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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

BRASIL, A ANTROPOLOGIA DO INCOMPREENDIDO – PARTE I

A história é bem conhecida: Cristóvão Colombo partiu da Espanha com destino à Índia, na Ásia. Quando avistar terra firme, não teve dúvidas: chegamos à Índia e esses que vemos são os índios.

Desfeita a confusão, diversos nomes forma propostos para designar os habitantes nativos das Américas: negros, porque... bem, não eram brancos; brasis ou brasilienses, que significava gente da terra do pau-brasil; ameríndios, isto é, índios americanos; amerígena, que significa originário da América; ameraba, junção de América e aba, palavra tupi para “homem”. Mas, por fim, foi a palavra “índio” que se fixou melhor.  

Segundo Pero Vaz de Caminha, os nativos tinham pele de cor avermelhada, altura média de 1,60 m, rosto arredondado, nariz curto e estreito, lábios finos, cabelos negros, lisos e compridos, pouca barba, dentes sadios. Embora esta fosse a descrição de um índio tupinambá, os demais não deveriam ser muito diferentes.

A data da chegada destes povos, porém, a cada dia surpreende mais pela antiguidade. Em 1986, uma equipe do Museu Paulista, chefiada por Niéde Guidon, encontrou no sítio arqueológico de Raimundo Nonato, no Piauí, fósseis datados de 32.160 anos atrás! O fóssil nomeado Luzia, encontrado no início dos anos 1970 pela missão liderada pela arqueóloga francesa Annette Laming-Empieraire na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, foi datada entre 11.400 a 16.400 anos atrás.  

Um fato é certo: há 10 mil anos todo o continente era habitado por seres humanos.

Os primeiros americanos tiveram sua origem teorizada em três linhas de estudos: uma apontava que vieram da África diretamente, pela Antártida, adentrando a América do Sul pela Terra do Fogo (Argentina e Chile); outra apontava que teriam vindo pela Polinésia, de ilha em ilha, até a costa do Pacífico da América do Sul; a terceira, bem mais plausível, apontava a migração desde a Ásia, cruzando o Estreito de Bhering. Tratavam-se de mongóis que desceram a costa pacífica, ficando-se em torno de pequenas tribos, formando culturas e nações distintas.

Após milhares de anos, civilizações bastante avançadas, como os astecas, maias e incas surgiram. A chegada dos povos indígenas ao território do atual Brasil se deu via Colômbia, Peru e Bolívia.

Por volta de 1500, havia nos nossos atuais domínios algo em torno de 1,5 e 2 milhões de habitantes, falantes de mais de 350 línguas distintas – embora haja quem aponte mais de 9 milhões de índios àquela altura.

Com a chegada dos Europeus, toda a aproximação com os índios nativos se deu por meio dos jesuítas. Estudando a língua e fazendo um paralelo com a área geográfica ocupada pelos respectivos falantes, os padres dividiram todo aquele imenso contingente de pessoas em dois grupos: os tapuias, habitantes do interior; e os tupis, que habitavam a costa.

Em 1884, Karl Von den Steinen criou uma classificação mais específica, onde figuravam 4 grupos: tupi-guarani, jê/tapuia, nuaruaque/naipure, caribe/caraíba. Esta ainda é a classificação mais atual.

Tupis e guaranis têm origem bem próxima: há cerca de 2 mil anos, quando ainda habitavam a Cordilheira Oriental Colombiana, iniciaram um processo migratório de duas vias, uma em direção ao leste, outra em direção ao sul. O grupo que daria origem aos guaranis desceram seguindo o rumo dos rios Madeira e Guaporé. Os que conformariam os tupis rumaram seguindo as praias oceânicas, seguindo o rumo dos rios Araguaia e Tocantins.

Mil anos depois, houve finalmente o reencontro daquelas duas tribos seminais. O reencontro se deu na região entre os rios Tietê e Paranapanema, agora sob a roupagem distinta das tribos tupi e guarani. No caminho, diversas outras tribos foram exterminadas: eram os paleoíndios, cuja cultura segue absolutamente incógnita. Eram nômades, não viviam em malocas, provavelmente praticavam a antropofagia.

Os tupis se apossaram da área que se estende do sul do Pará até São Paulo, sempre seguindo pelo litoral. As tribos tupis que habitavam o nordeste eram: potiguares, tabajaras, caetés, tupiniquins, tupinambás. Do norte do Paraná ao Espírito Santo se destacam os tamoios, mas o planalto paulista era dominado pelos guaianás. O Baixo Amazonas tinha os tupis mundurucus e os Parintins.

Essas tribos vivam intermitentes rusgas com os coroados, goitacás e puris.

Já a região compreendida entre o Paraná e o Rio Grande do Sul (incluindo o Mato Grosso do Sul, Argentina, Bolívia e Paraguai) era dominada pelos guaranis, que viviam seus entreveros contra os vizinhos chiriguanos e outros povos.

O grupo étinoc denominado Jê tinha um subgrupo chamado tapuia, palavra tupi que significa “não tupi”, ou estrangeiro, bárbaro – portanto não se sabe como eles mesmo se denominavam. Era tapuias: os caiapós, goitacás, cariris, aimorés, botocudos, suiás, bugres, coroados e apinajés.

Aruaques e caribes, ou caraíbas, vieram das Antilhas e da América Central e se estabeleceram no vale amazônico e norte do planalto Mato-Grossense. A palavra “Karib”, no idioma deles, significa “valentia”, ser guerreiro, heróis.

No território brasileiro, a língua que prevalecia era o tupi-guarani. Segundo alguns, tupi e guarani eram a mesma língua, porém em períodos históricos distintos: o tupi era mais primitivo, monossilábico; o guarani era mais desenvolvido.

Outra língua bastante difundida era o tupinambá, variante do tupi que recebeu uma gramática organizada pelos padres Anchieta e Luís Figueira. Consequentemente tomamos conhecimento de lendas e se desenvolveu toda uma literatura baseada naqueles contos. Por exemplo a obra “O auto de São Lourenço”, escrita por Anchieta, que conta sobre o plano do diabo Guaixara de tomar uma aldeia, embriagando os homens.

E foi justamente o desconhecimento recíproco da língua da outra aldeia que levou às guerras permanentes entre tupis e tapuias.

À língua tupi foi acrescentado o vocabulário do português, pelos jesuítas. Esta língua foi chamada de língua brasílica, ou geral, a mais falada no Brasil até o século XVIII, quando seu ensino e uso foram banidos pela Coroa.

Contudo, até hoje resquícios remanescem no falar das pessoas mais humildes. Palavras pronbunciadas erroneamente, como: “paia” no lugar de palha; ou “fio” em lugar de filho; ou “animar” em vez de animal, refletem a ausência de determinadas fonemas na língua tupi.

Já a língua tapuia, falada por Cariris, Moxotós, Catolés e Mossorós se perdeu completamente, permanecendo apenas como nomes dos locais onde eram mais numerosos.

Interessante notar o caráter melodioso e poético da língua tupi. Esse traço se nota nos nomes femininos e seus significados reais: Ibatira, ou Potira, ou Bartira significa “flor”; Moema, ou Coema, é “aurora”; Iracê, ou Iraci, significa “doçura” – assim como Jandira; Aracê, ou Iracê também significa “manhã”, “amanhecer”.

O aruaque, falado em toda a atual Flórida, estendendo-se até as Antilhas, era também falado na região da Bacia Amazônica.

Quanto às centenas de línguas restantes, faladas no nosso país antes de os europeus aqui chegarem, nada mais resta atualmente.    


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Os povos indígenas no Brasil”

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