O Fardo do Homem Branco (White
Man`s Burden) é um poema escrito por Rudyard Kipling que, embora inglês,
escreveu no momento em que os EUA tomavam as ilhas Filipinas da Espanha, dando
início a sua era imperial.
O poema dizia respeito às
obrigações que os colonizadores assumiam ao tomar para si um território e seu
povo, ao ter de fazê-los entrar numa era de modernidade, tendo de educá-los em
diversas artes, como democracia, produção de bens para o mercado, assunção de
um lugar no comércio internacional ... e certamente o que gerava mais problemas
e que parecia “incompreensível” aos olhos europeus: aceitar seu papel de
escravo na divisão internacional do trabalho.
Ao criar a Doutrina Monroe
(América para os americanos), parecia que os EUA estavam dando início a um novo
tipo de imperialismo, em que a dominação econômica se dava sem que houvesse a
dominação militar e política – essas últimas eram justamente as que
correspondiam ao tal fardo ...
Contudo, em alguns casos, o
modelo imperial correspondia ao figurino europeu. Após as ilhas Filipinas, os
americanos foram a Cuba, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, El Salvador etc etc
etc.
Onde não entraram e se
estabeleceram pela força das armas, derrubaram o governo eleito e impuseram em
seu lugar uma marionete que defendesse seus interesses – os famosos “Mister 10%”.
No início do século XIX, Karl
Marx trabalhava como correspondente de um jornal americano em Londres.
Nesse cargo, teve contato com uma
coluna publicada em seu jornal, que defendia o seguinte: ser um escravo negro
na América era melhor do que ser um branco ! Veja bem: o escravo negro tem um
senhor branco; esse senhor se preocupa com ele, afinal esse escravo não foi de
graça. Por outro lado, uma pessoa branca nunca terá um senhor que se ocupe
dele. Portanto sempre será um escravo branco, sem senhor.
Evidentemente Marx não concordou
com uma só linha de tais escritos ... mas se ocupou dessa parte: homens livres
sendo chamados de escravos brancos. Terá essa expressão algum fundo de verdade
?
Sem sombra de dúvidas os escritos
de Marx não poderiam ser postos, inicialmente, ao mesmo lado dos escritos de
Locke, Voltaire, Spinoza etc. Estes eram acadêmicos, faziam parte de grandes
universidades, escreviam sob a perspectiva de idéias e de reflexões, muitas
vezes abstratas e não interessadas em pessoas específicas.
Marx foi enviado à universidade
de Berlim para estudar Direito. Não se formou, fez parte de um grupo de alunos
que se denominavam “hegelianos” e foi trabalhar como jornalista.
Duas notas: Hegel foi um pensador
revolucionário alemão que criou a teoria que analisava a história assim: um
acontecimento leva à tese. A resposta a tal ocorrência, à qual se opõe, forma a
antítese. O resultado final criava a síntese. A outra: trabalhando como
jornalista em Londres, ele tem contato com Engels.
O pensamento de Hegel, associado
a um conhecimento descomunal sobre a história da humanidade, fez com que Marx criasse
a sua Dialética Histórica. Este se
caracterizava como um modo de analisar as ocorrências históricas por suas
idéias subjacentes e sempre buscando entender os conflitos sociais (antagonismos
de classe) em que se encontram. Esse método rendeu-lhe sua fama de “vidente” –
alguém capaz de antecipar fatos históricos.
Marx viveu quando a burguesia
surgida da Revolução Industrial e dos movimentos Iluministas completava pouco
mais de meio século no Poder, ao menos nas principais nações européias.
Essa nova classe social, os
burgueses, que viriam a fazer oposição ao proletariado, na nova visão da Dialética
de Marx, foram o produto de um período de grandes avanços econômicos, advindos
da superação do feudalismo e da Idade Média.
Em síntese (quase-hegeliana): no
período feudal havia o rei, dono do feudo, que eram para todos os efeitos um
país independente; a partir de Karl Magnus, em 800 dC, tem início a ligação política
entre a maior autoridade do Período – o Papa – e o Sacro Imperador Romano que lhe
detinha os poderes militar e o político. Portanto havia, na sociedade em geral,
os reis que detinham o feudo e tudo o que nele há, inclusive as pessoas. O
camponês plantava para si e para o dono Senhor Feudal, que ficava com parte da
produção como pagamento por tolerar a presença dos tais camponeses. Estes
usavam parte do que colhiam para si para vender nas feiras urbanas (burgos),
que cresciam conforme a população aumentava e pessoas fugiam do campo para as
cidades. Com tais recursos, adquiriam aquilo que não produziam. Esse comércio enriqueceu
os mercadores urbanos, que conseguiram retirar a dominação feudal sobre si.
