Segundo alguns historiadores, é possível identificar no período
que se estende do século XI ao XV, uma revolução agrícola que permitiu uma
melhor alimentação e propiciou o aumento populacional do continente de 25
milhões de pessoas em 950 para 75 milhões em 1250.
As pessoas viviam geralmente em aldeias ou povoados
minúsculos, separados uns dos outros por enormes distâncias. Em meados do
século XIV, por exemplo, a França era o pais mais populoso do continente,
contando com cerca de 20 milhões de pessoas. A Inglaterra, no mesmo período
tinha 6 milhões.
Ainda eram tempos de sistema feudal, portanto todas as
terras pertenciam ao rei. Incapaz de aproveitá-las por si só, concedia enormes
domínios a nobres, que se comprometiam a trabalhá-la e defendê-la contra ataques
externos. Os nobres, no entanto, concediam partes do que receberam a
cavaleiros, estes sim obrigados a ir ao conflito caso houvesse. Por fim, as subdelegação
alcançavam o homem simples, do povo, que ficava obrigado a trabalhar alguns dias
da semana para seus suseranos, em troca da concessão de um lugar para morar e
trabalhar.
A maior parte absoluta das pessoas eram camponeses, que
laboravam usando ferramentas bastante primitivas e estavam sujeitos a todo tipo
de intempérie. Começavam o plantio pela semeadura, aproveitando os dias curtos
e frios do inverno, esperando colher os alimentos no verão, quando ocorriam
festas que reuniam todos os moradores das aldeias.
As pessoas eram divididas em classes sociais, cujo
pertencimento era desígnio divino, e raramente se ascendia para outra classe.
Questionar essa ordem das coisas era impensável, e mesmo que se se pensasse corria-se
o risco de sofrer punições terríveis. Até mesmo se mudar de cidade, vila ou
aldeia era raro.
Ainda que a produção agrícola da Baixa Idade Média tivesse
aumentado, o incremento populacional foi tal que a fome continuava a ser uma
sombra que volta e meio se projetava sobre as pessoas. Quando tal desgraça
ocorria, a solidariedade entre vizinhos e parentes aplacava seus efeitos. Os
mais pobres eram esquálidos e pálidos normalmente, podendo passar períodos de
fome. Comia-se a mesma coisa todos os dias: sopa de ervilha, vagens, legumes,
um pão duro e escuro, por ser produzido a partir de cereais inferiores, que
traziam ainda o risco de se morder terra ou pedra dos locais onde se moíam os
cereais. Cultivavam-se trigo, aveia, cevada, centeio, criavam-se galinhas,
porcos e abelhas nos quintais. Queijos e ovos também estavam disponíveis aos
mais pobres. O tipo de carne mais consumida entre os pobres eram resultado de
caças: coelhos eram bem comuns. Em dias de festas era possível comer carne de
carneiro, veado. As panelas dos pobres eram feitas de barro ou de ferro, e o
fogão era a lareira. Bebiam um tipo de cerveja com pouca concentração de
álcool, ou o famoso aguapé, um vinho misturado com água.
Bem diferente viviam os ricos. Comiam em torno de mesas
grandes, os pratos eram servidos por pajens. Contavam sobre a mesa com: cozidos,
assados, doces como o pudim. A carne também vinha de caçadas, porém eram bem
mais gordurosas e freqüentes. Comer carne era sinal de prestígio. Bebiam vinho,
sidra ou um suco de pera fermentado.
Ser comilão era de tal maneira prestigioso que reis que não
se empanturravam eram mal vistos pelos súditos, como ocorrera com o Duque de
Espoleto, a quem fora recusada a coroa francesa por seus hábitos alimentares
contidos. Isso, apesar do pecado da gula...
Uma carne bastante consumida era a de porcos, que viviam nos
bosques nos arredores das cidades. O fruto do carvalho também era apreciado.
Comiam-se peixes em profusão. Costumavam-se criar pomares ao redor das casas, o
que propiciava o consumo de frutas. Para adocicar o paladar, mel era mais comum
do que açúcar.
Nas cidades, adquiriam-se os alimentos em mercados, ao
contrário dos camponeses, que contavam basicamente com sua produção. Também nas
cidades se dava o consumo mais freqüente de carne, muitas vezes de boi, embora
fosse mais comum seu uso como ferramenta de trabalho. Nas cidades também era
mais comum o consumo de pão de trigo, ao contrário do pão preto do campo.
