DE EL REY


Falante do idioma árabe, confiável e leal, Covilhã parecia ser o homem perfeito para a missão delegada pelo rei de Portugal: “tentar encontrar as fontes de canela e de outras especiarias do Oriente, bem como a rota utilizada para as faze chegar a Veneza”. Tinha 40 anos àquela altura e fora agraciado como cavaleiro da Guarda Real.

Recebeu, antes, cursos intensivos nas matérias que lhe poderiam ser úteis: cosmografia, geografia e outras afins. Tudo ocorreu em Santarém, pois em Lisboa poderia atrair a curiosidade de estrangeiros.

Em maio de 1487, Pêro deixou Santarém atrás e si e pôs-se a caminho das Índias. Levava 400 cruzados e uma carta de crédito valida para qualquer parte do mundo, garantida pelo banco dos Médici, em Florença.
Ao saber dos planos portugueses, o papa Júlio avisou Portugal para que não enviasse delegação comercial ao Egito, pois este estava na esfera de influência de Veneza. Covilhã teve de se disfarçar para não levantar suspeitas.

Chegando a Alexandria, principal porto escoador de mercadorias em direção a Veneza, Lá, Pêro pretendia comerciar o carregamento de mel que levava consigo. Contraiu uma febre muito forte, foi dado como morto, seu carregamento foi apreendido e vendido pelo emir da cidade. Mas ao se recuperar, Pêro foi indenizado pelo mel perdido e usou esses recursos para continuar sua missão.

No Cairo, Pêro teve contato com mercadores indianos. Conseguiu embarcar numa caravana proveniente do Marrocos em direção ao Iêmen. Chegaram a Suez cinco dias depois e chegaram a Tor, importante entreposto comercial no meio da rota Oriente-Ocidente.

Embarcou numa canoa local, que chamavam de dhow, em direção à costa ocidental da Índia. Em Adem, na Pérsia, maravilhou-se com a riqueza do porto local. O mercado contava com gengibres e especiarias em abundância. Soube também que aquilo tudo não era nada comparado a Calecute, mais ao sul.

Chegou a Calecute em 1488, no Natal. Era a capital do reino Samorim. Embora o porto em si fosse bastante primitivo, a abundância material impressionava. O rei tinha mãos e pés recheados de rubis e jóias. Era levado em procissão numa padiola revestida de ouro, rodeado por cortesãos brâmanes, perfumadíssimos e montando elefantes, eles também adornados por pedras preciosas.

Os muçulmanos que lá viviam haviam obtido autorização do ei para viverem em seu enclave de maneira bastante autônoma – vivendo sob a sharia, com juízes próprios. Era um local muito freqüentado por mercadores do Ceilão, Coromandel, Birmânia, Malaca, Sumatra, Bengala e Borneu.

Os preços eram elevados para quase todas as mercadorias. Pêro se impressionou com a pimenta cultivada localmente, cânfora, goma-lasca, noz-moscada, tamarindo, canela, porcelana chinesa, diamantes, safiras, rubis e pérolas.

As mercadorias eram adquiridas mediante outras, desejadas pelos comerciantes locais. Os mercadores árabes se dirigiam a Calecute carregados de copra, mercúrio, terra-de-siena queimadas e demais pigmentos, coral vermelho, açafrão, água de rosas, painéis de madeira pintada, facas, prata e ouro.

Pêro então tomou o rumo de Goa. Nem de longe tinha os atrativos de Calecute, mas era o local ideal para os portugueses fixarem um entreposto comercial na Índia. Era uma ilha nas mãos de muçulmanos. Era mais factível expulsar uns poucos muçulmanos do que atacar reinos hindus altamente militarizados.

A tarefa seguinte de Pêro era igualmente importante. O rei português sabia que a África era cercada por água - não se estendia até a China. Portanto haveria uma passagem ao sul daquele continente, abrindo passagem até o Oriente.

A tarefa de encontrar essa passagem foi delegada a Bartolomeu Dias. Cabia a Pêro achar a rota que levaria daquele ponto ao sul da África até a fonte das desejadas especiarias.

Em 1489, Covilhã chegou ao Cairo, depois de viajar por Moçambique, Melinde e Mombaça. Trazia consigo cartas marítimas, mapas terrestres, medições feitas em astrolábios. Tudo isso foi entregue ao mensageiro do rei, o rabino Abraão – a escolha de um rabino para essa missão se deve à facilidade que tinham de se passarem por mercadores árabes, sem levantar suspeitas. O rabino regressou a Portugal dois anos antes de Colombo se fazer ao mar a partir de Cádis.

Por seu turno, Bartolomeu Dias partiu de Lisboa em 1487, no comando de três caravelas. Aportou em Elizabeth Bay, em 26 de dezembro do mesmo ano. Dez dias depois, uma tempestade colossal arremessou os barcos em direção ao sul por vários dias.

Após retomar o controle das naus, Bartolomeu seguiu para o leste, pretendendo alcançar a costa novamente. Não tendo sucesso, mudou o rumo para norte. Alguns dias após, alcançou a costa pretendida. Interessante notar que em momento algum Bartolomeu avistou o Cabo das Tormentas – ou da Boa Esperança -, embora o tenha contornado.

