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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

COMO MARX TRANSFORMOU O FARDO DO HOMEM BRANCO NA INSPIRAÇÃO TEÓRICA DO COMUNISMO ?


O Fardo do Homem Branco (White Man`s Burden) é um poema escrito por Rudyard Kipling que, embora inglês, escreveu no momento em que os EUA tomavam as ilhas Filipinas da Espanha, dando início a sua era imperial.

O poema dizia respeito às obrigações que os colonizadores assumiam ao tomar para si um território e seu povo, ao ter de fazê-los entrar numa era de modernidade, tendo de educá-los em diversas artes, como democracia, produção de bens para o mercado, assunção de um lugar no comércio internacional ... e certamente o que gerava mais problemas e que parecia “incompreensível” aos olhos europeus: aceitar seu papel de escravo na divisão internacional do trabalho.

Ao criar a Doutrina Monroe (América para os americanos), parecia que os EUA estavam dando início a um novo tipo de imperialismo, em que a dominação econômica se dava sem que houvesse a dominação militar e política – essas últimas eram justamente as que correspondiam ao tal fardo ...

Contudo, em alguns casos, o modelo imperial correspondia ao figurino europeu. Após as ilhas Filipinas, os americanos foram a Cuba, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, El Salvador etc etc etc.

Onde não entraram e se estabeleceram pela força das armas, derrubaram o governo eleito e impuseram em seu lugar uma marionete que defendesse seus interesses – os famosos “Mister 10%”.


No início do século XIX, Karl Marx trabalhava como correspondente de um jornal americano em Londres.

Nesse cargo, teve contato com uma coluna publicada em seu jornal, que defendia o seguinte: ser um escravo negro na América era melhor do que ser um branco ! Veja bem: o escravo negro tem um senhor branco; esse senhor se preocupa com ele, afinal esse escravo não foi de graça. Por outro lado, uma pessoa branca nunca terá um senhor que se ocupe dele. Portanto sempre será um escravo branco, sem senhor.

Evidentemente Marx não concordou com uma só linha de tais escritos ... mas se ocupou dessa parte: homens livres sendo chamados de escravos brancos. Terá essa expressão algum fundo de verdade ?
Sem sombra de dúvidas os escritos de Marx não poderiam ser postos, inicialmente, ao mesmo lado dos escritos de Locke, Voltaire, Spinoza etc. Estes eram acadêmicos, faziam parte de grandes universidades, escreviam sob a perspectiva de idéias e de reflexões, muitas vezes abstratas e não interessadas em pessoas específicas.

Marx foi enviado à universidade de Berlim para estudar Direito. Não se formou, fez parte de um grupo de alunos que se denominavam “hegelianos” e foi trabalhar como jornalista.

Duas notas: Hegel foi um pensador revolucionário alemão que criou a teoria que analisava a história assim: um acontecimento leva à tese. A resposta a tal ocorrência, à qual se opõe, forma a antítese. O resultado final criava a síntese. A outra: trabalhando como jornalista em Londres, ele tem contato com Engels.

O pensamento de Hegel, associado a um conhecimento descomunal sobre a história da humanidade, fez com que Marx criasse  a sua Dialética Histórica. Este se caracterizava como um modo de analisar as ocorrências históricas por suas idéias subjacentes e sempre buscando entender os conflitos sociais (antagonismos de classe) em que se encontram. Esse método rendeu-lhe sua fama de “vidente” – alguém capaz de antecipar fatos históricos.

Marx viveu quando a burguesia surgida da Revolução Industrial e dos movimentos Iluministas completava pouco mais de meio século no Poder, ao menos nas principais nações européias.

Essa nova classe social, os burgueses, que viriam a fazer oposição ao proletariado, na nova visão da Dialética de Marx, foram o produto de um período de grandes avanços econômicos, advindos da superação do feudalismo e da Idade Média.