Talheres eram em geral desconhecidos, usando-se apenas uma
faca para cortar alimentos, unha, tirar verrugas... Como não era incomum
consumir alimentos podres, ou quase podres, era aconselhável fazer largo uso de
especiarias e condimento: pimentas, canelas, gengibre, cravo-da-índia. No
entanto, especiarias ainda eram muito caras, quase exclusivas dos ricos.
O dia a dia de um comerciante abastado morar de uma cidade se
iniciava com a oração diária, após acordar. Em seguida passava ao café da
manhã, quando comia um pedaço de pão, bebia vinho e ia trabalhar. De negociação
em negociação, chegava ao mercado, onde adquiria mercadorias para sua loja. Por
volta das 10 horas da manhã, retornava à casa, onde almoçava. A depender de
suas capacidades financeiras, poderia se empanturrar: assados, pastéis, tortas,
caldos, legumes. Já o jantar corria pelas 6 horas da tarde. A hora de dormir
girava em torno das 9 horas.
As leis eram bastante rigorosas com relação a pesos e
medidas. O padeiro que fraudasse no peso ou na qualidade dos pães que vendia
estava sujeito a punições como ser arrastado pelas ruas em estrato puxado por
um cavalo, ouvindo a população zombar dele a plenos pulmões.
O destino manifesto pregava o casamento, quase incondicionalmente.
Aos doze anos as meninas alcançavam a idade para o matrimônio; para os meninos,
a idade era de 14 anos, quando se dava sua entrada na vida adulta. Aos sete
anos apenas, uma menina já poderia estar comprometida a um homem.
Nas famílias nobres, os pais contavam com a ama de leite,
quem alimentava os bebês, além das empregadas que tomavam conta das crianças.
As famílias pobres evidentemente só contavam com si mesmas.
A infância dos nobres era curtida até os sete anos, mais ou
menos. Após, se menino, era enviado a um mestre, quem lhe ensinava a caçar,
manejar armas e montar cavalos. Caso não fosse primogênito, provavelmente seria
enviado a um mosteiro. As primeiras letras eram ensinadas por professores particulares.
Já os filhos dos pobres camponeses se iniciavam na vida
adulta acompanhando os pais na lavoura. Se fosse filho de artífice, frequentaria
a oficina do pai. Mais tarde, seria enviado a um mestre para trabalhar como
aprendiz.
O capítulo reservado à higiene pessoal daquela época chega a
ser assombroso. Eduardo III, rei inglês, deixou seus súditos escandalizados quando
tomou três banhos no curto intervalo de três meses. Tanto a medicina quanto a
Igreja criam que tomar banho com freqüência aumentava as chances de contrair
doenças – além daqueles que viam algo pecaminoso em se tocar durante uma bela
ducha. Santa Inês ficou famosa por passar a vida inteira sem se banhar. São
Francisco de Assis nem se banhava nem trocava de roupas. A regra eram roupas encardidas
de lã ou linho grosso.
As roupas também indicavam o pertencimento social: os homens
comuns vestiam túnica, culote, capuz e manto. As damas nobres vestiam chapéus
enormes. Meias e calções serviam a ambos. Já na hora de dormir despiam-se
completamente.
Pelo dito, as pulgas fizeram uma enorme festa naquele
ambiente imundo, amplamente propício ao aparecimento de pragas. Tanto a pulga
do rato-preto quanto a pulga do homem transmitiam a peste negra.
Nas cidades grandes, o problema dos banhos raros era
bastante amenizado. Muitas delas contavam com banhos públicos a la Roma antiga,
chamados de “estufas” e que disponibilizavam banhos quentes e frios, além de
uma piscina. Algumas casas contavam com tinas. Em Bruges foram encontrados mais
de 40 banhos públicos, funcionando diariamente.
A casa tradicional dos camponeses era construída com
madeira, os telhados eram de palha e o chão, de terra batida. Portanto os
incêndios eram um problema comum naquela época. Havia também as residências de
sapé, simples e de um cômodo apenas, com paredes de treliça de junco ou ramos
secos, preenchidas com barro socado. As paredes eram tão frágeis que não eram
incomuns mortes por lança perdida, que atravessava a parede e atingia o morador
em seu interior.
No centro da residência, havia a lareira, normalmente um
amontoado de pedras, sobre as quais punham as panelas. A fumaça, como não
possuía um escape apropriado, impregnava a casa. Sua função também era
esquentar o interior das casas, também.
