Assumidamente anti-macedônio, o orador Demóstenes reagiu à
tomada do controle de toda a Grécia pela Macedônia de Alexandre da mesma
maneira como vinha agindo até então: a Macedônia representava a perda da
autonomia de Atenas e o fim de sua democracia. Segundo Demóstenes, Alexandre,
como seu pai, era a encarnação da barbárie e da selvageria. E assim oscilamos
ainda hoje, embasbacados pelos feitos militares ao passo que temos a sensação
de que a outra face é a tirania política.
Os feitos incríveis de Alexandre e seu exército forma
coroados pela dupla derrota de Dario III, assassinado por seus homens após sua fuga
desonrosa do campo de batalha, e pela incineração do grande palácio de
Persépolis, sede do poder persa. O ano em que ocorreram esses fatos, 330 a.C.,
marca um ponto de inflexão, pois desse momento em diante o grande general grego
dava vez ao líder tirano intolerante a qualquer crítica e sem o menor pudor em
desrespeitar tradições gregas há muito arraigadas.
Mas a verdade é que essa impressão do desenrolar da história
é apenas a versão que se firmou, aquela contada por Demóstenes. Mas, como dito,
trata-se apenas de uma versão. Alguns fatos depõem claramente contra o que
apregoara Demóstenes.
Ainda nos tempos de
Filipe, foi firmada a Liga de Corinto, pacto de paz envolvendo as cidades
gregas, exceto Esparta. Esta Liga pôs fim a séculos de guerras incessantes,
causadas pela eventual supremacia de uma cidade em relação às demais. Tal
estabilidade afastou de uma vez por todas a ingerência do rei da Pérsia sobre
assuntos gregos, pois esta era freqüentemente chamada para acudir uma cidade
grega que se via sem forças para lutar contra sua adversária local. Se houvesse
ingerência agora seria de uma cidade grega, a própria Macedônia.
Outro avanço notado no período foi a melhoria substancial da
infraestrutura dos templos e santuários sagrados. A cidade de Corinto, central
nos acordos pactuados, era próxima dos santuários de Nemeia e Istmo; ambos
receberam investimentos substanciais capitaneados por Filipe. Nemeia
converteu-se no principal centro de jogos atléticos e internacionais, exibindo um
novo templo, um albergue, um ginásio e um estádio.
Importante notar que os templos e santuários eram locais de
reunião pública, portanto permitiam reverberavam para toda a Grécia as decisões
tomadas no âmbito da Liga. Todas as vitórias da expedição de Alexandre até os
confins do mundo conhecido (chegou até a Índia e o Paquistão) foram anunciadas
em Olímpia, em todos os eventos Olímpicos.
Sob Filipe a Alexandre, aquele território ocupado por
cidades díspares e constantemente em guerra ganhou uma unidade única,
permitindo finalmente ser chamado de Grécia antiga.
Atenas progrediu também nesse período. Desde 350 a.C.,
aquela cidade vivia uma crise financeira, que seria finalmente domada pelas
políticas financeiras implantadas por Eubulo. Contudo, a guerra contra Filipe
em Queroneia custou todos os recursos acumulados até então. Novamente em crise,
Atenas agora via um outro administrador, Licurgo, pôr as contas em dia. Este
último garantiu o maior período de prosperidade grega no século IV a.C. O PIB
de Atenas duplicou, tendo superado os números da época do império ateniense, de
cem anos antes. E a economia era crescia agora em razão de desenvolvimentos
internos, não mais por impostos recolhidos de territórios sob seu domínio. O
sistema bancário, falido por não mais poder contar com os recursos antes
disponíveis nos cofres dos santuários, esvaziados pelas desavenças bélicas,
voltaram a se encher e os banqueiros voltaram à proeminência de outros tempos.
O salário diário médio cresceu entre 50 e 100%.
Enfiam, poucos atenienses poderiam reclamar do padrão de
vida que desfrutavam sob os “tiranos” da Macedônia.
A arquitetura ateniense também evoluiu. Embora concentrado
nas instalações militares e de defesa, muitos empregos foram gerados, como na
reconstrução da muralha da cidade e na expansão posterior de sua marinha.
Também foram construídos teatros e templos, como o teatro ao deus Dionísio, o
primeiro todo em pedra, para 17.000 pessoas e existente ainda hoje.