Alguns séculos após, algumas
coisas se somaram a esses fatos: A descoberta da América, a rota africana para
o Oriente, a colonização das América, o comércio colonial, as novas idéias, a Revolução
científica ... adentrando pela Revolução industrial afora: utilização de
máquinas e energia não-humana e nem animal, divisão do trabalho que aumentou
exponencialmente e além da imaginação a quantidade de bens produzidos. Tudo
isso deu à burguesia um caráter revolucionário.
Conforme admitiu Marx, a burguesia criou maravilhas maiores
que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas: conduziu
expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as cruzadas.
Nas palavras de Marx: os maiores
revolucionários da história. Em pequeno espaço de tempo fizeram mais do que
toda a humanidade desde a construção das Pirâmides. Mudaram em poucos anos toda
estrutura social que existia até então.
Para utilizar alguns exemplos que
Smith usou em suas obras:
“Tomemos um exemplo de uma
manufatura insignificante, mas na qual a divisão do trabalho tem sido
frequentemente notada, o fabrico de alfinetes; um operário não treinado nesta
atividade (que a divisão de trabalho tornou um ofício distinto), e que não soubesse
trabalhar com as máquinas nela utilizadas (para cuja invenção a divisão do
trabalho provavelmente contribuiu), mal poderia talvez, ainda que com maior
diligência, produzir um alfinete num dia e não seria, com certeza, capaz de
produzir vinte. Mas, da forma como esta atividade é atualmente levada a cabo,
não só o conjunto do trabalho constitui uma arte específica como a maior parte
das fases em que está dividido contribuem de igual modo ofícios especializados.
Um
homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o, um quarto aguça-o,
um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça; o fabrico da cabeça requer
duas ou três operações distintas; a sua colocação é um trabalho especializado
como o é também o polimento do alfinete; até mesmo a disposição dos alfinetes
no papel é uma arte independente; e a importante atividade de produzir um
alfinete é, deste modo, dividida em cerca de dezoito operações distintas, as
quais, nalgumas fábricas, são todas executadas por operários diferentes, embora
noutras um mesmo homem realize, por vezes duas ou três dentre elas.
Eu
próprio vi uma pequena fábrica deste tipo, que empregava dez homens e onde, por
consequência, vários deles executavam duas ou três operações distintas. Mas
embora fossem muito pobres e não se encontrassem, por isso, muito bem
apetrechados com a maquinaria necessária, eram capazes de produzir entre eles,
quando nisso se empenhavam, cerca de doze libras de alfinetes por dia. Assim,
aqueles dez homens produziam em conjunto mais de quarenta e oito mil alfinetes
num dia.
(…) O
grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do
trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três
circunstâncias: primeira, o aumento da destreza de cada um dos trabalhadores;
segunda, a possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao
passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de
máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de
realizar o trabalho de muitos.”
Smith,
Adam (1776), A Riqueza das Nações, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp.
79-83
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/
Houve mudanças na própria maneira
de encarar a criação de riquezas. Os egípcios levantaram pirâmides, mas não as
puseram abaixo quando não mais cumpriam o papel para que foram designadas. Continuaram
em pé. Diferente de um capitalista que põe abaixo um prédio para erguer outro
mais moderno ou alocado a atividades mais lucrativas.
Pode-se colocar nesse prato o
impacto que os novos banqueiros do mundo causaram. Desde tempos antigos
mercadores endinheirados eram procurados por governantes para emprestar-lhes
dinheiro. Como a Igreja católica punia a usura, essa atividade ficou nas mãos
de árabes e judeus.
Emprestar dinheiro era atividade
perigosa quando não havia regras claras sobre as obrigações assumidas. Taxas de
juros acima de 50% a.a. eram comuns – e lucrativas, claro. Em geral esses
empréstimos visavam ao pagamento de despesas de guerras, mas também ocorriam em
períodos pacíficos, como no período entre 1150 e 1250, quando quase todas as cidades
francesas ergueram belas Igrejas.
No final do séc. XVIII fazer
guerras estava muito caro, e países que cumpriam melhor suas obrigações para
com os banqueiros mais acesso ao crédito. Isso desequilibrou a balança em favor
de nações, muitas vezes, pequenas.