Desde o século XIII, passaram-se a construir muitas casas de
pedras, com telhado de telhas de barro. A dificuldade maior desse tipo de
construção era o transporte das pedras, desde a pedreira até o local da
construção: apenas nobres, grandes comerciantes e senhores feudais possuíam uma
desse tipo. Não eram incomuns nessas residências paredes rebocadas com cimento
feito de água, areia e cal. Paredes pintadas e vidros nas janelas eram um luxo,
mas existiam.
Em suma, a residência medieval típica era gelada, úmida,
escura, fumacenta, fedorenta, cheia de insetos, os caibros do telhado aparentes
eram criadouros de ratos e morcegos. Banheiros inexistiam: usavam-se o mato ou baldes.
Os nobres contavam com latrinas, a que chamavam de “guarda-roupa”, pois o fedor
era tamanho que as traças das roupas fugiam do fedor quando alguém se
aproximava desta. Era si9mplesmente um assento sobreposto a um buraco, com uma
fossa debaixo.
O mobiliário da época, mesmo nas casas mais abastadas,
incluía mesas, cadeiras, banquinhos, arcas, estantes, armários e pouco mais. A
cama era o móvel mais caro, embora fosse pouco mais do que uma tábua com um
colchão de palha sobreposto. Os nobres, por sua vez, poderiam adquiri colchões
de penas, que pinicavam menos. Mas os dois eram colônias de pulgas.
Os mais ricos gostavam de adornar suas residências com
objetos de luxo importados do Oriente: vasos, tapetes etc. Já os pobres
deveriam se contentar com tapetes de palha, que cobriam o chão de terra batida.
Utensílios de ferro eram um luxo, pois eram normalmente de madeira.
A iluminação interna poderia ser à base de vela de cera de
abelha, mas essas eram caras. O homem do povo usava lamparinas a óleo ou velas
de gordura animal. As velas de cera eram mais comuns em igrejas e castelos.
Até o ano 1000 d.C., as pessoas viviam, em regra, no campo. Dali
em diante, com o aumento populacional e com o ressurgimento do comércio, após o
interlúdio da fase mais obscura da Era Medieval, as cidades voltaram a
florescer: a reurbanização estava em curso.
O processo é bem conhecido. Em geral, as pessoas se
agrupavam em torno de uma igreja, com campos abundantes ao redor: nascia assim
uma aldeia. Por volta do século XIV, início da peste negra, as cidades eram,
geralmente, aldeias com menos de mil habitantes. Quando o total de residentes
superava 20 mil, era considerada cidade importante. Gênova, Florença, Veneza,
Paris e Londres conseguiram superar os 50 mil moradores.
Nas cidades, havia um ambiente de produção artesanal e de
trocas comerciais. Os negócios funcionavam normalmente no andar de baixo da
residência do comerciante. Os estabelecimentos se concentravam nas ruas
principais, que reuniam comerciantes, mascates, mendigos, vendedores ambulantes
etc. Além de mendigos, os marginais incluíam vagabundos, prostitutas, sem-tetos
etc.
Como não havia iluminação pública, deveria-se evitar ao
máximo sair de casa após o sol se pôr: era a hora dos bandidos. Se fosse
inevitável sair à noite, que se fizesse armado, portanto tochas e acompanhado
de criados.
Com o tempo, diversas cidades passaram a contar com bairros
mais caros, onde residiam os abastados; havia também o bairro dos judeus, o
bairro dos estrangeiros, o bairro dos pobres, a depender do poder aquisitivo e
do estrato social de seus residentes.
A segurança das cidades contra invasões era provida por
muralhas, em geral com fossos ao redor. Essas muralhas terminavam por delimitar
até onde as cidades poderiam se expandir. Quando a densidade populacional
alcançava certo ponto, o crescimento ficava desordenado. Os prédios ficavam
mais altos, contando com três, quatro ou cinco andares. Isso gerava problemas
de iluminação, pois o sol já iluminava o solo, estreitava sobremaneira as ruas.
No limite, derrubavam-se as muralhas, abriam-se novas ruas e avenidas e se
reconstruíam as muralhas em local mais afastado. Isso tudo gerava gastos
públicos elevados, que geravam tributos onerosos para a população.
As ruas medievais eram estreitas e sinuosas. Geralmente eram
feitas com a medida necessária para passar um cavaleiro com sua lança
atravessada na diagonal. No meio das ruas geralmente passava uma vala para
escoar água da chuva e esgoto. Com isso, as cidades viraram criadouros de
doenças como tifo, febre tifóide e gripes diversas.
