Pesquisar as postagens

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

QUANDO FOI QUE PASSAMOS A PRECISAR DE GANHAR DINHEIRO ?


Existe um entendimento óbvio sobre o dinheiro: dinheiro é poder ! Isso mesmo. Se você tem dinheiro você tem acesso a bens e serviços. Se não, não. E o que não é bem ou serviço consumível apenas mediante pagamento ? Quase nada.

Não falo da moeda, conceito econômico pelo qual, para ser moeda, certo bem deve ter valor intrínseco (como durabilidade ou escassez), deve ser aceito por todos os interessados (passível de troca), deve ser portável ...

Falo de dinheiro. Moeda é sua representação. Dinheiro, aqui, refere-se ao poder, à situação mais elevada na sociedade que a pessoa ocupa apenas por ter ... mais dinheiro.

Mas vamos voltar um pouco ... uns 10.000 anos na história.

Até então éramos caçadores-colhetores. Isto é, nossa satisfação  era proporcional a nosso esforço. Caçando um animal grande poderíamos ficar dois ou três dias curtindo mais tempo com nossas famílias. Não estávamos ainda presos à terra onde nascemos. Éramos nômades. Em caso de desentendimento com uma grupo rival, poderíamos “levantar acampamento” e procurar outras paragens.

Depois de criar laços mais profundos com outros seres humanos, tendo superado os obstáculos mais imediatos relacionados a encher a barriga, surgiu a reflexão mais profundo, que até hoje nos acompanha: depois que a gente morre, o que acontece ?

Dessa reflexão surgiram as angústias espirituais, que levaram à ... religião.

Provavelmente se iniciando com o mais velho da tribo (ou aldeia), surgiram os representantes dos deuses, embora tão homens quanto todos os demais: os sacerdotes.

Impressiona a pouca idade dos primeiros corpos de sacerdotes descobertos, mas devia já se tratar de alguma linhagem hereditária de sacerdotes.

Dá-se aí início ao poder, isto é, alguém que tem mais direitos (privilégios, melhor dizendo) que os demais. Em troca de uma suposta paz espiritual, tinham acesso a alimentos, conforto e segurança, mesmo sem trabalhar como os demais. O mesmo ocorreu com as instituições que se seguiram: governo e exército.

Mesmo assim, não se pode dizer que essas pessoas tinham dinheiro. Elas tinham poder político, militar, espiritual, poderiam até matar pessoas a seu bel-prazer, mas não tinham dinheiro.  

Então, em dado momento, começamos a comercializar. Egípcios, fenícios, sumérios, babilônios, gregos, romanos ... todos desenvolveram rotas comerciais, acumularam moedas locais, criaram-se classes socais de mercadores endinheirados. Mas o que exatamente os motivava ? Acredito que apenas o desejo de ter acesso a outros bens e serviços. Existia um raciocínio subjacente de permutar, de escambo. Não havia a noção de simplesmente acumular moedas. O dinheiro – o poder – era resultado de ter acesso a mais bens, mais diversos, alimentos produzidos em outros lugares. Cidades mais povoadas, pessoas de etnias variadas isso tudo representava riqueza e afluência daquela sociedade.

Na Idade Média européia o dinheiro tinha uma única representação concreta: terras. Casamentos entre famílias reais tinham como foco adquirir mais terras. Se não fosse assim, ocorria por meio das armas. Fora da Europa, havia os reinados africanos baseados em laços culturais, ou em etnias. O mundo árabe não valorizava a terra (exceto no Vale do Nilo e em outros poucos locais). A riqueza, o dinheiro advinha do comércio. Porém o raciocínio subjacente era: receber ouro dos europeus e levá-lo ao Oriente, para trocá-lo por mais bens. Nada mais que trocas e acesso a bens diversos. Mas não havia a idéia de acumular. Vivia-se da troca, permuta.

A descoberta (ou achamento) da América e sua colonização também seguiram o idéia da troca comercial. Toda a triangulação do Atlântico (Europa, África e América), tinha como fim o acesso a bens: escravos na África; açúcar, tabaco, e metais nas Américas; especiarias e chás orientais.

Apenas após a Revolução industrial a idéia de ganhar dinheiro realmente tomou conta de nossas vidas. A riqueza criada por meio de máquinas e a geração de crescimento econômico ao longo do tempo, idéia recente mas já impregnada em nossa cultura.

A partir de então temos os objetivos de procurar emprego, melhorar os rendimentos, executar uma atividade para alguém em troca de moeda, achar uma colocação profissional no processo produtivo do mundo corporativo ... e por aí vamos.

Atualmente discute-se a influência que os robôs (nada mais que máquinas, como a locomotiva ou a metralhadora), porém capazes de executar tarefas mais inteligentes e complexas.

Certamente serão geradas, ou poderiam ser geradas, mais riquezas. Em tese, teríamos a possibilidade de criar mais oportunidades para mais pessoas nos processos produtivos. E isso é a extensão lógica do que ocorreu até agora.

Seria. Afinal estamos analisando processos produtivos. Ao final, são produzidos bens e serviços que devem ser consumidos. Esse processo começa a enfrentar problemas quando a capacidade de pessoas consumirem põe limites ao ritmo de crescimento da economia. Esse fato pode ocorrer por diversas razões, mas a realidade atual vem apontando um motivo principal: o crescimento da desigualdade social, no mundo todo.

Embora sempre tenhamos convivido com a desigualdade extrema – aliás, a novidade foi a igualdade que vigiu no mundo desenvolvido após a II GM – os grandes saltos tecnológicos e do PIB do mundo ocorreram em período de maior igualdade social. Voltar aos padrões do século XIX seria experimentar uma economia moderna se sustentando sobre um corpo extremamente ultrapassado.

Uma conseqüência mais óbvia da concentração de renda é a redução do consumo agregado. Uma pessoa que já atendeu todas as suas necessidades de consumo acumulará, mas não consumirá tanto quanto uma pessoa de baixa renda que vê um pequeno aumento da mesma. O consumo do rico será reduzidíssimo, na margem.

Portanto, antevejo uma contradição a ser resolvida: ou muda-se a maneira como as pessoas conseguem renda (que não por meio do trabalho produtivo) e deixa-se as portas abertas ao desenvolvimento tecnológico; ou veremos um empobrecimento muito grande da sociedade mundial, fazendo com que a crise monumental que se seguiu à queda do Império Romano pareça fichinha.

Por este último cenário, seremos condenados a voltar alguns séculos na história.     



Rubem L. de F. Auto

    

VOCÊ SABIA QUE A LEGISLAÇÃO ANTIDROGAS DO BRASIL DEVERIA SER DECLARADA INCONSTITUCIONAL ?


Desde o fim do século XX, mas com muito mais ânimo e impulsionada pelas atitudes do país mais rico do mundo a partir dos anos 1970, iniciou-se aquela que ficou conhecida como Guerra às Drogas.
O relacionamento dos seres humanos com substâncias que alteram o estado da mente é milenar. Contudo, no séc. XIX, com o desenvolvimento das ciências, diversos princípios ativos foram isolados, estudados e transformados em medicamentos.

Se na Idade Média a química era feita por alquimistas; se no séc. XVIII estes deram espaço aos boticários; no séc. XIX surgiram as indústrias farmacêuticas. Cientistas geniais transformavam conhecimentos milenares acerca dos efeitos de certas plantas sobre o corpo humano em pílulas e xaropes. O contato do ser humano com os medicamentos na sua forma natural foram sendo substituídos por produtos comprados em farmácias, cujos efeitos foram estudados, isolados e eventuais efeitos colaterais ... e não mais receitado por um xamã, mas por um profissional médico (vou me abster de comentar sobre as histórias que ouvimos de alguns médicos e certos laboratórios ...).

