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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

BRASIL, A ANTROPOLOGIA DO INCOMPREENDIDO – PARTE IV


O casamento entre indígenas ocorria em meio a uma cerimônia muito simples. Em geral, apenas após o primeiro filho a união se realizava plenamente.

Quando a menina passava ser considerada mulher, atava a seu braço e à cintura uma fio de algodão colorido. Pronto, um ano depois já poderia se casar.

Já os homens passavam à maturidade mediante cerimônia mais complexa. Após os 25 anos, apenas após ter lutado uma guerra, ter feito prisioneiros e tê-los matado e devorado poderia o infante cogitar casar-se. Cria-se que o homem sem esses predicados poderia vir a ser um “mebeque”, isto é, pessoa mole, medrosa, covarde, tímida, enfim, uma desonra para a tribo.

Escolhida uma esposa, o pretendente então oferecia seus serviços ao pai da noiva. O pai então levava o pedido do jovem ao conselho tribal, que deliberava acerca das qualidades do jovem: se reprovado, deveria abandonar a aldeia.

Se aceito, passava a algumas provas, como testes físicos, sofria chicotadas dadas pelos homens da tribo, sem poder reclamar, dentre outras provas.

Após casado, era comum o sogro cortar o punho da rede onde dormiam os recém-casados, de madrugada, dando um tombo no casal. Criam que esse ritual evitava que os filhos nascessem com rabo.

Quando a mulher engravidava, declarava-se puruabare: já não poderia comer caças de fêmeas, nem comer frutos ácidos, nem raízes, nem certos peixes.

Nascido o filho, o casal então se mudava para a maloca do sogro: agora era considerado um continuador da família.

O nascimento do filho era uma festa. O pai ajudava no parto, as amigas da mãe davam o primeiro banho na criança, o peitan (bebê). Se menina, recebia um colar de dentes de capivara: pensavam que isso daria uma bela dentadura à menina, o que era um forte atrativo feminino. Após, a mãe recebia um cesto e punha a criança dentro. Assim, três dias depois já voltava aos trabalhos.

Os meninos eram presenteados com unhas de onça e garras de gavião (ou águia). Assim, criam, o menino (guri, ou uuri, isto é, bagre novo) se tornaria um homem de corajoso, respeitado. O pai amarrava nos punhos de sua rede miniaturas de tacape, arco e flecha. No outro lado, ervas. Eram os símbolos de trabalho, honra e ódio tribal.

O pai deitava na rede para o ritual do choco, ou couvade: deitado na rede, em jejum, esperava o umbigo do recém nascido cair.

Os filhos cresciam em harmonia, sem castigos nem repreensões: a educação se deva pelo exemplo e participação. Ao fim da infância, davam-se os rituais de iniciação à juventude. Era quando os jovens recebiam um tembetá (ou metara) no lábio inferior. Este era o símbolo da virilidade. Mas os lábios eram furados aos seis anos, como aviso ao curumim para que se preparasse para a entrada na juventude.  
Já o ritual feminino variava de tribo para tribo. Algumas sofriam cortes no corpo, para que o sangue novo jorrasse. Outras eram isoladas e, em jejum, ouviam as idosas revelarem-lhe as belezas e as obrigações de ser mulher. Algumas meninas eram isoladas durante um ano, reclusas em suas ocas.

A mulher era um ser a ser protegido, sempre. Sem elas não haveria tribo, nem família. Todos deveriam proteger as mulheres.

A mulher servia ao marido, cuidava dos filhos, da maloca, semeava e colhia, e seguia os homens na caça e na guerra. Mesmo aquelas que dividiam seu esposo com outras, eram dedicadas e ternas.

Comerciantes franceses testemunharam invejosos como viviam os trabalhadores que carregavam as toras de pau-brasil.  Quando paravam para descansar, eram cobertos de carinhos de suas mulheres. Elas também embalavam suas redes, davam-lhe alimentos na boca e faziam carinhos ao som de músicas. Daí a sensação de que os índios eram muito ciumentos com suas esposas.

As mulheres que revelassem algum dote especial, como profecia ou premonição, eram consideradas sobrenaturais e recebiam privilégios diversos.

As idosas deveriam educar os jovens, manter as tradições e preparar as bebidas usadas em rituais.
As solteiras usavam cabelos soltos. As casadas, os cortavam na altura da orelha, poliam os dentes incisivos e arrancavam pestanas e sobrancelhas.

Dentre os índios, a velhice se iniciava aos quarenta anos. Os velhos eram cobertos de honras e respeito: eram servido primeiro nas festas, seus pés eram lavados pelas jovens, que também tiravam ossos e espinhos da comida a eles servidas. Não precisavam mais trabalhar.

Eram eles que detinham o poder político e elaboravam as táticas de guerra. Eram também eles que passavam oralmente as tradições, lendas e crenças que tentavam explicar a origem da vida, da morte e dos fenômenos naturais.

As cerimônias eram coordenadas pelas “uainuy”. Elas detinham o segredo do preparo de bebidas alucinógenas, preparavam a carne do prisioneiro a ser executado, choravam mortos. Também ajudavam a preparar as jovens para a vida adulta.

Quanto à Justiça, um viajante europeu relatou que “se um deles é ferido, o ofensor recebe dos parentes do ofendido ofensa igual e no mesmo lugar do corpo”. O assassino então recebia o repúdio de todos da tribo e deixava a taba; ou passava a prestar à família do morto os serviços antes executados pelo índio que ele matou.

Os casos mais graves eram solucionados pelo conselho tribal.

O líder da tribo era chamado “morubixaba”, ou tuxaua, ou cacique. Todos esses nomes significam “o principal”. Não havia eleição, posse, juramento. O grupo simplesmente aceitava a liderança do mais capacitado.

Alçado à posição de liderança, o índio deveria reafirmar suas capacidades a todo momento. A posição estava sempre em aberto e outro poderia vir a ocupá-la.

O índio mais estável em seu cargo era o pajé, quem detinha o poder mágico-místico. Ele previa o futuro, previa doenças, curava pessoas. Era fruto de longo trabalho e aprendizagem.

Havia também o nheengaba, ou conselho de anciãos. Formado por membros com mais de 40 anos, também não eram eleitos: eram escolhidos por suas qualidades. Atuavam na mudança de taba, nas guerras, na execução de prisioneiros, impediam e aprovavam casamentos.

Já nos assuntos de família, o chefe era a autoridade soberana.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Os povos indígenas no Brasil”

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