Pesquisar as postagens

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ÍNDIOS, TRAÍDOS E ESCRAVIZADOS


Os primeiros contatos entre os índios americanos e os europeus, em terras futuramente chamadas de Brasil, deram-se de maneira surpreendentemente pacífica. Os índios os receberam com cortesia e afeto, dançaram juntos, os portugueses foram convidados à taba, convidaram os índios a subirem nas embarcações. Nos anos seguintes, os muitos náufragos surgidos nas praias foram salvos e acolhidos por índios, muitos inclusive receberam ofertas generosas de esposas.

Mas o bom clima não durou muito. Os homem europeu era produto de séculos de guerras, doenças, pragas. Eram pessoas embrutecidas e tinham a certeza indelével de que o mais forte e mais bem armado tem o direito se submeter o mais fraco, o que incluía o direito de impor sua língua, suas crenças, sua visão de mundo.

Além disso, os europeus haviam sido contaminados pela doença da ganância desmedida. As possibilidades de ganhos incomensuráveis por meio da exploração das riquezas encontradas no continente recentemente conquistado, como madeiras nobres e metais valiosos, transformaram o americano nativo em apenas mais um bem a ser explorado.

A primeira fase do trágico contato se deu no âmbito da exploração comercial do pau-brasil. Os índios foram a força de trabalho que cortava as árvores, as transportavam no braço até as praias e recebiam o pagamento: ferramentas de metias, espelhos, retalhos de tecidos etc.

Embora fossem claramente super-explorados, o trabalho era livre; o índio poderia aceitar ou recusar-se. Porém, em 1532, o rei português João III decidiu tomar as rédeas de seus novos domínios. Instaurou o sistema de capitanias hereditárias, distribuindo terras imensas a fidalgos de sua escolha, que recebiam a incumbência de abrir estradas, erguer povoações e instalar engenhos de açúcar.

O grande obstáculo antevisto foi a ausência de mão-de-obra em quantidade suficiente para tanto. A fase seguinte da exploração, portanto, foi marcada pela compra de índios, feitos prisioneiros por tribos inimigas: eram enviados para trabalho escravo nos campos e nas oficinas.

As possibilidades de ganhos decorrentes de guerras, aprisionamentos de inimigos e posterior comercialização destes com os portugueses levaram ao aumento significativo das guerras indígenas. A idealização do índio como um bárbaro, em ser sem alma, fez dos índios alvos de todo tipo de perseguição: expedições lideradas por indígenas aliados caçavam índios para escravizar.

Os números alcançaram um nível alarmante, a ponto de, em 1537, o papa Paulo III ter proclamado que os índios possuíam alma, sim, portanto não poderiam ser feitos escravos.   

Foram os índios também aliados fundamentais nas campanhas portuguesas para expulsar daqui franceses, espanhóis, holandeses. Os índios aliados forma essenciais para manter estes domínios livre de outras tribos, não aliadas dos portugueses. Reforçavam as frentes indígenas os mamelucos, filhos de brancos com mães índias.

Portanto os 2 primeiros séculos da ocupação do Brasil foram laborados por mãos indígenas, fosse no campo, fosse na guerra, fosse conduzindo o gado pelo sertão, ou descobrindo novas minas de ouro.
Mas, durante esse processo, houve a completa destruição do mundo pré-cabralino. Por volta de 1600, os tupinambás foram destruídos como nação indígena. A oposição levantada pelos jesuítas a tal genocídios levou à expulsão dos religiosos, em 1641, de São Paulo.

Os índios não se comportaram de maneira passiva frente ao holocausto que se armava contra si. Lutaram, atacaram, mataram, devoraram inimigos, em meio a guerras maçadas pela ferocidade desmedida de ambos os lados.

Em 1775, o marquês de Pombal declarou que todos os índios estavam livres desde aquele momento, mas fez-se ouvidos moucos a tais ordens. Em 18108, por exemplo, mal ocorrera o desembarque da família Real no Brasil e expediu-se Carta Régia ordenando o extermínio completo dos índios botocudos, em Minas Gerais. E dos caingangues, em São Paulo.

Em meio a essa insana matança, surgiu uma nova profissão: o bugreiro, profissional especialista em matar índios, cujos serviços foram bastante disputados por mais de um século.

Apenas em 1910 surgiu uma voz decisiva em favor dos povos americanos originais: Cândido Mariano da Silva Rondon, militar que se posicionou em favor dos índios e que pagou caro por fazê-lo no âmbito de uma instituição que representava a ideologia dominante, a do homem branco dominador.

De qualquer forma, já não eram muito numerosos àquela altura.

Atualmente, a herança indígena que necessariamente permanece se encontra em nomes, como Araci, Jandira, Jurema, Moema, Ubirajara; em sobrenomes como Borborema, Capanema, Bocaiúva, Cotegipe; em nome de frutas como ananás, caju, pitanga, pitomba; em nomes de animais, como capivara, sabiá, sagüi, sucuri; em nomes de lugares, como Anhangabaú, Goiás, Corumbá, Cataguases, Cuiabá, Curitiba, Garanhuns, Guaíba, Paranapanema; e, claro, na cozinha, onde as índias das malocas deram origem a pratos como beiju, barreado, canjica, cambuquira, curau, paçoca, pamonha, pipoca, nas farinhas, como a de tapioca, a de milho, a de peixe ou a de banana. Mercados em diversas partes do país ainda vendem ervas medicinais segundo suas propriedades, descobertas há muitos e muitos séculos pelos competentes e curiosos pajés.


Rubem L. de F. Auto     


Fonte: livro “Os povos indígenas no Brasil”

Nenhum comentário:

Postar um comentário