Nesse contexto teve nascimento a Lei do Ópio e a tentativa de manter o consumo dessa substância apenas para fins terapêuticos – o ópio é a matéria prima de diversos analgésicos, da morfina, da heroína etc.
O movimento que visa ao banimento de todas as substâncias tóxicas teve início bastante tímido. Ficou marcante, nos EUA, com a Lei Seca, na década de 1920. Nessa época a maconha era descriminalizada, enquanto a guerra ao álcool deu origem a Al Capone e que tais (como o Joe Kennedy, pai de John Kennedy e ídolo de Pablo Escobar ...).

A década de 1960 viu protestos  e seu símbolo maior, a maconha, sendo consumida na esquina da Ashbury com a Height, em São Francisco. Também viu diversos “Jotas”, ídolos do rock, morrendo de overdose. O posicionamento político era bastante diverso daquele propagado prelos Falcões bebedores de whiskie.

Enquanto os falcões desejavam manter a hegemonia americana, somente conquistada após a II GM porque a Europa (e a Ásia) estava totalmente destruída, movimentos da sociedade se posicionavam cada vez mais contra. A convocação de jovens universitários para o Vietnã pôs a classe média contra o governo. Os negros queriam seus direitos civis. O establishment queria acabar com a URSS. A China estourava sua bomba atômica. A economia americana entrava na estagflação. Enfim, criou-se o cenário da tempestade perfeita: todos estavam com medo !

O medo serve para criar leis que façam as pessoas se sentirem mais seguras. Pode ser uma lei anti-imigração. Pode ser uma lei que tire direitos, ainda que temporariamente.
Nesse caso, quem foi considerado o grande inimigo pelo Presidente Nixon ? As drogas recreativas !
Parecia que a culpa por todos os percalços por que passavam os EUA e, em última instância, o mundo ocidental, era culpa de umas substâncias que causam relaxamento o que ativam o sistema de recompensa do cérebro.
A listagem das drogas proibidas foi feita rapidamente e, polemicamente, sem bases científicas sólidas. A inclusão da maconha é considerada uma insanidade em todos os meios científicos até hoje e não foram poucos os que anteciparam as tragédias que viriam. O Relatório Cohen, da Holanda, teve a coragem de dizer o que ninguém mais dizia.

 No campo da economia, a década de 1970 viu o início dos programas de liberalização da economia, inspirados nas idéias propagandeadas por Milton Friedman, já em implantação no Chile de Pinochet.
A recessão econômica dos EUA e do RU atravessou a década de 1970, levando a inflação e o desemprego a níveis inéditos desde o fim da II GM. Comunidades que evoluíam bastante, especialmente de negros e latinos, ensaiando seus primeiros passos nos direitos à educação superior e a poder circular por suas cidades despreocupadamente, viram-se engolfadas em desemprego, pobreza e violência.

Nesse cenário tomou corpo uma atividade consideravelmente nova e bastante lucrativa. Como a criminalização das drogas era bem recente, as pessoas que adquiriam essas substâncias por outros meios, passaram a recorrer a pessoas específicas, que tinham acesso a elas: os traficantes. Nos EUA, por percorrerem o mesmo caminho das drogas, os latinos passaram a executar esse trabalho. Apenas uma pequena quantidade consigo poderia garantir-lhes o dinheiro necessário para iniciar sua vida em terras Yankees.

Explorando o trabalho dessas pessoas (as mulas e os pequenos traficantes de rua) e a produção de tais drogas, ganharam espaço os Pablo Escobar da vida.

A partir daí o trabalho de análise é aconselhável a psicólogos: muito dinheiro leva a muito poder ... que vicia e ninguém quer perdê-lo, ainda que seja necessário mover uma guerra contra nações.
As drogas que viciam mais rapidamente passam a ser o foco do comércio de drogas pela sua lucratividade. A maconha e o LSD dos anos 1960 eram muito leves. A cocaína, a heroína e mais tarde o crack passaram a ser as estrelas dos traficantes e o pesadelo de sociedades dispostas a mover guerras sanguinárias contra substâncias químicas. Corpos de pessoas mortas e cadeias superlotadas tornaram-se o triste epíteto dessa insanidade coletiva.

A divisão internacional da riqueza era a mesma: países ricos eram consumidores – EUA e Europa; países pobres eram produtores (Colômbia, Peru, Bolívia ...). No caso da heroína, substitua-se a América Latina pela Ásia.

Esse cenário pode sofrer mudanças, em um processo que se assemelha ao que ocorre com os países produtores de petróleo do Oriente Médio: conforme as pessoas forem enriquecendo, ao papel de produtor soma-se o papel de consumidor importante. Foi o que ocorreu com o Brasil em fins da década dos anos 2000.


Pois bem. Passemos agora à questão legal.

O marco legal do Brasil é a CF/88. Esta tem uma base bastante moderna pois busca garantir a liberdade, o poder de escolha, exige que eventuais proibições legais tenham uma justificativa relevante.

Por exemplo: inc. X do art. 5.º da CF diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Segundo essa norma constitucional, tem o “cidadão o direito de impedir que intrusos venham intrometer-se na sua esfera particular”. O que é esfera particular ? É o “ conjunto de modo de ser e viver, o direito de o indivíduo viver sua própria vida”; legitima “a pretensão de estar separado de grupos, mantendo-se o indivíduo livre da observação de outras pessoas”, reconhecendo-se o “direito à liberdade de que cada ser humano é titular para escolher o seu modo de vida”. (http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4740-A-inconstitucionalidade-do-art.-28-da-Lei-de-Drogas)

Tal posicionamento do constituinte visava a evitar mesmo a criação de uma sociedade totalitária, que se caracteriza pela criação de papéis pré-estipulados para cada pessoa. Cada um está submetido ao projeto de sociedade gerado pela mente de “iluminados”, em um gabinete, sem interferência da sociedade.

Certamente a criminalização das drogas garante uma redução significativa nas medidas de liberdade de que dispõe uma sociedade.

Pois bem. E quanto à sociedade ? E quanto àquelas pessoas que não fazem uso, podem elas criar limites à liberdade de quem pensa de maneira diversa ?

O brocardo jurídico “nulla poena, nullum crimen, nulla expoenallis, sine iniuria”, que, inspirado em fontes clássicas do saber, “vêem no dano causado a terceiros as razões, os critérios e a medida das proibições e das penas”. Sem que dano se verifique, é ilegítima a intervenção criminal, ideia que encontra respaldo do próprio ordenamento que estabelece graduação dos delitos de acordo com seu potencial ofensivo (inc. I do art. 98 da CR), além de prescrever que a existência de crime depende da ocorrência de resultado (art. 13 do CP).
(http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4740-A-inconstitucionalidade-do-art.-28-da-Lei-de-Drogas)

Trata-se de um dos Princípios básicos do Direito Penal:

Fragmentariedade: O direito penal só deve se ocupar com ofensas realmente graves aos bens jurídicos protegidos. Tem-se, aqui, como variante, a intervenção mínima, que nasce o princípio da insignificância desenvolvido por Claus Roxin. Entende-se que devem ser tidas como atípicas as ofensas mínimas ao bem jurídico. Não há tipicidade material. Há, apenas, tipicidade formal.

