Seu reinado durou apenas 14 anos, mas foi um dos mais
relevantes da história da Europa. Conforme inscrito em seu epitáfio: “Poderá
não ter sido um grande homem, mas foi certamente um grande rei”. Segundo o
historiador Oliveira Marques, deve-se dever a ele, não a D. Henrique, o plano global
dos descobrimentos.
Quando herdou a coroa de seu pai, D. Afonso, Portugal tinha
uma população total inferior a 1,5 milhão de pessoas – 1/8 da população da
Itália, menos de ¼ da Espanha, ou quase metade da população inglesa. O apoio
financeiro para as expedições se devia unicamente à Casa dos Medici, banqueiros
de Florença.
O Tesouro português estava completamente esvaziado, após
anos de conflito com Castela, de tal forma que urgia qualquer recurso
emprestado de fora. Solicitou à França, que recusou. Desesperado, D. Afonso se
disfarçou de monge e se refugiou num mosteiro da Bretanha. Descoberto, foi
deportado de volta a Portugal, onde pediu permissão para abdicar do trono.
Morreu antes que seu pedido fosse analisado. A essa altura, a moeda portuguesa
não valia nada. Além de pesadas dívidas com a Igreja, um consórcio de judeus
adquiriu o direito de recolher os impostos do país.
Em 1531, uma geração após o início das tais expedições
portuguesas, o rei da Inglaterra se viu obrigado a escrever ao doge de Veneza
pedindo-lhe desculpas por seus navios não mais aportarem em Veneza, mas em
Lisboa, para adquirirem especiarias. Os armazéns venezianos estavam vazios e a
cidade em profunda decadência.
A fortuna em mãos de portugueses era tamanha que nobres
deste país, em visita à Itália, mandaram ferrar seus cavalos com ferraduras de
ouro e usando um único prego. Deleitavam-se com os esfomeados italianos
correndo atrás das ferraduras após se desprenderem dos cavalos. Lisboa era o
lugar da fortuna e da abundância. Cidadãos ingleses e de outras cidades
européias mais atrasadas se impressionavam com a opulência da cidade. Era
referência nos campos das artes, das ciências, da ópera, da medicina,
arquitetura e joalheria.
D. João II fundou o Conselho dos Sábios, constituído por
eclesiásticos, cosmógrafos, matemáticos dando início à tradição portuguesa de
aproximar intelectuais da administração pública. A Casa da Mina, por ele
fundada para abrigar o ouro trazido da África, reteve quantidade tal de
recursos que pagou as expedições de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e outros.
D. João II deu provas de sua competência logo que chegou ao
posto. A aristocracia portuguesa, assistindo às desventuras de um rei fraco e
atabalhoado, D. Afonso, planejou um golpe de Estado. Um dos líderes era o duque
de Bragança, primo de D. João II, que já havia reunido uma enorme milícia
própria. Recentemente coroado, D. João convocou seu primo para uma negociação. Após
receber o primo, mandou prendê-lo e matá-lo. Fez o mesmo com o duque de Viseu,
seu cunhado – matou com as próprias mãos, com uma punhalada e sem mais
palavras.
A nobreza de Borgonha, contemporânea da fundação do país,
foi seriamente prejudicada pelas atitudes do rei. Tiveram seus bens
confiscados, pela primeira estavam submetidos à Justiça estatal, e somente foi
devolvido a quem jurasse lealdade à Coroa, de joelhos.
Passou D. João a recrutar na população homens de qualidade,
submetidos a entrevistas e a exame de antecedentes. Os aprovados eram inseridos
na Lista do Rei e recebiam cargos na administração pública e na magistratura.
Daí surgiu o Conselho dos Sábios.
D. João II foi o rei que recusou a proposta de Cristóvão
Colombo. Mesmo tendo achado a proposta um disparate, submeteu-a ao Conselho,
que tomou a mesma decisão. São muitas as teorias por trás dessa recusa, mas os
historiadores modernos creem que navegadores portugueses já tinham descoberto e
já comercializavam com o território que viria a ser o Brasil – mas esse fato
era mantido sob sigilo absoluto. Como o retorno contava com um transbordo na
costa da África ocidental, diziam que as mercadorias eram dali originárias.
Bartolomeu Dias havia descoberto a rota do Oriente mais de
dois anos antes da expedição de Colombo. Portugal havia enviado um espião
secreto, Pêro de Covilhã, à Índia, via Oriente Médio, de onde regressou com
mapas árabes e indianos, que apontavam para diversas rotas entre a África
setentrional e a Índia.
Após sua bem sucedida viagem, Colombo retornou e aportou em Lisboa,
antes de informar os reis espanhóis sobre a boa-nova – pretendia humilhar o rei
que recusou sua proposta. Mas se decepcionou: D. João o informou de que o
Tratado firmado entre ambos os países dizia que a descoberta de Colombo se
encontrava dentro de domínios portugueses.
Quando Colombo chegou à Espanha, os reis já tinham sido
informados sobre os acontecimentos por meio de missiva enviada por D. João II.
Ele ameaçava enviar efetivos militares à Anguilha (nome sob o qual Colombo
batizou sua descoberta), a menos que recebesse uma contraproposta generosa.
Aqui se iniciaram as negociações que levariam ao Tratado de
Tordesilhas e à divisão do mundo entre os reinos ibéricos. Nesse contexto se
encaixa a expedição de Cabral e a tomada de posse do quinhão português das
Américas.
A essa altura, a moeda portuguesa já era a mais valiosa da
Europa. Todas as dívidas portuguesas estavam saldadas e os impostos voltaram a ser
vertidos para os cofres públicos. O fator decisivo havia sido o ouro africano. No
território onde hoje é o Gana, Portugal inaugurou uma diplomacia comercial que
suplantou a era dos piratas e corsários, violentos e ambiciosos, que seqüestravam
e torturavam em troca de ouro.
Portugal optou por enviar membros da nova nobreza, como
embaixadores, bem paramentados e portando carta régia, saudando elogiosamente
suas contrapartes, para negociar. Diogo de Azambuja foi o enviado ao Gana –
local de onde saía o ouro que alimentava o comércio árabe -, onde conheceu
Accra e suas areias cobertas de ouro de fácil extração. Havia também o ouro que
chegava do interior do continente.
A proposta portuguesa incluía a construção de um entreposto
comercial e a cessão do monopólio de todo o ouro da região. A sedução
portuguesa falou mais alto e a proposta foi aceita.
Nove caravelas e dois barcos também enormes foram usados
para transportar um castelo de pedra, um armazém e uma capela, tudo devidamente
desmontado e remontado na África. Assim nasceu o Castelo de São Jorge a
localidade de São Jorge da Mina – como os portugueses se referiam a Accra. Na
praça do comercio, em Portugal, D. João mandou construir a Casa da Mina, cofre
de todo o ouro que chegava.
O maior desafio ao empreendimento era manter as dezenas de
navios piratas ingleses, batavos, franceses e de outras partes, distantes.
Mesmo assim aportavam em Lisboa mais de 400 quilos de ouro anualmente por volta
de 1500.
(Continua)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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