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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

PORTUGAL E OS CAVALEIROS TEMPLÁRIOS – IRMÃOS SIAMESES


Quando regressava à Europa desde Jerusalém, em 1126, Hughes de Paynes estava à procura de homens, dinheiro e da bênção papal. Queria fundar uma nova ordem militar ao lado de outro cavaleiro cristão, Godofredo de Saint-Aumer: a Ordem do Templo. Seu objetivo era a proteção da igreja em Jerusalém, onde se cria existia o Templo de Salomão, e dos peregrinos que para lá se deslocavam. Mas esse objetivo somente seria posto em prática uma geração após.

Inicialmente os templários se dedicaram à construção daquilo que seria o molde dos futuros Estados cristãos: Portugal. Em nenhum lugar ela foi mais relevante; afinal, após sua extinção em todo o mundo, sobreviveu em Portugal até o século XIX, por meio da Ordem de Jesus.

A Ordem do Templo se tornou a instituição mais rica do mundo ocidental, mais rica do que qualquer monarquia. Mais rica do que a Igreja, mesmo.

Para seu intento, Hughes viajou até Borgonha, nação mais rica do ocidente então, era um entroncamento comercial e intelectual na Europa. Lá, obteve a ajuda de um monge, Bernardo, abade de Claraval. Era um religioso altamente prestigiado, fulcral quando se tratava de eleições de papas. Ao contrário de muitos monges que se regalavam e banqueteavam alimentos raros e caros, Bernardo abriu mão de toda sua fortuna, própria de filhos de aristocratas.

O mosteiro construído por Bernardo prezava o despojamento. Os monges dormiam sobre palhas, em dormitórios sem aquecimento e dividiam o dia entre orações e trabalhos extenuantes. A alimentação era restrita a legumes cozidos. Sonhava livrar a Igreja da imoralidade. Pregava contra a discriminação de judeus e promovia o respeito às mulheres por meio da veneração a Virgem Maria.

Não se sabe ao certo quem, e em que momento, decidiu fundar Portugal, uma nação cristã fundada no flanco ocidental do império do islã. Mas três séculos mais tarde, quando Portugal já ocupava o lugar de nação mais rica da Europa, foi o desejo de São Bernardo de conquistar o Marrocos que levou a eminente nação à flagrante derrota que o submeteu a duas gerações de submissão à coroa espanhola.

Foram fatos como os acima descritos que sempre levantaram suspeita sobre o real objetivo da nova Ordem: não seria a proteção de peregrinos, mas a guerra contra os árabes muçulmanos. Como alicerce moral – afinal, era diametralmente oposto aos ensinamentos de Deus matar homens, ainda que num contexto de guerras religiosas – recordou os ensinamentos de Santo Agostinho, que afirmava que guerras ordenadas por Deus ou por uma autoridade legítima eram justas.

A fundação da Ordem do Templo ocorreu em 1128, na cidade de Troyes. Seis semanas depois, Hughes e um grupo de cavaleiros empossados chegaram a Portucale – terras da família de Bernardo, banhadas pelo Atlântico, recebidas de D. Afonso por ter doado soldados para as guerras de expulsão dos árabes.
Inicialmente, Hughes e seu cavaleiros tomaram um castelo dos berberes no local onde fica atualmente Leiria, no estuário do Lis. Eram menos cavaleiros do que bandidos que faziam incursões em território inimigo e os faziam escravos.

Nesse período, ficou muito famoso um cavaleiro chamado de Geral Sem-Pavor. Escalava os muros das cidades muçulmanas à noite, sem ser visto, criava uma algazarra tal que fazia parecer aos inimigos que se tratava de um regimento completo e fugiam. Somente foi capturado pelos castelhanos quando do ataque a Badajoz, cidade na fronteira com Portugal. Capturado, após escapar alistou-se nas tropas muçulmanas. Em razão do grande sucesso de seus feitos contra cidades cristãs, recebeu um feudo no norte da África.

Por volta de 1147, a situação dos cristãos era péssima. Avanços muçulmanos pareciam incontíveis. Nesse contexto, São Bernardo e o papa Eugénio III deram largada à Segunda Cruzada.

Mais tarde, o rei Afonso Henriques de Portugal, primo de São Bernardo, e Hughes de Paynes conduziram seus homens até Santarém, às margens do rio Tejo. Mandaram avisar ao governador muçulmano que tinha apenas três dias para se render. Ignorados, encostaram uma escada no muro da cidade, três conseguiram matar os soldados da murada e alcaçaram o portão, que abriram, permitindo a entrada dos demais soldados. Deram início a um banho de sangue que vitimou quase toda a população local.

D. Afonso legou aos cavaleiros todas as igrejas de Santarém. O sucesso da empreitada levou pessoas de toda a Europa a se alistarem na Ordem. Foram mais de 3 mil homens.