Princípio da Lesividade ou da Ofensividade (nullum crimen sine iniuria) no direito penal  exige que do fato praticado ocorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado
Princípio da alteridade (ou transcendentalidade) “só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e não seja simplesmente pecaminoso e imoral. A conduta puramente interna, seja pecaminosa, imoral, escandalosa, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal*”. (Nilo Batista)

Por esse motivo não existem os crimes de Tentativa de Suicídio (ou de autolesão corporal).

Consumir drogas é, antes de qualquer coisa, um exercício das liberdades individuais. Pense: se eu quiser, posso me matar ? O suicídio é ilegal ? Isto é: “pelo menos do ponto de vista do direito criminal, a todos os homens assiste o inalienável direito de irem para o inferno à sua própria maneira, contanto que não lesem diretamente a pessoa ou a propriedade alheias”.

O art. 28 da Lei de Drogas (11.343/2006) dispõe: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas (...).”

Trata-se, portanto, de ambiente protegido constitucionalmente, sendo objeto de penalização infraconstitucional.  Aproxima-se essa regra da moralidade que sustentava a eugenia, a criação do homem perfeito e livre de todos os vícios – algo risível para quem conhece um pouquinho a história da humanidade ... e seus vizinhos.

Trata-se de regra jurídica teratológica e típica de sociedades submetidas a governos autoritários. Portanto não surpreende que tenha sido adotada com tanto júbilo por parte da comunidade jurídica brasileira ...
Frente à argumentação que defende (acertadamente) a inexistência de direitos absolutos, deve-se notar que a harmonização com o art. 5º, X, deve seguir critérios de norma também constitucional.

Em geral, os julgados que tratam de condenação de pessoas por porte de droga (conduta despenalizada mas não descriminalizada), apelam para a “segurança da sociedade” e para a “paz pública”. Evidentemente esses motivos devem balizar políticas sociais amplas e voltadas, especificamente, à proteção do bem jurídico protegido (esses dois citados ou quaisquer outros). Adotar o posicionamento atual é justificar a expulsão dos judeus da Alemanha para o bem coletivo da sociedade alemã, ou aceitar que pessoas pudessem ser condenadas por defender idéias destoantes da religião majoritária de uma sociedade. Não se pode admitir esse grau de abstração.

A norma que visa à proteção da saúde pública é a que dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. O que garante a paz social é uma sociedade equilibrada, igualitária e que não perpetue injustiças. O direito penal não tem e nunca terá essa função.

Os tribunais que têm decidido de maneira diversa dizem que a conduta criminalizada é o porte (trazer consigo), não o uso (fumar, cheirar, injetar etc).

Porém o argumenta continua não se sustentando, pois a conduta criminalizada deve obedecer oferecer perigo relevante à sociedade. O fato de alguém trazer consigo uma droga para consumo próprio não atinge direitos de terceiros, a menos que se faça um exercício de imaginação que não respeita nem mesmo o bom senso de uma pessoa comum.

A difusão dessas substâncias pela sociedade ocorre em momento bem anterior ao consumo, envolvendo comércio transnacional, divisão especializada do trabalho, cultivo de terras, agentes que atuam no atacado, no varejo ...

Além do mais, pode-se questionar. Mas e quanto à pessoa que vai ao bar e compra álcool e um maço de cigarros ? Não estará planejando fazer mal a si mesmo e não está ajudando na difusão dessas substâncias ? Não deveria o ordenamento jurídico garantir mínima equidade ? Note-se que a própria proibição (aceita de maneira estranha e excessivamente permissiva pelo Poder Judiciário, a quem cabe até mesmo a avaliação na esfera jurídica de leis aprovadas pelo Legislativo) impede a análise científica quanto à real periculosidade das substâncias em foco. Ainda que se argumente que é possível tê-las legalmente, por meio de autorização, o estigma social trazido por normas paleolíticas como essa desestimulam até mesmo a pesquisa.

A criminalização do consumidor final, que visa claramente à sua satisfação pessoal, apenas reflete:
1-      Prevaricação de agentes que deveriam coibir a distribuição da substância.
2-      Falta de atividades de inteligência das diversas polícias.
3-      Falta de capacidade de enfrentar as organizações que se dedicam ao tráfico de drogas (que não fica limitada à realidade de pobreza, favelas, becos em subúrbios etc).
4-      Total falta de bom senso e mesmo uma certa covardia, por liberar as forças da lei de maneira desinibida apenas contra os mais fracos, socialmente falando.

E quanto ao tráfico de drogas ilícitas ? Inicialmente, em nada tal crime se diferencia do contrabando.
Em segundo lugar, trata-se de extensão lógica do uso.
Em terceiro lugar, não obedece ao grau de periculosidade observado em outras substâncias (ou bens) de circulação protegida. O que pode justificar o banimento da circulação interna de substâncias é a mesma regra que vale para as demais (álcool, tabaco ...). É evidente que não se pode tratar substância psicoativas como regulam armas, explosivos etc.
Por fim, todos os danos socieais relacionados à violência estão diretamente relacionados a problemas sociais e à própria proibição, que aumenta preços e os lucros decorrentes.

Pense. Quando você vê uma criança de rua, esfomeada e com “jeito de que vai roubar alguém”, ao tirar o crack de sua mão, a cena torna-se mais feliz ?


O mundo tem feito progressos nesse sentido. Todas as drogas consumidas no Brasil estão presentes em escala global, porém em poucos locais causa tantos danos quanto no Brasil. Diversas punições admitidas no Brasil são consideradas incogitáveis em outras sociedades.

Já passou da hora de se questionar os absurdos com que convivemos.




Rubem L. de F. Auto


Fonte: http://www.leapbrasil.com.br/jurisprudencia

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

COMO MARX TRANSFORMOU O FARDO DO HOMEM BRANCO NA INSPIRAÇÃO TEÓRICA DO COMUNISMO ?


O Fardo do Homem Branco (White Man`s Burden) é um poema escrito por Rudyard Kipling que, embora inglês, escreveu no momento em que os EUA tomavam as ilhas Filipinas da Espanha, dando início a sua era imperial.

O poema dizia respeito às obrigações que os colonizadores assumiam ao tomar para si um território e seu povo, ao ter de fazê-los entrar numa era de modernidade, tendo de educá-los em diversas artes, como democracia, produção de bens para o mercado, assunção de um lugar no comércio internacional ... e certamente o que gerava mais problemas e que parecia “incompreensível” aos olhos europeus: aceitar seu papel de escravo na divisão internacional do trabalho.

Ao criar a Doutrina Monroe (América para os americanos), parecia que os EUA estavam dando início a um novo tipo de imperialismo, em que a dominação econômica se dava sem que houvesse a dominação militar e política – essas últimas eram justamente as que correspondiam ao tal fardo ...

Contudo, em alguns casos, o modelo imperial correspondia ao figurino europeu. Após as ilhas Filipinas, os americanos foram a Cuba, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, El Salvador etc etc etc.

Onde não entraram e se estabeleceram pela força das armas, derrubaram o governo eleito e impuseram em seu lugar uma marionete que defendesse seus interesses – os famosos “Mister 10%”.


No início do século XIX, Karl Marx trabalhava como correspondente de um jornal americano em Londres.

Nesse cargo, teve contato com uma coluna publicada em seu jornal, que defendia o seguinte: ser um escravo negro na América era melhor do que ser um branco ! Veja bem: o escravo negro tem um senhor branco; esse senhor se preocupa com ele, afinal esse escravo não foi de graça. Por outro lado, uma pessoa branca nunca terá um senhor que se ocupe dele. Portanto sempre será um escravo branco, sem senhor.

