O racismo na sociedade brasileira
sempre foi um tema bastante complexo e polêmico em sua análise.
Quando falamos em racismo, em
geral o associamos a discriminação praticada contra uma pessoa de pele negra por
uma pessoa de pele clara.
Primeiramente cumpre dizer que o
racismo é caracterizado por práticas discriminatórias contra raças. Portanto, tecnicamente,
é errado chamar a discriminação descrita acima como racismo: negro não é raça.
Raça é um conceito biológico.
Caracteriza-se pela especificação, pelo surgimento de uma nova espécie a partir
de um tronco comum. Cachorros têm raças, pois cachorro (caninae) é gênero. A
cada nova espécie que surja (naturalmente ou pelas mãos dos homens), há um caminho em direção à diferenciação. Em
pouco tempo, a distância biológica entre elas será tão grande que não mais será
possível o cruzamento (saudável) entre elas. Não serão gerados descendentes que
carreguem genes de ambas as raças. Sem falar na diferença visual quando
comparamos ambas. Outro exemplo: cavalo e jumento. Embora gerem a mula, esta é
infértil. Não gerará descendentes nem propagará a nova espécie.
Fácil perceber que negros e
brancos não constituem espécies diversas. Trata-se apenas de uma mutação nos
genes responsáveis pela produção de melanina, substância que protege a pele dos
raios ultravioletas. Nos europeus, não mais se fazia necessária tal substância,
em razão da produção de vitamina D pela pele, processo esse que ficava
prejudicado em regiões frias e com a melanina na superfície da pele. As
mutações que não mais produziam melanina tiveram uma vantagem genética. O mesmo
ocorreu com: olhos claros, cabelos lisos, tendões longos (facilitam correr) ...
todas mutações.
Superada a discussão quanto à
raiz da palavra racismo, passemos às particularidades históricas.
Portugal era, antes de ser um
pais europeu, especificamente a primeira nação moderna surgida na Europa desde
a queda do Império romano, uma província localizada no Império Árabe (ou muçulmano).
Geneticamente, e conforme Darcy
Ribeiro, o português está mais próximo de um africano do norte da África do que
de um espanhol.
Foram esses árabes que adotaram o
cristianismo e fundaram, ao tempo do Rei Afonso, um novo país. Sem dúvidas o
isolamento que sofreram por estarem “atrás dos Montes” deu-lhes a cola social
responsável por fazer surgir uma nação.
Trocaram seus nomes árabes por
outros mais europeus. Criaram uma situação religiosa exótica conhecida como “cristão
novos”. Essa criação garantiu a riqueza da nova nação por mais de 2 séculos.
Por fazer parte de um grande e
riquíssimo império, Portugal era povoada por comerciantes e banqueiros árabes e
judeus. Quando criaram o novo país, adotando o cristianismo, o novo governo deu
a oportunidade para quer aqueles que desejavam fazer parte da nova nação
adotassem a nova religião e se convertessem. Certamente isso causou incômodo na
Igreja Romana, mas os resultados almejados estavam surgindo conforme desejado.
Após a conquista de
Constantinopla pelos turcos seljúcidas, a Europa parou de ter acesso a produtos
orientais, consumidos pela nobreza: temperos, especialmente. Esse comércio era
originado na China ou na Índia e o transporte era feito por comerciantes
árabes. Com a conquista de Constantinopla, houve a interrupção quase total desse
tráfego comercial. Somente quem conseguia acessar aqueles mercados eram
navegantes italianos, que monopolizaram o comércio marítimo com o Oriente.
Os novos “donos do comércio” com
o Oriente exigiam ouro como moeda de troca. Só havia essa possibilidade. Como
ouro era algo raro na Europa, os países desejosos daquelas delícias do Oriente
deveriam arrumar alguma maneira de conseguir ouro.
Portugal, povoado por um povo
navegador e que não compartilhava o temor dos demais europeus pelas “coisas do
mar”, utilizou os capitais disponíveis de cristãos-novos árabes e judeus para
financiar a busca por rotas marítimas que levassem a regiões africanas onde
sabiam que conseguiriam ouro. Pouco após ficou claro que essa rota, estendida, levaria
a uma passagem africana em direção ao Oriente.