Foram transportados em 164 navios com destino a Jerusalém. No entanto, no Golfo de Biscaia foram vitimados por uma tempestade. Aportaram no Porto e lá foram instados por D. Afonso a ajudar-lhes na conquista de Lisboa. Essa empreitada bem sucedida, em 1147, foi a única vitória relevante da Segunda Cruzada. Seu relato se encontra na biblioteca da Faculdade Corpus Christi, em Cambridge. Lisboa, finalmente, após 400 anos, estava franqueada aos norte-europeus. Era a cidade comercial mais rica da Europa.

Após a chegada dos cavaleiros triunfantes, a população de Lisboa superou as 150 mil pessoas. Naquela época, Paris contava 50 mil habitantes, enquanto Londres não possuía mais do que 30 mil. Tinha ali residência aristocratas de todo Portugal, comerciantes e mercadores da Espanha e da África. Lisboa era inteiramente murada, tendo de um lado o Atlântico, de outro, seus subúrbios. Os novos governantes ficaram espantados com a quantidade e qualidade dos campos que rodeavam a cidade. Ouro, prata, ferro, frutas, vinhas, azeitona tudo em abundância e qualidade. O sal consumido vinha de depósitos subterrâneos. Figos estragavam no chão. A caça era abundante, o ar, saudável. Éguas se reproduziam nos pastos. Os peixes tirados do Tejo eram tanto que se dizia que o rio era constituído 2/3 de água e 1/3 de peixes e mariscos.
No entanto, os normandos, ingleses e franceses que tomaram parte na invasão de Lisboa queriam ficar com todos os bens que conseguissem carregar, nada deixando aos portugueses. D. Afonso cedeu aos pedidos, afinal desejava mais do que qualquer cosia expulsar os muçulmanos dos domínios que tanto almejava. Aceitou a cidade totalmente espoliada e saqueada pelos norte-europeus daquela cruzada. Lorde Saher de Archelle foi o comandante dos cavaleiros-saqueadores.

Iniciando os ataques às nove horas da manhã, com uma chuva de pedras prontamente respondida, passaram aos ataques com flechas e lanças e, ao anoitecer, os moçárabes bateram em retirada dos subúrbios.

Os dias seguintes viram uma guerra verbal. Cristãos gritavam que Maomé era filho de uma prostituta, ao mesmo em tempo que os muçulmanos cuspiam e urinavam em crucifixos e os lançavam contra os inimigos.
Cavaleiros alemães tentaram escavar um túnel por baixo da muralha. Foram repelidos. Cavaleiros franceses construíram uma torre móvel. Ficou atolada e os árabes a atacaram até que a incendiaram completamente.

As relações entre cavaleiros normandos, alemães e ingleses azedaram de vez. Foi quando surgiu o boato de que na missa rezada no acampamento alemão, a h´[ostia se transformara num pedaço de carne ensanguentada. Entenderam que Deus apelava a seus instintos sanguinários.

As lutas ficaram mais renhidas. Um dia, os ingleses atacaram a margem sul de Almada. Regressaram com 200 prisioneiros e mais de 80 cabeças cortadas. Empalaram as cabeças em lanças e as arremessaram para o interior de Lisboa.

A cidade era densamente povoada. Não havia cemitérios. A cada dia a situação lá ficava mais insuportável com cheiros de mortos e falta de alimentos. Quando alguém saía em busca de alimentos, era capturado e morto. A cada dia mais residentes se bandeavam para o lado dos cristãos.

Após 15 semanas, os alemães conseguiram fazer o túnel subterrâneo pretendido. Puseram fogo e, ao amanhecer, 65 metros de muralha vieram abaixo. Após longo embate corpo a corpo, os árabes conseguiram permanecer no seu território. Mais uma torre foi construída, protegida com couro de boi. Mais alguns dias de sofrimento e angústia de lado a lado e os árabes depuseram armas e se entregaram. Não aguentavam mais, queiram a trégua.

Cinco representantes muçulmanos saíram para negociar a rendição. A avidez com que alemães, flamengos, ingleses e normandos se lançavam sobre os espólios causou repulsa nos portugueses. Após recolherem tudo o que havia sido entregue pela população, empreenderam buscas em casas e lojas, saqueavam o que encontravam e decapitavam quem escondesse qualquer coisa. Decidiu-se que o rei de Lisboa e sua família poderiam ficar com seus bens, e isso deixou muitos cavaleiros fulos.

Após a abertura dos portões, os cavaleiros adentraram com ainda mais ódio e mais sangue foi derramado. Nas palavras do capelão dos cavaleiros cristãos temerosos a Deus:

“Ah, como todos exultaram! Ah, como todos estavam verdadeiramente orgulhosos! Ah, que quantidade de lágrimas, de alegria e de piedade, foram derramadas, quando, para honra e louvor de Deus e da Santíssima Virgem Maria, a insígnia da Cruz salvadora foi colocado sobre a mais alta torre da cidade como penhor da sua submissão, enquanto o nosso arcebispo e o nosso bispo, acompanhados pelo clero, entoaram, em lágrimas e repletos de júbilo, o Te Deum Laudamus.”


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A Primeira Aldeia Global”

  

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