Evidentemente Marx não concordou com uma só linha de tais escritos ... mas se ocupou dessa parte: homens livres sendo chamados de escravos brancos. Terá essa expressão algum fundo de verdade ?
Sem sombra de dúvidas os escritos de Marx não poderiam ser postos, inicialmente, ao mesmo lado dos escritos de Locke, Voltaire, Spinoza etc. Estes eram acadêmicos, faziam parte de grandes universidades, escreviam sob a perspectiva de idéias e de reflexões, muitas vezes abstratas e não interessadas em pessoas específicas.

Marx foi enviado à universidade de Berlim para estudar Direito. Não se formou, fez parte de um grupo de alunos que se denominavam “hegelianos” e foi trabalhar como jornalista.

Duas notas: Hegel foi um pensador revolucionário alemão que criou a teoria que analisava a história assim: um acontecimento leva à tese. A resposta a tal ocorrência, à qual se opõe, forma a antítese. O resultado final criava a síntese. A outra: trabalhando como jornalista em Londres, ele tem contato com Engels.

O pensamento de Hegel, associado a um conhecimento descomunal sobre a história da humanidade, fez com que Marx criasse  a sua Dialética Histórica. Este se caracterizava como um modo de analisar as ocorrências históricas por suas idéias subjacentes e sempre buscando entender os conflitos sociais (antagonismos de classe) em que se encontram. Esse método rendeu-lhe sua fama de “vidente” – alguém capaz de antecipar fatos históricos.

Marx viveu quando a burguesia surgida da Revolução Industrial e dos movimentos Iluministas completava pouco mais de meio século no Poder, ao menos nas principais nações européias.

Essa nova classe social, os burgueses, que viriam a fazer oposição ao proletariado, na nova visão da Dialética de Marx, foram o produto de um período de grandes avanços econômicos, advindos da superação do feudalismo e da Idade Média.

Em síntese (quase-hegeliana): no período feudal havia o rei, dono do feudo, que eram para todos os efeitos um país independente; a partir de Karl Magnus, em 800 dC, tem início a ligação política entre a maior autoridade do Período – o Papa – e o Sacro Imperador Romano que lhe detinha os poderes militar e o político. Portanto havia, na sociedade em geral, os reis que detinham o feudo e tudo o que nele há, inclusive as pessoas. O camponês plantava para si e para o dono Senhor Feudal, que ficava com parte da produção como pagamento por tolerar a presença dos tais camponeses. Estes usavam parte do que colhiam para si para vender nas feiras urbanas (burgos), que cresciam conforme a população aumentava e pessoas fugiam do campo para as cidades. Com tais recursos, adquiriam aquilo que não produziam. Esse comércio enriqueceu os mercadores urbanos, que conseguiram retirar a dominação feudal sobre si.
Alguns séculos após, algumas coisas se somaram a esses fatos: A descoberta da América, a rota africana para o Oriente, a colonização das América, o comércio colonial, as novas idéias, a Revolução científica ... adentrando pela Revolução industrial afora: utilização de máquinas e energia não-humana e nem animal, divisão do trabalho que aumentou exponencialmente e além da imaginação a quantidade de bens produzidos. Tudo isso deu à burguesia um caráter revolucionário.
Conforme admitiu Marx, a burguesia criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas: conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as cruzadas.

Nas palavras de Marx: os maiores revolucionários da história. Em pequeno espaço de tempo fizeram mais do que toda a humanidade desde a construção das Pirâmides. Mudaram em poucos anos toda estrutura social que existia até então.

Para utilizar alguns exemplos que Smith usou em suas obras:

“Tomemos um exemplo de uma manufatura insignificante, mas na qual a divisão do trabalho tem sido frequentemente notada, o fabrico de alfinetes; um operário não treinado nesta atividade (que a divisão de trabalho tornou um ofício distinto), e que não soubesse trabalhar com as máquinas nela utilizadas (para cuja invenção a divisão do trabalho provavelmente contribuiu), mal poderia talvez, ainda que com maior diligência, produzir um alfinete num dia e não seria, com certeza, capaz de produzir vinte. Mas, da forma como esta atividade é atualmente levada a cabo, não só o conjunto do trabalho constitui uma arte específica como a maior parte das fases em que está dividido contribuem de igual modo ofícios especializados.
Um homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o, um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça; o fabrico da cabeça requer duas ou três operações distintas; a sua colocação é um trabalho especializado como o é também o polimento do alfinete; até mesmo a disposição dos alfinetes no papel é uma arte independente; e a importante atividade de produzir um alfinete é, deste modo, dividida em cerca de dezoito operações distintas, as quais, nalgumas fábricas, são todas executadas por operários diferentes, embora noutras um mesmo homem realize, por vezes duas ou três dentre elas.
Eu próprio vi uma pequena fábrica deste tipo, que empregava dez homens e onde, por consequência, vários deles executavam duas ou três operações distintas. Mas embora fossem muito pobres e não se encontrassem, por isso, muito bem apetrechados com a maquinaria necessária, eram capazes de produzir entre eles, quando nisso se empenhavam, cerca de doze libras de alfinetes por dia. Assim, aqueles dez homens produziam em conjunto mais de quarenta e oito mil alfinetes num dia.
(…) O grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento da destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de muitos.”
Smith, Adam (1776), A Riqueza das Nações, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 79-83
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/

Houve mudanças na própria maneira de encarar a criação de riquezas. Os egípcios levantaram pirâmides, mas não as puseram abaixo quando não mais cumpriam o papel para que foram designadas. Continuaram em pé. Diferente de um capitalista que põe abaixo um prédio para erguer outro mais moderno ou alocado a atividades mais lucrativas.

Pode-se colocar nesse prato o impacto que os novos banqueiros do mundo causaram. Desde tempos antigos mercadores endinheirados eram procurados por governantes para emprestar-lhes dinheiro. Como a Igreja católica punia a usura, essa atividade ficou nas mãos de árabes e judeus.

Emprestar dinheiro era atividade perigosa quando não havia regras claras sobre as obrigações assumidas. Taxas de juros acima de 50% a.a. eram comuns – e lucrativas, claro. Em geral esses empréstimos visavam ao pagamento de despesas de guerras, mas também ocorriam em períodos pacíficos, como no período entre 1150 e 1250, quando quase todas as cidades francesas ergueram belas Igrejas.

No final do séc. XVIII fazer guerras estava muito caro, e países que cumpriam melhor suas obrigações para com os banqueiros mais acesso ao crédito. Isso desequilibrou a balança em favor de nações, muitas vezes, pequenas.

Essa foi a força impulsionadora, que levou nações européias a dominarem o Globo. Os famosos impérios “onde o sol nunca se põe” surgiram a se expandiram incessantemente.

Evidentemente essa realidade trouxe alguns conflitos. As condições de trabalho, a alienação que a divisão do trabalho provoca sobre o trabalhador, a concentração de riquezas ... Tudo isso levou ao antagonismo burguesia versus proletariado.

Algumas novidades surgidas no campo aceleraram o processo de surgimento da burguesia. Um deles foi o enclosure. A expulsão de pessoas das terras antes exploradas coletivamente, na Inglaterra, em direção às cidades, levou à disponibilização de mão de obra barata e ao aumento de produtividade da indústria têxtil. Note-se: essa indústria foi seminal na Revolução Industrial.
Todas as cidades européias viveram processo semelhante. Essa mão de obra abundante nas cidades também garantiu o impulso inicial para acumulação capitalista pela burguesia. Imagine apenas que cidades como Londres, Paris, Berlim etc. eram imensas favelas, onde grassavam esgoto a céu aberto, rios poluídos, violência urbana elevada ... conhece alguma ?

