Quando regressava à Europa desde Jerusalém, em 1126, Hughes
de Paynes estava à procura de homens, dinheiro e da bênção papal. Queria fundar
uma nova ordem militar ao lado de outro cavaleiro cristão, Godofredo de
Saint-Aumer: a Ordem do Templo. Seu objetivo era a proteção da igreja em
Jerusalém, onde se cria existia o Templo de Salomão, e dos peregrinos que para
lá se deslocavam. Mas esse objetivo somente seria posto em prática uma geração
após.
Inicialmente os templários se dedicaram à construção daquilo
que seria o molde dos futuros Estados cristãos: Portugal. Em nenhum lugar ela
foi mais relevante; afinal, após sua extinção em todo o mundo, sobreviveu em
Portugal até o século XIX, por meio da Ordem de Jesus.
A Ordem do Templo se tornou a instituição mais rica do mundo
ocidental, mais rica do que qualquer monarquia. Mais rica do que a Igreja,
mesmo.
Para seu intento, Hughes viajou até Borgonha, nação mais
rica do ocidente então, era um entroncamento comercial e intelectual na Europa.
Lá, obteve a ajuda de um monge, Bernardo, abade de Claraval. Era um religioso
altamente prestigiado, fulcral quando se tratava de eleições de papas. Ao
contrário de muitos monges que se regalavam e banqueteavam alimentos raros e
caros, Bernardo abriu mão de toda sua fortuna, própria de filhos de
aristocratas.
O mosteiro construído por Bernardo prezava o despojamento.
Os monges dormiam sobre palhas, em dormitórios sem aquecimento e dividiam o dia
entre orações e trabalhos extenuantes. A alimentação era restrita a legumes
cozidos. Sonhava livrar a Igreja da imoralidade. Pregava contra a discriminação
de judeus e promovia o respeito às mulheres por meio da veneração a Virgem
Maria.
Não se sabe ao certo quem, e em que momento, decidiu fundar Portugal,
uma nação cristã fundada no flanco ocidental do império do islã. Mas três
séculos mais tarde, quando Portugal já ocupava o lugar de nação mais rica da
Europa, foi o desejo de São Bernardo de conquistar o Marrocos que levou a
eminente nação à flagrante derrota que o submeteu a duas gerações de submissão
à coroa espanhola.
Foram fatos como os
acima descritos que sempre levantaram suspeita sobre o real objetivo da nova Ordem:
não seria a proteção de peregrinos, mas a guerra contra os árabes muçulmanos.
Como alicerce moral – afinal, era diametralmente oposto aos ensinamentos de
Deus matar homens, ainda que num contexto de guerras religiosas – recordou os
ensinamentos de Santo Agostinho, que afirmava que guerras ordenadas por Deus ou
por uma autoridade legítima eram justas.
A fundação da Ordem do Templo ocorreu em 1128, na cidade de
Troyes. Seis semanas depois, Hughes e um grupo de cavaleiros empossados
chegaram a Portucale – terras da família de Bernardo, banhadas pelo Atlântico,
recebidas de D. Afonso por ter doado soldados para as guerras de expulsão dos
árabes.
Inicialmente, Hughes e seu cavaleiros tomaram um castelo dos
berberes no local onde fica atualmente Leiria, no estuário do Lis. Eram menos
cavaleiros do que bandidos que faziam incursões em território inimigo e os
faziam escravos.
Nesse período, ficou muito famoso um cavaleiro chamado de
Geral Sem-Pavor. Escalava os muros das cidades muçulmanas à noite, sem ser
visto, criava uma algazarra tal que fazia parecer aos inimigos que se tratava
de um regimento completo e fugiam. Somente foi capturado pelos castelhanos quando
do ataque a Badajoz, cidade na fronteira com Portugal. Capturado, após escapar
alistou-se nas tropas muçulmanas. Em razão do grande sucesso de seus feitos
contra cidades cristãs, recebeu um feudo no norte da África.
Por volta de 1147, a situação dos cristãos era péssima.
Avanços muçulmanos pareciam incontíveis. Nesse contexto, São Bernardo e o papa
Eugénio III deram largada à Segunda Cruzada.
Mais tarde, o rei Afonso Henriques de Portugal, primo de São
Bernardo, e Hughes de Paynes conduziram seus homens até Santarém, às margens do
rio Tejo. Mandaram avisar ao governador muçulmano que tinha apenas três dias
para se render. Ignorados, encostaram uma escada no muro da cidade, três
conseguiram matar os soldados da murada e alcaçaram o portão, que abriram,
permitindo a entrada dos demais soldados. Deram início a um banho de sangue que
vitimou quase toda a população local.
D. Afonso legou aos cavaleiros todas as igrejas de Santarém.
O sucesso da empreitada levou pessoas de toda a Europa a se alistarem na Ordem.
Foram mais de 3 mil homens.
Foram transportados em 164 navios com destino a Jerusalém.
