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terça-feira, 8 de agosto de 2017

PORTUGAL – A ROMA DO ATLÂNTICO – PARTE 1


Na aldeia portuguesa de Almoçageme, a 40 minutos de Lisboa, encontram-se as ruínas de uma casa. Este era o ponto mais ocidental do Império Romano.

Nos primeiros séculos da era de Cristo, um grupo de turistas romanos veio a essa região e relatou ter avistado deusas e ninfas do mar, dançando numa gruta. Essa experiência foi de tal maneira arrebatadora que escreveram uma carta ao imperador Tibério, que se encontra preservada nos arquivos públicos de Edimburgo.

Foram necessários 200 anos de guerras ininterruptas para que os romanos “pacificassem” as terras agora batizadas de Lusitânia, cujas fronteiras não se diferenciavam muito do atual Portugal.

Aos soldados romanos que se decidiram por permanecer naquelas terras, somaram-se italianos desejosos de por lá estabelecerem seus lares.

Diversas escavações em sítios romanos têm revelado traços do passado, insculpido por exemplo na ponte situada na estrada que liga Sintra a Mafra, ainda hoje utilizada. A igreja paroquial de Egitânia, atual Idanha-a-Velha, na estrada entre Mérida e Viseu é um templo romano alterado.

Norte americanos investiram mais de 28 anos tentando reconstruir o dia-a-dia numa vila da Roma Lusitânia: um bairro residencial, com casas dos italianos, dos servos e dos escravos lusitanos e a zona industrial, com oficinas e armazéns diversos.

Em São Cucufate, no Baixo Alentejo, existe uma mansão rural que se mantém em excelente estado de conservação após 1500 anos de sua construção.

Em Lisboa, o enorme teatro romano se encontra apenas parcialmente escavado, mas em ótimo estado de conservação. Conímbria, termas romanas ao sul de Coimbra, escavações revelam boa parte da cidade.

Mas a joia da coroa é Mérida. Fundada pelo imperador Augusto, nomeada capital da Lusitânia, é hoje território espanhol, mas pode ser alcançada por meio de uma ponte sobre o rio Guadiana, construída em 25 d.C.

As terras de Lusitânia contavam ainda com um circo de 15 mil lugares, onde se assistiam às lutas entre gladiadores, entre si ou contra animais selvagens. O local foi concebido para que pudesse ser alagado e, ali, fossem encenadas batalhas navais, usando miniaturas de galés romanas.

O teatro de Mérida foi construído há quase 2 mil anos, com capacidade para 6 mil pessoas. Além de estátuas de deuses romanos e templos, conta com passeios que acessam lojas - padaria, ourivesaria – e que ligam a ruínas de mansões. O museu romano de Mérida completa a lista de preciosidades e ajuda a revelar o funcionamento de uma padaria romana.

Apenas a região da Galiza, na Espanha, revela influências tão importantes da cultura romana. E ali a influência dos romanos sobre a ascendência portuguesa se mostrou decisiva. A língua portuguesa, a exemplo do galego, língua da qual o português evoluiu e ainda muito afim, é mais próxima do latim do que das línguas românicas.

A aldeia de Almoçageme segue o modelo romano de urbanização:a um fórum central – local de conversas entre homens e onde as feiras ocorriam normalmente -, uma igreja, uma escola, um café, um ginásio, além do edifício do quartel dos bombeiros voluntários.

O direito português foi erigido sobre o direito romano, diferente dos demais países europeus, mais influenciados pelo Código Napoleônico do início do século XIX.

Tal influência foi decisiva quando os visigodos, originados da Germânia, Atal Alemanha, tentaram impor o sistema jurídico teutônico, usando a conversão ao catolicismo como moeda de troca, mas culminou numa rebelião que abriu as portas da região aos mouros, que terminaram por tomar o poder para si. Após a expulsão dos mouros, os lusitanos retomaram o sistema jurídico romano.

Primeira nação cristã da Europa, ainda hoje Portugal perde apenas para a Irlanda em número de católicos no continente. A maior parte das demais adotou o inflexível protestantismo.

A arquitetura romana se mostrou influente também. Muitas das mais belas igrejas do país foram por ela influenciadas.  

Na cozinha, a influência romana está presente no pato com laranja ou azeitonas, além do cozidos à portuguesa (à base de enchidos e couve, era a alimentação regular dos legionários. Com pequenas alterações, foi o alimento dos escravos africanos traficados para as Américas – deu origem à “soul food”.
Também foram os romanos que introduziram o prato de peixe frito envolvido em ovos e farinha – tempura -, que mais tarde os portugueses levaram para o Japão.

A conservação de peixe à base de sal, salgando-o e secando-o, deu origem ao bacalhau. Embora contassem com enormes quantidades de peixe nas suas costas, os portugueses se deslocaram a águas distantes, na Terra Nova, á procura do peixe que é um símbolo do país.

Revele-se que a entrada da Noruega na União Européia fracassou devido à insistência dos portugueses de terem acesso à sua quota da pesca do bacalhau. São peixes importados da Escandinávia e da Inglaterra.

Interessante notar que o sentido de nacionalidade para os portugueses se diferencia dos demais europeus, em grande medida por influência romana, também. Enquanto os espanhóis demonstram apego à árvore genealógica e ao mapeamento de antepassados até, pelo menos, a terceira geração; e os ingleses se baseiam na etnia “anglo-saxã”, no local do nascimento; os portugueses mantém a cultura romana de se apegar ao estado de espírito, à maneira de ser: o que conta mesmo é a cultura. Foi esse modo de encarar a nacionalidade que permitiu a ascensão de importantes figuras do império sem origem italiana.

A maioria dos portugueses se orgulha de uma pretensa ausência de discriminação racial na sociedade, da permissão de casamentos inter-raciais. E, geralmente, é o cônjuge não português quem se integra à sociedade portuguesas, seja ele indiano, africano, chinês, inglês, alemão...

Ao contrário do separatismo introduzido pelos ingleses, os portugueses cultivaram relacionamentos na Índia. E mais: caso o português se recusasse, o Estado o obrigava a assumir eventuais paternidades e a educação dos filhos concebidos. São eles: sino-europeus em Macau ou Hong Kong, purghers do Sri-Lanka, indianos de Goa ou Bombaim.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “A Primeira Aldeia Global”

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