Lixo e detritos fecais se acumulavam e seu odor fétido era
algo comum ao homem daquela época. Cães, gatos e porcos se divertiam naquela
imundície. A limpeza ficava a cargo da natureza, quando mandasse uma chuva mais
forte. As ruas em cidades francesas ganharam nomes em função da quantidade de excrementos
nas cercanias: Rue Merdeux, Rue Merdelet, Rue Merdusson, Rue dês Merdons e Rue
Merdiére eram algumas.
Aos excrementos se somavam sangue e restos de animais
destrinchados por açougueiros no meio das ruas, trazendo consigo moscas diversas.
Além do risco de pisar em fezes, corria-se o risco de tomar um banho de merda
ao andar pelas ruas, pois o hábito de lançar água servidas pelas janelas era
bem difundido. No máximo, gritava-se “Cuidado aí embaixo”.
Caso uma mulher saísse às ruas desacompanhada, ou era louca
ou era prostituta. Se solteira, ela deveria ficar dentro de casa – embora às
vezes escapasse das regras estreitas ao se dependurar na janela, observando os
rapazes à distância. A mulher casada poderia sair de casa, mas acompanhada.
As mulheres deveriam ser obedientes. Melhor ainda se fosse
analfabeta, pois se evitariam trocas de cartinhas com outros homens.
Desejava-se que fosse pouco faladeira e não tivesse ambições. Fora isso:
recatadas, educadas e comportadas. Rir pouco e de modo discreto era elogiável.
Vestir-se modo respeitoso, então, nem se fala.
As meninas aprendiam a fiar, bordar, tecer, cozinhar. Se
nobres, aprendiam a fazer contas. As pobres, permaneciam ignorantes. As meninas
mais ricas, mandadas para conventos, aprendiam canto e música.
O poder do marido sobre a mulher alcançava o direito de
espancá-la, caso houvesse motivo. Santo Tomás de Aquino pregava que os filhos
deveriam amar mais os pais do que as mães.
A mulher deveria cuidar da horta e tratar os animais, prover
a alimentação da família, ir ao bosque catar lenha, ir ao poço e encher os
baldes de água. De manhã cedo, ela acendia o fogo para assar o pão, cozinhava a
sopa. Depois enrolava o colchão de palha, varria o chão da choupana. Nos dias
dedicados ao suserano, à mulher cabia cuidar da horta do senhor das terras onde
habitavam. Ordenhar vaca e recolher ovos também deveriam estar na lista de
coisas a fazer. Fora isso, cuidar dos filhos e dos idosos.
Aos domingos, ir à missa. Acompanhar procissões. Também era
hábito ir ao mercado vender os produtos que cultivavam, mas não consumiram:
leite, ovos, frutas, verduras. Caso viúva, a mulher poderia dar andamento aos
negócios do marido. Tendo se desincumbido dessas tarefas, ela poderia ficar um
pouco lã aos pés da roca.
Já a mulher nobre deveria dar um filho homem: o herdeiro.
O modelo de beleza era: branca, loira e testuda. Pele
rosada, mãos pequenas, olhos negros completavam o visual idealizado.
Os altos índices de mortalidade pós-peste negra propiciaram a
entrada das mulheres no mercado de trabalho, tendo-se criado até mesmo guildas
de mulheres, apenas.
Um dos grandes fatores que contribuíram para a expansão da
peste foi o estágio em que se encontrava a medicina pratica na época, cujos
procedimentos datavam de mais de mil e setecentos anos antes, quando Hipócrates
poderia ser encontrado para clinicar.
Dissecações de cadáveres humanos era vedado pela Igreja, o
que obrigava o estudo de fisiologia com porcos. Muitos professores de medicina
ensinavam inclusive a relação entre doenças e alinhamento de planetas.
Toda a medicina conhecida era aquela de Galeno, Avicena,
Hipócrates e dos seus seguidores árabes.
Mais da metade das crianças morriam ainda na tenra infância.
Somando-se a esse cenário desolador, não existiam hospitais públicos. Os
pacientes ou se dirigiam a edifícios monásticos, onde seria atendido por uma
freira piedosa. Portanto a regra era: se cair doente, faça imediatamente seu
testamento.
Capítulo à parte era a capacidade incrível que os médicos
desenvovleram de analisar a urina dos pacientes: conta-se sobre médicos que
descobriam se uma mulher estava grávida apenas examinando sua urina – e ainda revelavam
o sexo do bebê.
Os tratamentos, em geral, recorriam a plantas e ervas,
baratos e relativamente eficientes.
Portanto o ano de 1347, quando a peste negra alcançou a
Europa, o cenários era o de uma tempestade perfeita. Nada menos do que uma
tragédia ocorreria.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “1348 – A peste negra”
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