Em 1498 Bartolomeu de Gusmão
provou que as suspeitas eram fundamentadas. No ano seguinte, Vasco da Gama fez
o percurso, entrou em conflito com os árabes que o viram em Calicute, mas
voltou com mercadorias suficientes para contaminar os portugueses com sonhos de
riquezas. Pouco após, Vasco da Gama levou sua cruz de Malta, símbolo cruzado, a
Calicute, agora acompanhado de canhoneiras, expulsou os comerciantes árabes e
colocou o monopólio do comércio com o Oriente nas mãos de portugueses.
Do lado Oriental, um navegante italiano
de sangue, português de coração viu a oportuinidade de ganhar um bom dinheiro
levando as nações que se lançavam em direção ao mar a novas terras e riquezas.
Exigindo o monopólio comercial e participação sobre todo o futuro comércio,
Colombo prometeu ao Rei de Portugal levar sua nação ao Oriente viajando em
direção ao ocidente. Após a recusa deste Rei, Calombo ofereceu-a aos reis
espanhóis. Estes também recusaram inicialmente. Após dizer que iria oferecê-la
aos Reis ingleses, voltaram atrás e aceitaram a proposta de Colombo.
Como apenas estas duas nações estavam,
de fato, explorando o Atlântico, e com Portugal já dominando a passagem
africana, deu-se a partilha do Atlântico sul entre ambas, sob os auspícios da
Igreja.
Após, com a conquista de imensas
terras, deu-se a necessidade de adquirir mão de obra. A indígena mostrou-se
impossível. Eram muito livres para fazer algo além de carregar troncos.
Tentaram usar presos e degredados. Eram poucos. Por fim, lançaram mão do
comércio que já conheciam por meio dos árabes de outrora: o tráfico de
escravos. O comércio de escravos africanos era explorado na sua vertente do
Pacífico. Inaugurava agora, Portugal, a vertente atlântica, que superaria a
anterior em todos os sentidos.
Agora temos uma nação nova, pequena,
rica, de matiz genética variada e que fazia uso em larga escala de mão de obra
escrava. Mesmo antes das navegações históricas, famílias portuguesas já usavam
escravos trazidos de outras partes. O próprio instituto da escravidão era
praticado na Europa: a servidão.
Portanto usar mão de obra de
pessoas negras para serviços que consideravam indignos era uma postura nobre e
natural, já antes de 1500.
Pode-se dizer que o fracasso de
Portugal na era moderna foi fruto de seu passado extremamente bem sucedido na
Alta Idade Média. Preso a tais sucessos, derrubar essas construções sociais foi
uma batalha de séculos e influenciou (e influencia) a nossa história.
Países que não passaram por esses
episódios, como a Inglaterra, tiveram história diversa. França, Inglaterra e
outros tiveram de superar o atraso nas navegações, invadiram e conquistaram
colônias alheias, tiveram de explorar portos africanos para aquisição de
escravos por meio da expulsão de outras nações que as precederam ... além de
serem países de população bem mais numerosa que Portugal (e Holanda).
Outro fato interessante diz
respeito à religião. Portugal somente conviveu com o catolicismo em casa. O catolicismo
era a religião do Império romano. Como se espalhou rapidamente para regiões
distantes e de etnia variada, não tinha o mesmo puritanismo que surgiu no
protestantismo europeu.
Assim, por séculos,
acostumamo-nos (como brasileiros) a ver negros nas posições sociais mais
baixas, sofrendo discriminações mil, porém sem possibilidades de criticar uma
visível barreira social, visível apenas nos países de cultura protestante e de
matiz social menos mesclada, como naqueles colonizados por Inglaterra, França,
Espanha, Holanda, dentre outros.
Enfim. Por todo o exposto (e por muito
mais razões que até a razão desconhece) convivemos atualmente com uma das
culturas mais racistas do mundo ... mesmo sem sê-lo exatamente.
Rubem L. de F. Auto
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