Conta-se que o indiano Sissa, uma espécie de cientista
brâmane da corte do rajá Blahait, foi encarregado por este de criar um jogo que
exigisse de seus contendores qualidades como prudência, diligência, previsão e
conhecimento. O objetivo era se livrar do fatalismo dos jogos praticados até
então, que exigiam apenas sorte nos dados.
A resposta de Sissa veio na forma de um tabuleiro com peças
de xadrez bastante parecidas com as atuais. Tais peças eram a representação das
quatro frentes do exército indiano: carros, cavalos, elefantes e soldados a pé.
Comandavam-nas o rei e seu vizir. Sissa julgava que a guerra era o ambiente que
melhor aferiria as capacidades dos participantes.
Pela formação de batalha das forças da região quando da
chegada de Alexandre, o Grande, calcula-se que o jogo date do século IV a.C.
O rajá Balhait ficou de tal forma estupefato com a invenção,
que ordenou que fosse mantida nos templos, além de servir como ferramenta
fundamental nos treinamentos para batalhas.
Supondo que Sissa desejasse uma recompensa à altura de seu
feito, Balhait assim se dirigiu ao mesmo: “Pedi qualquer recompensa que
desejardes; será vossa”. Amante do conhecimento e desprendido de vaidades
mundanas, Sissa se disse perfeitamente recompensado pelo prazer que seu
invenção estava a causar nas pessoas.
Mas Balhait realmente desejava recompensar seu cientista
favorito, insistiu que este lhe fizesse o pedido de sua preferência, ao passo
que o mesmo então propôs a seu rei: “Dai-me uma recompensa em grãos de milho
sobre o tabuleiro de xadrez. Na primeira casa, um grão; na segunda, dois; na
terceira, quatro; na quarta, o dobro de quatro; e assim por diante, até a
última casa.”
Impressionado pela simplicidade do pedido, o rei então
ordenou que se trouxesse todo o milho pedido por Sissa, não sem antes poder
notar um leve sorriso no canto da boca do inventor, enquanto dizia: “Não
preciso de mais. Basta-me uma pequena porção dos bens mundanos.”
Balhait deve ter ficado boquiaberto quando notou que antes
mesmo que se atingisse a metade das 64 casas do tabuleiro todo o milho da Índia
já havia sido empenhado a Sissa. Balhait então se volta desesperado a Sissa,
que revela já ter prévio conhecimento de que toda a produção de milho da Índia
seria insuficiente para atingir sua solicitação.
De fato, Sissa disse-lhe que a quantidade de grãos
necessária seria suficiente para cobrir toda a superfície do planeta Terra com
um tapete de milho de nove polegadas de espessura.
O número calculado era 264, ou
18.446.744.073.709.551.615 grãos de milho. Quando o sistema decimal, inventado
pelos indianos, finalmente alcançou os matemáticos árabes, al-Beruni calculou
que o número citado, se contasse número de pedras, poderia erguer 2.305 montanhas,
e que o planeta Terra não conteria toda a matéria necessária para tanto.
Com isso, Balhait não sabia dizer se admirava mais a
engenhosa invenção de Sissa, ou sua capacidade de elaborar enigmas matemáticos absolutamente
contra-intuitivos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “História do Xadrez”
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