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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

BRASIL, A ANTROPOLOGIA DO INCOMPREENDIDO – PARTE III


O índio se orientava por meio de qualquer sinal de que dispusesse na natureza. Movimentava-se por trilhas, nas capoeiras ou nos matos ralos, ao longo da qual cortava ramas, assinalando sua marcha para os demais que o seguissem.

Na mata fechada, usava seu machado para sinalizar em troncos de árvores. Se estivesse se movendo por descampados sem fim, onde a paisagem era todo igual, usava varetas enfiadas no chão, cuja parte menor indicava a direção.

Se houvesse sol, usava a sombra de seu polegar na palma da mão para se orientar. Se fosse à noite, as estrelas os  guiavam. Para saber se e onde havia água nas redondezas, nada melhor do que a sensação do vento batendo no rosto.

As andanças dos indígenas ocorriam com tal intensidade que seus pés se adequaram, desenvolvendo plantas mais largas e com dedos cabeçudos e compridos, ótimos para agarrar no solo e que distribuíam melhor o peso do corpo.

A maloca (ou oca), local de habitação dos índios, era construída com varas, fechada e coberta com palhas e folhas. Duravam cerca de 5 anos, após os quais era abandonada, sem receber quaisquer reparos. O tamanho variava, dependendo da quantidade de moradores (de 50 a 100, geralmente). Os animais que conviviam no espaço doméstico eram muitos: papagaio, macaco, tatu, porco, pato, passarinho... Hans Staden testemunhou ocas com 4,62 metros de largura por quase 50 metros de comprimento, e 4,40 metros de altura.

As malocas não possuíam janelas; tinham aberturas laterais nas extremidades. Não havia paredes e divisões internas, mas havia nichos, espécies de divisões não aprentes: cada um tinha de 4 a 7 metros, dependendo do tamanho da família que o ocuparia.

A construção da maloca era um obra coletiva, que mobilizava de 40 a 50 homens, sendo um deles o líder dos trabalhos. Cada um que contribuísse com a construção poderia habitar a maloca.

Após a construção, o casal principal da maloca ganhava o direito a uma “ini”: a rede do casal. Os demais poderiam ter esteiras. Havia também na maloca a “igaçaba”, ou talha para guarda água, cuias; a nhaemperó, ou panela, fuso, gamelas, porongos, arcos, flachas, tacapes, aves, animais completavam os utensílios caseiros. No centro, a tatárendaba, a fogueira, que permanecia sempre acesa.

Próximo ao teto, havia um estrado de varas, onde guardavam a urupema, um espremedor de mandioca, a urupema, o jacá, o puçá, usado em pescarias, o uru, um cesto com tampa. O induá – o pilão – ficava do lado de fora.

Embora simples, era uma habitação que se adequava bem ao ambiente onde instalada: era ventilada, fresca e a fumaça da fogueira mantinha os insetos distantes.

Aquela quantidade assombrosa de pessoas, reunidas em núcleos familiares menores, porém reunidos sob um único teto, conviva em harmonia graças a algumas regras de convivência bem definidas: os contatos íntimos entre os casais ocorriam fora da oca (no mato, na praia); as necessidades fisiológicas também eram feitas no relento, sendo logo cobertas com terras e folhas. As mães tinham o hábito de manter tudo limpo. O bom dia era desejado pronunciando-se “Enecôema!”; a resposta era “Yauê!” ou a mesma frase anterior, repetida.  

Após a morte, a maloca continuava sendo o centro dos ritos. Os índios eram enterrados no local onde dormiam. Então, o local se tornava sagrado.

Quanto à família indígena, apenas os parentes pelo lado paterno eram considerados familiares consangüíneos. Os filhos do mesmo pai eram considerados irmãos.

Se um índio morresse, seu irmão mais velho assumia a viúva do morto, ainda que fosse casado com várias outras índias. Na falta de irmão, um parente mais próxima poderia fazer o mesmo.
Pelo lado materno, o casamento do tio com a sobrinha era recomendado na mesma situação.
A proteção às mulheres era buscada por meio do casamento das solteiras, sob a batuta do chefe da família.

Se a morte do índio casado ocorresse numa guerra, o índio que o matou era obrigado a levar a viúva para sua maloca.

Se o número de solteiras aumentasse muito, o conselho tribal definiria quem receberia mais esposas.

As mulheres casados ganhavam o direito de dormir em redes, ao lado da rede do marido, deixando os tempos da esteira para trás. Contribuíam nos trabalhos da família, mas apenas a primeira (escolhida por amor) poderia acompanhar o marido na caça e na guerra. E apenas os filhos da primeira esposa poderiam herdar a posição do pai no comanda da família.

A fidelidade conjugal era levada a sério. O adultério era repudiado. Se a mulher traísse o marido, este poderia devolvê-la ao pai. O adultério masculino era tolerado, desde que ocorresse entre o nascimento de um filho e o momento em que este começasse a andar.

Uma eventual separação  poderia ocorrer, desde que acordado e por iniciativa de um dos cônjuges. Um eventual reatamento também poderia ocorrer. Portanto a formação da família advinha do casamento.

O incesto era vedado.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Os povos indígenas no Brasil”

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