Em síntese (quase-hegeliana): no período feudal havia o rei, dono do feudo, que eram para todos os efeitos um país independente; a partir de Karl Magnus, em 800 dC, tem início a ligação política entre a maior autoridade do Período – o Papa – e o Sacro Imperador Romano que lhe detinha os poderes militar e o político. Portanto havia, na sociedade em geral, os reis que detinham o feudo e tudo o que nele há, inclusive as pessoas. O camponês plantava para si e para o dono Senhor Feudal, que ficava com parte da produção como pagamento por tolerar a presença dos tais camponeses. Estes usavam parte do que colhiam para si para vender nas feiras urbanas (burgos), que cresciam conforme a população aumentava e pessoas fugiam do campo para as cidades. Com tais recursos, adquiriam aquilo que não produziam. Esse comércio enriqueceu os mercadores urbanos, que conseguiram retirar a dominação feudal sobre si.
Alguns séculos após, algumas coisas se somaram a esses fatos: A descoberta da América, a rota africana para o Oriente, a colonização das América, o comércio colonial, as novas idéias, a Revolução científica ... adentrando pela Revolução industrial afora: utilização de máquinas e energia não-humana e nem animal, divisão do trabalho que aumentou exponencialmente e além da imaginação a quantidade de bens produzidos. Tudo isso deu à burguesia um caráter revolucionário.
Conforme admitiu Marx, a burguesia criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas: conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as cruzadas.

Nas palavras de Marx: os maiores revolucionários da história. Em pequeno espaço de tempo fizeram mais do que toda a humanidade desde a construção das Pirâmides. Mudaram em poucos anos toda estrutura social que existia até então.

Para utilizar alguns exemplos que Smith usou em suas obras:

“Tomemos um exemplo de uma manufatura insignificante, mas na qual a divisão do trabalho tem sido frequentemente notada, o fabrico de alfinetes; um operário não treinado nesta atividade (que a divisão de trabalho tornou um ofício distinto), e que não soubesse trabalhar com as máquinas nela utilizadas (para cuja invenção a divisão do trabalho provavelmente contribuiu), mal poderia talvez, ainda que com maior diligência, produzir um alfinete num dia e não seria, com certeza, capaz de produzir vinte. Mas, da forma como esta atividade é atualmente levada a cabo, não só o conjunto do trabalho constitui uma arte específica como a maior parte das fases em que está dividido contribuem de igual modo ofícios especializados.
Um homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o, um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça; o fabrico da cabeça requer duas ou três operações distintas; a sua colocação é um trabalho especializado como o é também o polimento do alfinete; até mesmo a disposição dos alfinetes no papel é uma arte independente; e a importante atividade de produzir um alfinete é, deste modo, dividida em cerca de dezoito operações distintas, as quais, nalgumas fábricas, são todas executadas por operários diferentes, embora noutras um mesmo homem realize, por vezes duas ou três dentre elas.
Eu próprio vi uma pequena fábrica deste tipo, que empregava dez homens e onde, por consequência, vários deles executavam duas ou três operações distintas. Mas embora fossem muito pobres e não se encontrassem, por isso, muito bem apetrechados com a maquinaria necessária, eram capazes de produzir entre eles, quando nisso se empenhavam, cerca de doze libras de alfinetes por dia. Assim, aqueles dez homens produziam em conjunto mais de quarenta e oito mil alfinetes num dia.
(…) O grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento da destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de muitos.”
Smith, Adam (1776), A Riqueza das Nações, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 79-83
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/

Houve mudanças na própria maneira de encarar a criação de riquezas. Os egípcios levantaram pirâmides, mas não as puseram abaixo quando não mais cumpriam o papel para que foram designadas. Continuaram em pé. Diferente de um capitalista que põe abaixo um prédio para erguer outro mais moderno ou alocado a atividades mais lucrativas.

Pode-se colocar nesse prato o impacto que os novos banqueiros do mundo causaram. Desde tempos antigos mercadores endinheirados eram procurados por governantes para emprestar-lhes dinheiro. Como a Igreja católica punia a usura, essa atividade ficou nas mãos de árabes e judeus.

Emprestar dinheiro era atividade perigosa quando não havia regras claras sobre as obrigações assumidas. Taxas de juros acima de 50% a.a. eram comuns – e lucrativas, claro. Em geral esses empréstimos visavam ao pagamento de despesas de guerras, mas também ocorriam em períodos pacíficos, como no período entre 1150 e 1250, quando quase todas as cidades francesas ergueram belas Igrejas.

No final do séc. XVIII fazer guerras estava muito caro, e países que cumpriam melhor suas obrigações para com os banqueiros mais acesso ao crédito. Isso desequilibrou a balança em favor de nações, muitas vezes, pequenas.