Uma das políticas de Licurgo foi atrair a Atenas estrangeiros
ricos, mediante incentivos financeiros e até fornecendo-lhes terras para a construção
de templos a seus deuses de preferência. Ordenou também a construção de um novo
estádio para as competições esportivas durante o Panatheia. Sob Licurgo também
foi erguida a segunda academia de Aristóteles, o Liceu, além da expansão da
primeira. OS santuários de Asclépio e de Elêusis viram progressos significantes
também.
Sem dúvidas tantos anos de paz abriram espaço para
progressos inesperados.
Bom, mas e a tão cara democracia? Esta também ganhou, pois a
colina de Pnix, local de instalação da assembléia, foi modernizada, recebendo
uma tribuna para oradores, ainda hoje de pé.
A Ágora, principal local de convívio urbano, recebeu prédios
modernos e um sistema de comunicação pública, segundo o qual um painel de
notícias continha os deveres dos cidadãos, que era renovado mensalmente e ficava
no foco do olhar vigilante de estátuas representando os pais fundadores tribais
da cidade.
Alexandre ainda pôde presentear Atenas com alguns dos seus
bens mais caros: as estátuas dos pais fundadores democráticos de Atenas,
aqueles que mataram os antigos tiranos e fundaram a democracia ateniense – daí serem
batizados de Tiranicidas. Essas estátuas haviam sido roubadas pelos persas 150
anos antes e levadas para Persépolis. Após sua vitória acachapante e pouco
antes de pôr fogo no palácio, Alexandre tratou de recuperá-las e devolvê-las e
seus donos de direito.
Como se não bastasse, um evento poria fim à reputação de
Demóstenes. Hárpalo, ministro das finanças de Alexandre, passou a mão nos
recursos persas, gastou boa parte com uma prostituta e fugiu para Atenas,
implorando proteção da cidade. No entanto não encontrou pessoas muito dispostas
a ajudá-lo, tendo até Demóstenes exigido que se entregasse a seu antigo rei.
Sabedor do poder que o dinheiro exerce sobre algumas pessoas, Hárpalo
presenteou Demóstenes com uma taça de ouro, cujo reluzir hipnotizara o velho
orador. Imediatamente Demóstenes passou a apoiar Hárpalo e a pedir que a cidade
o protegesse.
Quando Alexandre retornou de suas campanhas, entrou em cena
e exigiu o retorno de Hárpalo, para que fosse julgado e sentenciado. Este fugiu
para a ilha de Creta, achando-se lá seguro, sendo, no entanto, lá mesmo
assassinado.
Pouco após, resultado das investigações sobre o fato, foi
tornado público o tal “presente” a
Demóstenes, a tal taça de ouro que o subornou. A ira dos atenienses foi
implacável contra o corrupto orador, como na frase contra si bradada em claro
sinal de deboche: “Homes de Atenas, não devemos ouvir aquele que detém a taça?”
Aceitar suborno para agir contra Atenas era o cume dos absurdos absolutamente
inaceitáveis.
Mais do que isso. Com o avanço das investigações,
constatou-se que havia uma diferença significativa entre a quantidade de ouro
que Hárpalo confessara ter roubado e o montante depositado na Acrópole. Demóstenes nunca havia falado nessa diferença. Resultado: o tribunal do Areópago
decidiu por processar todos os que teriam se beneficiado da fortuna, estando
Demóstenes e Dêmades entre os condenados. Dez promotores e um júri composto por
1.500 cidadãos tomaram parte no julgamento.
Demóstenes terminou
exilado – sentença positiva, pois escapara da execução – em Egira, ilha
localizada no litoral de Atenas. De lá, chorava ao contemplar sai Atenas ao longe
e aconselhava a todos se manterem longe da vida pública e da besta fera representado
pelo demos, o povo.
Também foi sob Alexandre que Aristóteles, antigo tutor do
rei macedônio e agora residente em Atenas, escreveu sua obra “A Constituição
dos Atenienses”, no ano de 320 a.C., de onde se extrai quase tudo o que se sabe
sobre a cidade e seu sistema de governo.
Mas apenas um ano após o exílio de Demóstenes, Alexandre
aparecia morto, provavelmente envenenado por seus próprios homens.
Mas aí é outra história...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Dos democratas aos reis....”
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