Essa foi a força impulsionadora,
que levou nações européias a dominarem o Globo. Os famosos impérios “onde o sol
nunca se põe” surgiram a se expandiram incessantemente.
Evidentemente essa realidade trouxe
alguns conflitos. As condições de trabalho, a alienação que a divisão do trabalho
provoca sobre o trabalhador, a concentração de riquezas ... Tudo isso levou ao
antagonismo burguesia versus proletariado.
Algumas novidades surgidas no
campo aceleraram o processo de surgimento da burguesia. Um deles foi o
enclosure. A expulsão de pessoas das terras antes exploradas coletivamente, na
Inglaterra, em direção às cidades, levou à disponibilização de mão de obra
barata e ao aumento de produtividade da indústria têxtil. Note-se: essa
indústria foi seminal na Revolução Industrial.
Todas as cidades européias
viveram processo semelhante. Essa mão de obra abundante nas cidades também
garantiu o impulso inicial para acumulação capitalista pela burguesia. Imagine
apenas que cidades como Londres, Paris, Berlim etc. eram imensas favelas, onde
grassavam esgoto a céu aberto, rios poluídos, violência urbana elevada ...
conhece alguma ?
Com a invenção da máquina vapor,
dá-se a Revolução industrial. Máquinas a vapor nas minas de carvão serviam para
bombear água para fora; máquina a vapor conectada a agulhas serviam para
costurar; máquina a vapor em locomotivas criaram as marias-fumaças ...
Bom, mas e quanto às pessoas ? As
pessoas estavam acostumadas a suas vidas no campo. Isto é: muito trabalho, por
longas jornadas, trabalho pesado e cuja remuneração não ocorria em dinheiro,
mas com a possibilidade de produzir para si também. Os ricos eram ricos por
serem donos das terras. Os pobres eram donos de sua força de trabalho, e só.
Esse processo foi transferido para a nova vida nas fábricas. Para imaginar o
que era a vida no campo, apenas imagine que o inferno das fábricas era capaz de
atrair pessoas interessadas ...
Algum tempo após, e influenciadas
até mesmo pelo processo extremamente bem sucedido de acumulação de riquezas,
surgiram as leis de proteção ao trabalho. A primeira: o Moral and Health Act, promulgado
na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, de Robert Peel, em
1802. Ela fixou medidas importantes, mas inadmissíveis hoje em dia: duração
máxima da jornada de trabalho infantil em 12 horas, além de proibir o trabalho
noturno.
Mas ainda havia muito por ser
feito: em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista,
primeiro documento histórico a discutir os direitos do trabalhador.
Em função da força que as
Revoluções socialistas passaram a ter na Europa, principalmente na sua incasável
luta por melhorar as condições de vida dos trabalhadores, e temendo a adesão à
causa em solo alemão, o chanceler alemão Otto von Bismarck impulsionou, em
1881, a criação de uma legislação social voltada para a segurança do
trabalhador. Foi a primeira a obrigar empresas a subscreverem apólices de
seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade, velhice e doenças, além de
reconhecer sindicatos. A iniciativa abriu um precedente para a criação da
responsabilidade social de Estado, que foi seguida por muitos países ao longo
do século XX.
Em 1917 o México dava sinais de
ser a primeira nação comunista no Planeta. O movimento foi refreado, mas a
Constituição do México, promulgada em 1917, foi a primeira da História a prever
a limitação da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do
trabalho da mulher e do menor de idade, férias remuneradas e proteção do
direito da maternidade. Logo depois, a partir de 1919, as Constituições dos
países europeus consagravam esses mesmos direitos.
Ao globalizar os processos de
produção e retirar dos países o poder de estabelecer quais processos existem (ou
continuarão existindo) em seus territórios, tornando-os capazes apenas de incentivar ou desincentivar a implantação
de tais processos em seus territórios, argumentam alguns que o processo
capitalista e sua burguesia dominadora dariam início a um período de paz
eterna.
Por outro lado, outros argumentam
que episódios como as duas Guerras Mundiais eram produto do embate entre as
burguesias nacionais de certos países. Tais disputas passaram a envolver
países, já vistos como dominados por grandes burgueses. Esse teria sido o
estopim.
Seja como for, após a 1ª GM, o
Tratado de Versalhes, que garantiu a criação da Organização Internacional de
Trabalho (OIT), impulsionou a formação de um Direito do Trabalho mundial.
Rubem L. de F. Auto
Fontes:
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/04/evolucao-das-relacoes-trabalhistas
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/