Essa foi a força impulsionadora, que levou nações européias a dominarem o Globo. Os famosos impérios “onde o sol nunca se põe” surgiram a se expandiram incessantemente.

Evidentemente essa realidade trouxe alguns conflitos. As condições de trabalho, a alienação que a divisão do trabalho provoca sobre o trabalhador, a concentração de riquezas ... Tudo isso levou ao antagonismo burguesia versus proletariado.

Algumas novidades surgidas no campo aceleraram o processo de surgimento da burguesia. Um deles foi o enclosure. A expulsão de pessoas das terras antes exploradas coletivamente, na Inglaterra, em direção às cidades, levou à disponibilização de mão de obra barata e ao aumento de produtividade da indústria têxtil. Note-se: essa indústria foi seminal na Revolução Industrial.
Todas as cidades européias viveram processo semelhante. Essa mão de obra abundante nas cidades também garantiu o impulso inicial para acumulação capitalista pela burguesia. Imagine apenas que cidades como Londres, Paris, Berlim etc. eram imensas favelas, onde grassavam esgoto a céu aberto, rios poluídos, violência urbana elevada ... conhece alguma ?

Com a invenção da máquina vapor, dá-se a Revolução industrial. Máquinas a vapor nas minas de carvão serviam para bombear água para fora; máquina a vapor conectada a agulhas serviam para costurar; máquina a vapor em locomotivas criaram as marias-fumaças ...

Bom, mas e quanto às pessoas ? As pessoas estavam acostumadas a suas vidas no campo. Isto é: muito trabalho, por longas jornadas, trabalho pesado e cuja remuneração não ocorria em dinheiro, mas com a possibilidade de produzir para si também. Os ricos eram ricos por serem donos das terras. Os pobres eram donos de sua força de trabalho, e só. Esse processo foi transferido para a nova vida nas fábricas. Para imaginar o que era a vida no campo, apenas imagine que o inferno das fábricas era capaz de atrair pessoas interessadas ...

Algum tempo após, e influenciadas até mesmo pelo processo extremamente bem sucedido de acumulação de riquezas, surgiram as leis de proteção ao trabalho. A primeira: o Moral and Health Act, promulgado na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, de Robert Peel, em 1802. Ela fixou medidas importantes, mas inadmissíveis hoje em dia: duração máxima da jornada de trabalho infantil em 12 horas, além de proibir o trabalho noturno.

Mas ainda havia muito por ser feito: em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista, primeiro documento histórico a discutir os direitos do trabalhador.

Em função da força que as Revoluções socialistas passaram a ter na Europa, principalmente na sua incasável luta por melhorar as condições de vida dos trabalhadores, e temendo a adesão à causa em solo alemão, o chanceler alemão Otto von Bismarck impulsionou, em 1881, a criação de uma legislação social voltada para a segurança do trabalhador. Foi a primeira a obrigar empresas a subscreverem apólices de seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade, velhice e doenças, além de reconhecer sindicatos. A iniciativa abriu um precedente para a criação da responsabilidade social de Estado, que foi seguida por muitos países ao longo do século XX.

Em 1917 o México dava sinais de ser a primeira nação comunista no Planeta. O movimento foi refreado, mas a Constituição do México, promulgada em 1917, foi a primeira da História a prever a limitação da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor de idade, férias remuneradas e proteção do direito da maternidade. Logo depois, a partir de 1919, as Constituições dos países europeus consagravam esses mesmos direitos.


Ao globalizar os processos de produção e retirar dos países o poder de estabelecer quais processos existem (ou continuarão existindo) em seus territórios, tornando-os capazes apenas  de incentivar ou desincentivar a implantação de tais processos em seus territórios, argumentam alguns que o processo capitalista e sua burguesia dominadora dariam início a um período de paz eterna.

Por outro lado, outros argumentam que episódios como as duas Guerras Mundiais eram produto do embate entre as burguesias nacionais de certos países. Tais disputas passaram a envolver países, já vistos como dominados por grandes burgueses. Esse teria sido o estopim.

Seja como for, após a 1ª GM, o Tratado de Versalhes, que garantiu a criação da Organização Internacional de Trabalho (OIT), impulsionou a formação de um Direito do Trabalho mundial.



Rubem L. de F. Auto

Fontes:
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/04/evolucao-das-relacoes-trabalhistas
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/



   


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