No entanto, no Golfo de Biscaia foram vitimados por uma tempestade. Aportaram
no Porto e lá foram instados por D. Afonso a ajudar-lhes na conquista de
Lisboa. Essa empreitada bem sucedida, em 1147, foi a única vitória relevante da
Segunda Cruzada. Seu relato se encontra na biblioteca da Faculdade Corpus
Christi, em Cambridge. Lisboa, finalmente, após 400 anos, estava franqueada aos
norte-europeus. Era a cidade comercial mais rica da Europa.
Após a chegada dos cavaleiros triunfantes, a população de
Lisboa superou as 150 mil pessoas. Naquela época, Paris contava 50 mil
habitantes, enquanto Londres não possuía mais do que 30 mil. Tinha ali
residência aristocratas de todo Portugal, comerciantes e mercadores da Espanha
e da África. Lisboa era inteiramente murada, tendo de um lado o Atlântico, de
outro, seus subúrbios. Os novos governantes ficaram espantados com a quantidade
e qualidade dos campos que rodeavam a cidade. Ouro, prata, ferro, frutas,
vinhas, azeitona tudo em abundância e qualidade. O sal consumido vinha de depósitos
subterrâneos. Figos estragavam no chão. A caça era abundante, o ar, saudável.
Éguas se reproduziam nos pastos. Os peixes tirados do Tejo eram tanto que se
dizia que o rio era constituído 2/3 de água e 1/3 de peixes e mariscos.
No entanto, os normandos, ingleses e franceses que tomaram
parte na invasão de Lisboa queriam ficar com todos os bens que conseguissem carregar,
nada deixando aos portugueses. D. Afonso cedeu aos pedidos, afinal desejava
mais do que qualquer cosia expulsar os muçulmanos dos domínios que tanto
almejava. Aceitou a cidade totalmente espoliada e saqueada pelos norte-europeus
daquela cruzada. Lorde Saher de Archelle foi o comandante dos
cavaleiros-saqueadores.
Iniciando os ataques às nove horas da manhã, com uma chuva de
pedras prontamente respondida, passaram aos ataques com flechas e lanças e, ao
anoitecer, os moçárabes bateram em retirada dos subúrbios.
Os dias seguintes viram uma guerra verbal. Cristãos gritavam
que Maomé era filho de uma prostituta, ao mesmo em tempo que os muçulmanos
cuspiam e urinavam em crucifixos e os lançavam contra os inimigos.
Cavaleiros alemães tentaram escavar um túnel por baixo da
muralha. Foram repelidos. Cavaleiros franceses construíram uma torre móvel.
Ficou atolada e os árabes a atacaram até que a incendiaram completamente.
As relações entre cavaleiros normandos, alemães e ingleses
azedaram de vez. Foi quando surgiu o boato de que na missa rezada no
acampamento alemão, a h´[ostia se transformara num pedaço de carne
ensanguentada. Entenderam que Deus apelava a seus instintos sanguinários.
As lutas ficaram mais renhidas. Um dia, os ingleses atacaram
a margem sul de Almada. Regressaram com 200 prisioneiros e mais de 80 cabeças
cortadas. Empalaram as cabeças em lanças e as arremessaram para o interior de
Lisboa.
A cidade era densamente povoada. Não havia cemitérios. A
cada dia a situação lá ficava mais insuportável com cheiros de mortos e falta
de alimentos. Quando alguém saía em busca de alimentos, era capturado e morto.
A cada dia mais residentes se bandeavam para o lado dos cristãos.
Após 15 semanas, os alemães conseguiram fazer o túnel
subterrâneo pretendido. Puseram fogo e, ao amanhecer, 65 metros de muralha
vieram abaixo. Após longo embate corpo a corpo, os árabes conseguiram
permanecer no seu território. Mais uma torre foi construída, protegida com couro
de boi. Mais alguns dias de sofrimento e angústia de lado a lado e os árabes
depuseram armas e se entregaram. Não aguentavam mais, queiram a trégua.
Cinco representantes muçulmanos saíram para negociar a
rendição. A avidez com que alemães, flamengos, ingleses e normandos se lançavam
sobre os espólios causou repulsa nos portugueses. Após recolherem tudo o que
havia sido entregue pela população, empreenderam buscas em casas e lojas,
saqueavam o que encontravam e decapitavam quem escondesse qualquer coisa. Decidiu-se
que o rei de Lisboa e sua família poderiam ficar com seus bens, e isso deixou
muitos cavaleiros fulos.
Após a abertura dos portões, os cavaleiros adentraram com
ainda mais ódio e mais sangue foi derramado. Nas palavras do capelão dos
cavaleiros cristãos temerosos a Deus:
“Ah, como todos exultaram! Ah, como todos estavam
verdadeiramente orgulhosos! Ah, que quantidade de lágrimas, de alegria e de
piedade, foram derramadas, quando, para honra e louvor de Deus e da Santíssima
Virgem Maria, a insígnia da Cruz salvadora foi colocado sobre a mais alta torre
da cidade como penhor da sua submissão, enquanto o nosso arcebispo e o nosso
bispo, acompanhados pelo clero, entoaram, em lágrimas e repletos de júbilo, o
Te Deum Laudamus.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A Primeira Aldeia Global”
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