Desembarcaram numa baía, onde encontraram alguns vaqueiros. Embora contasse com intérpretes oriundos do Congo, estes não conseguiram estabelecer contato com aquelas pessoas. Após se retirarem, os vaqueiros retornaram armados de lanças e atacaram a tripulação. Chamara o lugar de Baía dos Vaqueiros.
Seguiram viagem até um ponto a que chamara Rio do Infante. Exaustos, os marinheiros exigiram o retorno à casa. Bartolomeu tomou tal decisão e fizeram meia volta. Desembarcaram em Portugal pouco antes da chegada do rabino Abraão.

Após cotejar ambos os roteiros – de Dias e de Covilhã -, pode o rei perceber que se completavam com coerência. Tinham agora a rota completa, de Portugal às Índias.

Pêro de Covilhã não viria a por seus pés em Portugal novamente. O rabino após receber todas a documentação recolhida pelo espião, o incumbiu de uma nova missão: encontrar o lendário Preste João. Trata-se de uma lenda européia que já datava de dois séculos então.

Quando os muçulmanos devastavam reinos europeus, um após o outro, levando suas fronteiras cada vez mais ao norte (chegaram a fincar os pés a meros oito quilômetros de Paris), crescia dentre os cristão a esperança de que um lendário imperador cristão, chamado Prete João, o maior rei do Oriente, lançasse seus exércitos pela retaguarda muçulmana, permitindo assim que os cristãos fortalecessem suas resistências.

Mesmo não havendo qualquer registro da existência desse monarca, tornou-se mito, um quase-Deus. Em 1185, em Viena, publicou-se um mapa com a descriçãod e seu suposto reino. Era referenciado como o Grande Senhor de Todas as Índias – rei de dezenas de reis.

A descrição de seu palácio era magnífica: palácio de cristal, soalhos de mosaicos de pedras preciosas, telhado sustentado por pilares de ouro. O pátio abrigava uma fonte da juventude eterna. Seu trono era de ouro, estava rodeado por leões, tigres, lobos etc etc.

Mas o que mais interessava para um futuro contato eram suas forças militares: 10 mil soldados de cavalaria e 100 mil de infantaria, cada qual com sua cruz numa mão e a espada noutra. Embora lenda, muitos crêem que foi essa crença que deu forças para que os europeus resistissem ao islamismo.

Durante uma conferência ecumênica, ocorrida em Florença em 1439, o rei português travou contato com uma delegação de abissínios negros que se diziam governados por um rei-sacerdote chamado João, o Presbítero. Essa informação foi mais tarde confirmada por um grupo de sacerdotes abissínios a um diplomata português, embora agora dissessem que o nome do tal monarca era Lucas Marcos.

Suspeitando que a localização do tal reino ficasse nas proximidades da nascente do Rio Nilo, o monarca português fez embarcar numa das caravelas comandadas por Bartolomeu Dias  um casal de congoleses, que foram desembarcados numa praia do Zaire. Seguiram em direção ao interior do continente, retornaram anos depois mas sem encontrarem qualquer pessoa que tivesse ouvido falar no Rio Nilo.

Em 1515, sem que Covilhã tivesse ainda retornado de sua jornada, exploradores portugueses haviam subido a costa da África oriental e foram informados sobre a localização aproximada do tal reino cristão.

Um padre, chamado Francisco, desembarcou próximo ao mar Vermelho. Levava uma carta do rei, D. Manuel, endereçada ao rei abissínio e presentes: crucifixos, tapeçarias descrevendo passagens da Bíblia, punhais encrustados com jóias, um órgão de igreja portátil...

Padre Francisco dera início a uma jornada de quatro meses caminhando por vales e montanhas. Até seu guia morreu no meio do caminho, além de um embaixador português. Escapou de emboscadas, foi levado a um mosteiro cujo monge não havia retornado há anos, foi assaltado e quase linxado...

Finalmente chegou à capital do reino almejado. Foi abrigado pelo rei, alimentado. Após uma longa espera, foi informado de que Pêro de Covilhã vivia numa mansão enorme ali perto. Encontrou-o, Francisco, proprietário de vastas terras, vivendo com incontáveis mulheres, possuía cavaleiros e escudeiros, cavalos, cães de caça... Fazia 15 anos que Covilhã não via um português.

Aproveitou, Covilhã, a ocasião para se confessar e pedir perdão pelos seus pecados. Francisco pediu que Covilhã retornasse a Portugal e retomasse seu matrimônio cristão com sua esposa. Foi quando Covilhã revelou que se encontrava em prisão domiciliar. Francisco retornou à casa de mãos vazias.

Mas foi essa aventura portuguesa em busca de um mito que os levou a descobrir enormes montas de ouro no lado Oriental do continente africano, em minas que batizaram de minas do rei Salomão.

Sagazmente, foram mantidas em segredo do resto das nações européias, mantendo assim seus lucros extraordinários a salvo.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”  

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