Com a invenção da máquina vapor, dá-se a Revolução industrial. Máquinas a vapor nas minas de carvão serviam para bombear água para fora; máquina a vapor conectada a agulhas serviam para costurar; máquina a vapor em locomotivas criaram as marias-fumaças ...

Bom, mas e quanto às pessoas ? As pessoas estavam acostumadas a suas vidas no campo. Isto é: muito trabalho, por longas jornadas, trabalho pesado e cuja remuneração não ocorria em dinheiro, mas com a possibilidade de produzir para si também. Os ricos eram ricos por serem donos das terras. Os pobres eram donos de sua força de trabalho, e só. Esse processo foi transferido para a nova vida nas fábricas. Para imaginar o que era a vida no campo, apenas imagine que o inferno das fábricas era capaz de atrair pessoas interessadas ...

Algum tempo após, e influenciadas até mesmo pelo processo extremamente bem sucedido de acumulação de riquezas, surgiram as leis de proteção ao trabalho. A primeira: o Moral and Health Act, promulgado na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, de Robert Peel, em 1802. Ela fixou medidas importantes, mas inadmissíveis hoje em dia: duração máxima da jornada de trabalho infantil em 12 horas, além de proibir o trabalho noturno.

Mas ainda havia muito por ser feito: em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista, primeiro documento histórico a discutir os direitos do trabalhador.

Em função da força que as Revoluções socialistas passaram a ter na Europa, principalmente na sua incasável luta por melhorar as condições de vida dos trabalhadores, e temendo a adesão à causa em solo alemão, o chanceler alemão Otto von Bismarck impulsionou, em 1881, a criação de uma legislação social voltada para a segurança do trabalhador. Foi a primeira a obrigar empresas a subscreverem apólices de seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade, velhice e doenças, além de reconhecer sindicatos. A iniciativa abriu um precedente para a criação da responsabilidade social de Estado, que foi seguida por muitos países ao longo do século XX.

Em 1917 o México dava sinais de ser a primeira nação comunista no Planeta. O movimento foi refreado, mas a Constituição do México, promulgada em 1917, foi a primeira da História a prever a limitação da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor de idade, férias remuneradas e proteção do direito da maternidade. Logo depois, a partir de 1919, as Constituições dos países europeus consagravam esses mesmos direitos.


Ao globalizar os processos de produção e retirar dos países o poder de estabelecer quais processos existem (ou continuarão existindo) em seus territórios, tornando-os capazes apenas  de incentivar ou desincentivar a implantação de tais processos em seus territórios, argumentam alguns que o processo capitalista e sua burguesia dominadora dariam início a um período de paz eterna.

Por outro lado, outros argumentam que episódios como as duas Guerras Mundiais eram produto do embate entre as burguesias nacionais de certos países. Tais disputas passaram a envolver países, já vistos como dominados por grandes burgueses. Esse teria sido o estopim.

Seja como for, após a 1ª GM, o Tratado de Versalhes, que garantiu a criação da Organização Internacional de Trabalho (OIT), impulsionou a formação de um Direito do Trabalho mundial.



Rubem L. de F. Auto

Fontes:
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/04/evolucao-das-relacoes-trabalhistas
https://economianostra.wordpress.com/2013/05/28/a-fabrica-de-alfinetes-de-adam-smith/



   


terça-feira, 27 de setembro de 2016

RACISMO À BRASILEIRA: MAIS UMA HERANÇA DE PORTUGAL ?


O racismo na sociedade brasileira sempre foi um tema bastante complexo e polêmico em sua análise.
Quando falamos em racismo, em geral o associamos a discriminação praticada contra uma pessoa de pele negra por uma pessoa de pele clara.

Primeiramente cumpre dizer que o racismo é caracterizado por práticas discriminatórias contra raças. Portanto, tecnicamente, é errado chamar a discriminação descrita acima como racismo: negro não é raça.

Raça é um conceito biológico. Caracteriza-se pela especificação, pelo surgimento de uma nova espécie a partir de um tronco comum. Cachorros têm raças, pois cachorro (caninae) é gênero. A cada nova espécie que surja (naturalmente ou pelas mãos dos homens),  há um caminho em direção à diferenciação. Em pouco tempo, a distância biológica entre elas será tão grande que não mais será possível o cruzamento (saudável) entre elas. Não serão gerados descendentes que carreguem genes de ambas as raças. Sem falar na diferença visual quando comparamos ambas. Outro exemplo: cavalo e jumento. Embora gerem a mula, esta é infértil. Não gerará descendentes nem propagará a nova espécie.

Fácil perceber que negros e brancos não constituem espécies diversas. Trata-se apenas de uma mutação nos genes responsáveis pela produção de melanina, substância que protege a pele dos raios ultravioletas. Nos europeus, não mais se fazia necessária tal substância, em razão da produção de vitamina D pela pele, processo esse que ficava prejudicado em regiões frias e com a melanina na superfície da pele. As mutações que não mais produziam melanina tiveram uma vantagem genética. O mesmo ocorreu com: olhos claros, cabelos lisos, tendões longos (facilitam correr) ... todas mutações.

Superada a discussão quanto à raiz da palavra racismo, passemos às particularidades históricas.

Portugal era, antes de ser um pais europeu, especificamente a primeira nação moderna surgida na Europa desde a queda do Império romano, uma província localizada no Império Árabe (ou muçulmano).
Geneticamente, e conforme Darcy Ribeiro, o português está mais próximo de um africano do norte da África do que de um espanhol.

Foram esses árabes que adotaram o cristianismo e fundaram, ao tempo do Rei Afonso, um novo país. Sem dúvidas o isolamento que sofreram por estarem “atrás dos Montes” deu-lhes a cola social responsável por fazer surgir uma nação.

Trocaram seus nomes árabes por outros mais europeus. Criaram uma situação religiosa exótica conhecida como “cristão novos”. Essa criação garantiu a riqueza da nova nação por mais de 2 séculos.
Por fazer parte de um grande e riquíssimo império, Portugal era povoada por comerciantes e banqueiros árabes e judeus. Quando criaram o novo país, adotando o cristianismo, o novo governo deu a oportunidade para quer aqueles que desejavam fazer parte da nova nação adotassem a nova religião e se convertessem. Certamente isso causou incômodo na Igreja Romana, mas os resultados almejados estavam surgindo conforme desejado.

Após a conquista de Constantinopla pelos turcos seljúcidas, a Europa parou de ter acesso a produtos orientais, consumidos pela nobreza: temperos, especialmente. Esse comércio era originado na China ou na Índia e o transporte era feito por comerciantes árabes. Com a conquista de Constantinopla, houve a interrupção quase total desse tráfego comercial. Somente quem conseguia acessar aqueles mercados eram navegantes italianos, que monopolizaram o comércio marítimo com o Oriente.
Os novos “donos do comércio” com o Oriente exigiam ouro como moeda de troca. Só havia essa possibilidade. Como ouro era algo raro na Europa, os países desejosos daquelas delícias do Oriente deveriam arrumar alguma maneira de conseguir ouro.

Portugal, povoado por um povo navegador e que não compartilhava o temor dos demais europeus pelas “coisas do mar”, utilizou os capitais disponíveis de cristãos-novos árabes e judeus para financiar a busca por rotas marítimas que levassem a regiões africanas onde sabiam que conseguiriam ouro. Pouco após ficou claro que essa rota, estendida, levaria a uma passagem africana em direção ao Oriente.

