Os primeiros contatos entre os índios americanos e os europeus,
em terras futuramente chamadas de Brasil, deram-se de maneira
surpreendentemente pacífica. Os índios os receberam com cortesia e afeto,
dançaram juntos, os portugueses foram convidados à taba, convidaram os índios a
subirem nas embarcações. Nos anos seguintes, os muitos náufragos surgidos nas
praias foram salvos e acolhidos por índios, muitos inclusive receberam ofertas generosas
de esposas.
Mas o bom clima não durou muito. Os homem europeu era
produto de séculos de guerras, doenças, pragas. Eram pessoas embrutecidas e
tinham a certeza indelével de que o mais forte e mais bem armado tem o direito
se submeter o mais fraco, o que incluía o direito de impor sua língua, suas
crenças, sua visão de mundo.
Além disso, os europeus haviam sido contaminados pela doença
da ganância desmedida. As possibilidades de ganhos incomensuráveis por meio da
exploração das riquezas encontradas no continente recentemente conquistado,
como madeiras nobres e metais valiosos, transformaram o americano nativo em
apenas mais um bem a ser explorado.
A primeira fase do trágico contato se deu no âmbito da exploração
comercial do pau-brasil. Os índios foram a força de trabalho que cortava as
árvores, as transportavam no braço até as praias e recebiam o pagamento: ferramentas
de metias, espelhos, retalhos de tecidos etc.
Embora fossem claramente super-explorados, o trabalho era
livre; o índio poderia aceitar ou recusar-se. Porém, em 1532, o rei português
João III decidiu tomar as rédeas de seus novos domínios. Instaurou o sistema de
capitanias hereditárias, distribuindo terras imensas a fidalgos de sua escolha,
que recebiam a incumbência de abrir estradas, erguer povoações e instalar
engenhos de açúcar.
O grande obstáculo antevisto foi a ausência de mão-de-obra
em quantidade suficiente para tanto. A fase seguinte da exploração, portanto,
foi marcada pela compra de índios, feitos prisioneiros por tribos inimigas:
eram enviados para trabalho escravo nos campos e nas oficinas.
As possibilidades de ganhos decorrentes de guerras,
aprisionamentos de inimigos e posterior comercialização destes com os
portugueses levaram ao aumento significativo das guerras indígenas. A
idealização do índio como um bárbaro, em ser sem alma, fez dos índios alvos de
todo tipo de perseguição: expedições lideradas por indígenas aliados caçavam
índios para escravizar.
Os números alcançaram um nível alarmante, a ponto de, em
1537, o papa Paulo III ter proclamado que os índios possuíam alma, sim,
portanto não poderiam ser feitos escravos.
Foram os índios também aliados fundamentais nas campanhas
portuguesas para expulsar daqui franceses, espanhóis, holandeses. Os índios
aliados forma essenciais para manter estes domínios livre de outras tribos, não
aliadas dos portugueses. Reforçavam as frentes indígenas os mamelucos, filhos
de brancos com mães índias.
Portanto os 2 primeiros séculos da ocupação do Brasil foram
laborados por mãos indígenas, fosse no campo, fosse na guerra, fosse conduzindo
o gado pelo sertão, ou descobrindo novas minas de ouro.
Mas, durante esse processo, houve a completa destruição do
mundo pré-cabralino. Por volta de 1600, os tupinambás foram destruídos como
nação indígena. A oposição levantada pelos jesuítas a tal genocídios levou à
expulsão dos religiosos, em 1641, de São Paulo.
Os índios não se comportaram de maneira passiva frente ao
holocausto que se armava contra si. Lutaram, atacaram, mataram, devoraram
inimigos, em meio a guerras maçadas pela ferocidade desmedida de ambos os
lados.
Em 1775, o marquês de Pombal declarou que todos os índios
estavam livres desde aquele momento, mas fez-se ouvidos moucos a tais ordens.
Em 18108, por exemplo, mal ocorrera o desembarque da família Real no Brasil e
expediu-se Carta Régia ordenando o extermínio completo dos índios botocudos, em
Minas Gerais. E dos caingangues, em São Paulo.
Em meio a essa insana matança, surgiu uma nova profissão: o
bugreiro, profissional especialista em matar índios, cujos serviços foram bastante
disputados por mais de um século.
Apenas em 1910 surgiu uma voz decisiva em favor dos povos americanos
originais: Cândido Mariano da Silva Rondon, militar que se posicionou em favor
dos índios e que pagou caro por fazê-lo no âmbito de uma instituição que representava
a ideologia dominante, a do homem branco dominador.
De qualquer forma, já não eram muito numerosos àquela
altura.
Atualmente, a herança indígena que necessariamente permanece
se encontra em nomes, como Araci, Jandira, Jurema, Moema, Ubirajara; em
sobrenomes como Borborema, Capanema, Bocaiúva, Cotegipe; em nome de frutas como
ananás, caju, pitanga, pitomba; em nomes de animais, como capivara, sabiá, sagüi,
sucuri; em nomes de lugares, como Anhangabaú, Goiás, Corumbá, Cataguases,
Cuiabá, Curitiba, Garanhuns, Guaíba, Paranapanema; e, claro, na cozinha, onde
as índias das malocas deram origem a pratos como beiju, barreado, canjica,
cambuquira, curau, paçoca, pamonha, pipoca, nas farinhas, como a de tapioca, a
de milho, a de peixe ou a de banana. Mercados em diversas partes do país ainda
vendem ervas medicinais segundo suas propriedades, descobertas há muitos e
muitos séculos pelos competentes e curiosos pajés.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os povos indígenas no Brasil”
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