Em 1498 Bartolomeu de Gusmão provou que as suspeitas eram fundamentadas. No ano seguinte, Vasco da Gama fez o percurso, entrou em conflito com os árabes que o viram em Calicute, mas voltou com mercadorias suficientes para contaminar os portugueses com sonhos de riquezas. Pouco após, Vasco da Gama levou sua cruz de Malta, símbolo cruzado, a Calicute, agora acompanhado de canhoneiras, expulsou os comerciantes árabes e colocou o monopólio do comércio com o Oriente nas mãos de portugueses.

Do lado Oriental, um navegante italiano de sangue, português de coração viu a oportuinidade de ganhar um bom dinheiro levando as nações que se lançavam em direção ao mar a novas terras e riquezas. Exigindo o monopólio comercial e participação sobre todo o futuro comércio, Colombo prometeu ao Rei de Portugal levar sua nação ao Oriente viajando em direção ao ocidente. Após a recusa deste Rei, Calombo ofereceu-a aos reis espanhóis. Estes também recusaram inicialmente. Após dizer que iria oferecê-la aos Reis ingleses, voltaram atrás e aceitaram a proposta de Colombo.

Como apenas estas duas nações estavam, de fato, explorando o Atlântico, e com Portugal já dominando a passagem africana, deu-se a partilha do Atlântico sul entre ambas, sob os auspícios da Igreja.

Após, com a conquista de imensas terras, deu-se a necessidade de adquirir mão de obra. A indígena mostrou-se impossível. Eram muito livres para fazer algo além de carregar troncos. Tentaram usar presos e degredados. Eram poucos. Por fim, lançaram mão do comércio que já conheciam por meio dos árabes de outrora: o tráfico de escravos. O comércio de escravos africanos era explorado na sua vertente do Pacífico. Inaugurava agora, Portugal, a vertente atlântica, que superaria a anterior em todos os sentidos.

Agora temos uma nação nova, pequena, rica, de matiz genética variada e que fazia uso em larga escala de mão de obra escrava. Mesmo antes das navegações históricas, famílias portuguesas já usavam escravos trazidos de outras partes. O próprio instituto da escravidão era praticado na Europa:  a servidão.

Portanto usar mão de obra de pessoas negras para serviços que consideravam indignos era uma postura nobre e natural, já antes de 1500.

Pode-se dizer que o fracasso de Portugal na era moderna foi fruto de seu passado extremamente bem sucedido na Alta Idade Média. Preso a tais sucessos, derrubar essas construções sociais foi uma batalha de séculos e influenciou (e influencia) a nossa história.

Países que não passaram por esses episódios, como a Inglaterra, tiveram história diversa. França, Inglaterra e outros tiveram de superar o atraso nas navegações, invadiram e conquistaram colônias alheias, tiveram de explorar portos africanos para aquisição de escravos por meio da expulsão de outras nações que as precederam ... além de serem países de população bem mais numerosa que Portugal (e Holanda).

Outro fato interessante diz respeito à religião. Portugal somente conviveu com o catolicismo em casa. O catolicismo era a religião do Império romano. Como se espalhou rapidamente para regiões distantes e de etnia variada, não tinha o mesmo puritanismo que surgiu no protestantismo europeu.

Assim, por séculos, acostumamo-nos (como brasileiros) a ver negros nas posições sociais mais baixas, sofrendo discriminações mil, porém sem possibilidades de criticar uma visível barreira social, visível apenas nos países de cultura protestante e de matiz social menos mesclada, como naqueles colonizados por Inglaterra, França, Espanha, Holanda, dentre outros.


Enfim. Por todo o exposto (e por muito mais razões que até a razão desconhece) convivemos atualmente com uma das culturas mais racistas do mundo ... mesmo sem sê-lo exatamente.
  


Rubem L. de F. Auto

JOHN LOCKE: POR QUE É LEGÍTIMO DESTITUIR O TIRANO ?


Ao longo dos seus dois Tratados sobre o Governo Civil, John Locke procura dar uma resposta à obra de Filmer (Patriarcha), um pouco anterior, que tentava justificar o governo essencialmente hereditário.

A pedido do conde de Shaftsbury (Ashley Cooper), então nomeado por Carlos II como líder do governo. Discutia-se então a conveniência em nomear Jaime II, irmão de Carlos e católico, como sucessor de Carlos, protestante. Shaftesbury era protestante e discordava de devolver o poder a monarcas católicos.

Após ser desafiado pela obra de Filmer, Shaftsbury pede que seu amigo, John Locke, escreva uma resposta, algo que contraste com o ponto de vista explorado nessa obra.

Locke não escreve uma, mas duas obras imortais nas quais exploram os muitos meandros que constituem as bases dos governos.

Ao longo dos dois Tratados, Locke aborda diversos aspectos relacionados aos governos civis.
Locke abordou também os direitos inerentes aos seres humanos, aqueles com os quais viemos ao mundo: vida, liberdade e propriedade.

Embora tenha abordado o estado de natureza, estado a partir do qual os homens decidiram formar governos, Locke não se prende a aspectos pacíficos ou de conflitos, mas à necessidade de defender uma invenção humana: a propriedade privada. Somente para garantir este instituto existiu a necessidade de criar governos. Sem isso, os homens não teriam aceitado a idéia de se submeter de bom grado a governantes:
“Todo homem tem direito de propriedade sobre sua própria pessoa. A ela ninguém tem direito algum além dele próprio. O trabalho de seu próprio corpo, podemos dizer, pertence a ele... O grande e principal fim, portanto, pelo qual os homens unem-se em sociedades e submetem-se a governos é a preservação de sua propriedade”.

Evidentemente eram necessários mecanismos que pudessem garantir o alcance desses objetivos: divisão do Poder em Executivo e Legislativo; leis que se sobreponham ao próprio poder do governante, criando assim a idéia do Estado de Direito:
“viver segundo uma lei estável, comum a todos daquela sociedade, e criada pelo Poder Legislativo da sociedade; Liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas sobre as quais a lei não disponha, e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem”.

Quando o governante deixa de cumprir algumas dessas obrigações citadas, torna-se um tirano. Nesse momento nasce o direito de a população rebelar-se contra tal tirano. Locke vê o direito à Revolução (e à própria destituição do soberano, quiçá sua morte) como uma proteção da sociedade contra o uso desmedido (e ilegal) do Poder.

“Sendo todos iguais e independentes, nenhum homem deve prejudicar outro em sua vida, saúde e posses”, dizia.

Não apenas reconhecia a igualdade inerente a todos, como via o povo como o real soberano:
“os governantes não podem recolher impostos sobre a propriedade do povo sem o consentimento do povo, expresso por eles mesmos ou seus representantes”. 

Ao infringir quaisquer dessas normas básicas de como um governante deve bem se portar no Poder, devo povo perceber o exercício arbitrário do Poder, dando aos reais detentores do Poder, o povo, o direito a rebelar-se:
“Quando os legisladores tentam tomar e destruir a propriedade do povo, ou reduzi-lo à escravidão sob poder arbitrário, eles se colocam em estado de guerra com o povo, que está então desobrigado de qualquer obediência e deixado ao refúgio comum contra a força e a violência dado por Deus a todos os homens. Portanto, sempre que o legislativo transgredir esta regra fundamental da sociedade, e, por ambição, medo, loucura ou corrupção, tentar tomar para si ou pôr nas mãos de qualquer outro um poder arbitrário sobre as vidas, liberdades e posses do povo; por essa quebra de confiança ele abre mão do poder que o povo lhe havia concedido para fins bastante contrários, e ele retorna ao povo, que tem o direito de retomar sua liberdade original”.

O estado de guerra que o governante põe em face do povo se assemelha bastante ao estado de natureza de Hobbes, contudo Locke somente via esse estado de caos quando o governante subvertia o Poder. Não era o estado de natureza (ou de guerra) que levava ao estabelecimento de governos, na visão de Locke, mas a necessidade de garantir a propriedade privada.

A Revolução americana deve muito às idéias de Locke. Porém o “power trio” de Locke, vida, liberdade e propriedade, foi substituído na Constituição americana, por influência de Jefferson, por: vida, liberdade e procura da felicidade. Deve-se aí fazer umas pequenas observações acerca da visão de Jefferson sobre a propriedade privada.

Proprietário de escravos, Jefferson não conseguia aceitar a imoralidade contida no instituto da escravidão por não conseguir reconhecer a igualdade entre brancos e negros. Entretanto também não compartilhava a visão absoluta de Locke sobre esse direito. Na Inglaterra de Locke, e até meados do séc. XX, apenas proprietários tinham direito ao voto (e à candidatura). Portanto esse direito estava bastante intrincado na sociedade.

Jefferson aceitava bem que há limites mesmo a esse direito, e esse limite tem a ver com eventuais externalidades negativas trazidas à sociedade pelo mau uso da propriedade privada.

Interessante notar que as Revoluções podem causar grandes mudanças no Poder ou na sociedade. As Revoluções Inglesa (ou Gloriosa) e Americana mudaram o Poder, alteraram o modo como os governantes exercem o Poder, mas não alteraram tanto a sociedade.

Contudo, a presença de soldados franceses nas guerras de independência dos EUA, na época em que o absolutismo graçava em terras francesas, incentivou bastante a contaminação da sociedade francesa pelas idéias lockianas. Tal fato se somava ao trabalho de pensadores como Voltaire e Montesquieu, que traduziam e adaptavam seus trabalhos para a França.

Dali a alguns anos, tinha início a Revolução francesa, essa sim capaz de mudar toda a estrutura social, não apenas o governante da ocasião e seu séquito.

Porém, ao cabo, restou a sensação de que algo deu errado. A revolução não causou a mudança que prometia, haja vista o poder ter caído em mão de Napoleão, que adotou o título de cônsul, o que poderia dar esperanças de um renascimento de uma República romana, mas exerceu o poder como um César, dando a certeza de tratar-se do renascimento do Império romano.

Quais motivos levaram a isso ? Várias são as possíveis respostas: a Inglaterra apoiou os emigré, nobres que conseguiram fugir para o ilha e de lá iniciaram movimentos para derrotar a Revolução; Áustria, Prússia, Espanha eram monarquistas e tanto ajudaram aos contra-revolucionários quanto tentaram se aproveitar da fraqueza do período revolucionário para invadir o país. Não surpreende que o maior soldado da história da Europa tenha herdado o Poder.

No séc. XIX, um novo atento observador francês foi capaz de trazer algumas observações bastante interessantes relacionadas aos ensinamentos de Locke. Toqueville escreveu que o Poder absoluto do passado era exercido pelo soberano, sobre o Povo. Contudo havia uma estrutura, a própria administração pública, no meio. As pessoas que exerciam cargos na administração eram, antes de tudo, interessados no Poder, que trocavam favores ou se filiavam a certos grupos. Isso lhes garantia o cargo e, de certa maneira, limitava o Poder do soberano.

Ao mudar a estrutura do Poder, adotando-se princípios mais democráticos, poderia deixar de existir essa camada entre o governante e o Povo, abrindo-se espaço para duas possibilidades: democracias radicais ou totalitarismo insuportável. Adiantou Tocqueville, assim, governos nazifascistas com um século de antecedência.

Fica a lição: não devemos esquecer os pensadores do passado ...
  


Rubem L. de F. Auto
     

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

CIDADES-ESTADOS GREGAS, ITALIANAS E CIDADES-IMPÉRIOS


A Península na qual se localiza a Grécia, na era clássica, era constituída por diversas Cidades-Estados independentes, as quais partilhavam língua, cultura, história. Passaram à história conhecidos como gregos.
Essas cidades-estados, Atenas, Corinto, Esparta desfrutavam de sistemas políticos próprios, independentes, porém todas dispunham de algum nível de democracia. Claro, apenas para uma minoria: homens livres. Mulheres e escravos não tinham direito a voto e/ou voz.

Em geral, essas cidades eram governadas por pessoas com posses, mercadores. As trocas comerciais, especialmente por ser um povo navegador e aventureiro, eram intensas e garantiram uma classe de pessoas prósperas.

Um fato interessante era a freqüência com que tais cidades entravam em conflito. Frequentemente entravam em conflitos, muitas vezes interrompidos apenas pelas Olimpíadas.

Outro fato interessante era a força que tinham em batalha, muitas vezes derrotando forças muito mais numerosas. Muitos apontam o fato de serem homens livres, que lutavam por sua terra, por suas cidades, não apenas cumpriam ordens ou eram escravos lutando por seus donos, como a explicação para a força interior que conseguiam alcançar.

Após a conquista romana, a Grécia e suas cidades-estados deram lugar a cidade-Império: Roma. As lutas intermináveis entre as cidades-Estados gregas deram lugar à Pax Romanii: “criam um deserto, chamam-lhe paz”, nas palavras de Tácito. Todas as cidades deviam obediência àquela de onde emanavam ordens para grande parte do mundo.

Em meados do séc. V dC, Roma entrou em estado de sono profundo, não interrompido pelos próximos mil anos.

Por volta dos séc. XI e XII, na Península itálica, algumas comunas conseguiram por um fim a seu período feudal. Conquistaram sua independência e passaram a ser governadas por mercadores e profissionais liberais.

Tornaram-se cidades como Florença, Pisa e Veneza e deram início a um período de florescimento urbano, que daria origem ao Renascimento, a novos contatos comerciais com outros povos, a um sistema bancário, contabilidade comercial etc.

Algumas coincidências com as cidades-Estados gregas são inevitáveis, inclusive a instabilidade política. As disputas bélicas eram freqüentes e cada vez mais acirradas. Isso levou à contratação de mercenários por diversas dessas cidades. Quando tais mercenários se tornaram muito numerosos, usaram sua força para dominar algumas atividades. Após alguns anos, dominavam partes relevantes da Península Itálica.

Por volta dos séc. XIII e XIV, Roma superou essas cidades. A presença do papa e seu poder sobre os Sacro Imperadores levou à prevalência política de Roma, novamente ocupando seu papel de cidade-Império.  
  


Rubem L. de F. Auto


DROGAS – COMO AGEM NO CORPO ... E COMO SE PUNEM OS USUÁRIOS


Drogas podem ser definidas como quaisquer substâncias que causam alterações no corpo humano, modificando suas funções.
Dentre estas, temos as drogas psicotrópicas, isto é, que agem sobre o psiquismo, aquilo que sentimos, pensamos.
Pode ser classificadas em:
·         Depressoras: diminuem a atividade cerebral. Álcool, opiáceos, ansiolíticos etc.
·         Estimulantes: aumentam a atividade cerebral. Cocaína, crack, nicotina, cafeína etc.
·         Perturbadoras: alteram o funcionamento cerebral , fanzendo-o funcionar anormalmente. Efeitos alucinógenos são comuns. THC, mescalina, alguns cogumelos, lírios, trombeteiras, LSD, êxtase etc.
Em geral, atuam sobre neurotransmissores, responsáveis pelos estímulos que atravessa os neurônios.
A principal substância sobre a qual agem as drogas chama-se dopamina. Esta é o principal receptor do Sistema Límbico, onde se localiza o Sistema de Recompensa. Ela se relaciona a estímulos ligados a: sexo, alimentos, dinheiro etc.
Em geral, a dopamina é transmitida de um neurônio para outro. Contudo, existe um sistema de recaptação de dopamina, que faz com que aquela molécula transmitida retorne para o transmissor.
Drogas como a cocaína bloqueiam esse sistema de recaptação, o que aumenta vertiginosamente a concentração de dopamina no espaço onde ocorrem as sinapses, potencializando assim os efeitos do hormônio pós-sináptico.
Portanto o vício se caracteriza pelo estímulo ao Sistema de Recompensa. Caso o uso prolongado de drogas tenha afetado seu funcionamento, apenas a droga desejada será capaz de ativá-lo, por não mais responder a estímulos naturais.
Evidentemente , quando falamos de relações drogas e leis estamos nos referindo às drogas ilícitas especificamente, isto é, definidas em lei como de uso vedado.
Por exemplo, a cocaína.
“.. uma das drogas de maior sustento para o tráfico ilícito, em virtude do grande número de consumidores e da avidez com que estes buscam a droga. O cloreto de cocaina é um pó branco ("farinha"), usado por aspiração nasal. Ele também pode ser diluído em água e injetado na veia. Quando a cocaina é tratada por reativos alcalinos ela se empedra produzindo o cracke, que é fumado. A cocaína possui um elevado poder de dependência porque disponibiliza diretamente a dopamina na fenda sinática por impedir o retorno desse neurotransmissor à sua célula de origem. Após o neurotransmissor ter cumprido a sua missão junto ao receptor do neurônio pós-sinático e, impedido de retornar à sua célula mãe, ele fica na fenda repetindo a neurotransmissão, dando ao usuário o efeito imediato da droga. Nós dizemos que a cocaina impede a recaptação da dopamina. 
A recaptação é um mecanismo extremamente importante para o funcionamento equilibrado do SNC, porque o neurotransmissor tem que ser reciclado a cada uso para reagir eficientemente a novas exigências.

Para agravar mais ainda os malefícios produzidos pela cocaína, esta droga ainda impede, da mesma forma, as recaptações de mais outros dois neurotransmissores: a noradrenalina e a serotonina.
Em virtude dessa ação farmacológica a cocaína produz as sensações psicológicas de magnificência, euforia, prazer e excitação sexual.

Quando usada de forma intermitente e em doses altas, como por exemplo, em noitadas de "agito" ela pode sensibilizar os neurônios, ocasionando irritabilidade com agressividade, inquietação e paranóia. A engrenagem da dependência, no uso continuado de cocaina, estabelece-se com a desativação de um número de receptores pós-sináticos da dopamina, estendendo-se a outros receptores, como os da noradrenalina e serotonina.
Essa adaptação traz sérias conseqüências para o funcionamento cerebral, como o surgimento de estados paranóicos que podem atingir níveis psicóticos bem como depressões graves que podem levar ao suicídio.
A ação da cocaina sobre vários neurotransmissores pode gerar conseqüências simultâneas em vários sistemas orgânicos, entre as quais destacamos a mais comum, a falta de apetite, e a mais grave, o derrame cerebral, ao lado de respiração ofegante, aumento da pressão e até aumento da temperatura.”


Outra substância, certamente a mais polêmica e, atualmente, a droga mais consumida no Planeta, é a maconha.

“A maconha é uma erva usada como substância psicoativa perturbadora do SNC, geralmente de forma fumada.
O seu princípio ativo é o THC, tetrahidrocanabinol. O teor de THC depende da variedade da planta, forma de cultivo e preparação do produto, variando desde 0,5 a 2,0% até 60%, como é o caso do haxixe, preparado da resina de folhas e flores dessa erva. A produção ilícita da maconha (ou marijuana) tem se preocupado em apresentar variedades com maior concentração de substância ativa como o "skunk", que conta com até 22% de THC.

O início da ação e a duração dos seus efeitos dependem da concentração do seu princípio ativo e da forma de administração da droga (quando fumada o efeito é mais rápido mas menos duradouro do que na forma ingerida), sendo que esses efeitos podem ser muito relacionados com a disposição prévia do humor do usuário e do ambiente de uso.

Os efeitos de um "baseado" (cigarro de maconha) constituem-se de uma alteração da consciência, diminuição da atenção, estado sonhador com ideação livre e desconexa. Lentificação e dificuldades da coordenação motora, voz pastosa, sendo importante o sentido de lentificação do tempo e distorção do espaço, tornando a direção de veículos perigosa até 10 horas após o uso. Pode aparecer uma sensação de grande bem-estar, euforia e riso, acentuação na percepção de cores, mas também pode surgir depressão do estado de ânimo ("baixo", na gíria), despersonalização e desrealização. 
Um cigarro com teor maior de THC pode levar a alucinações visuais coloridas. Pode aparecer medo e pânico, distorção da imagem corporal e sensação de peso nas extremidades.
Os canabinóides possuem receptores próprios (CB1) distribuídos pelo córtex cerebral (notadamente pré-frontal) e cerebelo, bem como no sistema límbico, sobretudo no hipocampo e nucleus accumbens, por onde liberam dopamina.”

Um parente da maconha, bastante conhecido no Brasil, é a Ayhuasca.

“É um preparado composto pela casca da árvore do mesmo nome e de folhas de "chacruna", dois exemplares da flora amazônica. 
É usada em cultos religiosos (Santo Dime) com permissão do Conselho Nacional Anti-Drogas (CONAD).
O seu efeito é resultante da mistura entre uma substância da casca da ayahuasca com outra substância das folhas da chacruna. Cada uma dessas substâncias isoladas, não tem ação, mas, estando as duas juntas, ocorre uma interação com o sistema da serotonina, produzindo um estado de emoção transcendente e alucinações psicodélicas.

Lírios e Trombeteiras também têm seus impactos sobre o corpo humano: são anticolinérgicos. Contudo não há proibição a seu uso.

“As drogas anticolinérgicas encontram-se em algumas flores como o lírio, saia branca, trombeta ou trombeteira, e outras, e costumam ser usadas na forma de chás ou infusões. Essas plantas produzem duas substâncias psicoativas, a atropina e a escopulamina, que são responsáveis pelos seus efeitos, mas tais substâncias também podem ser sintetizadas, fazendo parte de alguns medicamentos usados contra o mal de Parkinson ( Artane ®, Akineton ®), também empregados para minorar efeitos colaterais de alguns anti-psicóticos, além de alguns colírios dilatadores de pupila e também medicamentos de uso em gastroenterologia.

As drogas anticolinérgicas atuam impedindo que o neurotransmissor acetilcolina passe a sua mensagem para o receptor do neurônio que deveria recebê-la (diz-se de uma ação antagonista), e por esse motivo produzem alterações que no Sistema Nervoso Central manifestam-se por: desorientação, incoerência, delírio, alucinações, agitação, comportamento violento, sonolência e até coma.”


E quanto aos efeitos legais de uma eventual apreensão de um cidadão portando algumas dessas substâncias ilegais ? Vejamos.

·         Colômbia: descriminalizou o porte de até 20 gramas de maconha ou 1 grama de cocaína.
·         Portugal: fim da responsabilização penal para posse e uso.
·         Indonésia: um inferno típico de um país pobre e ignorante ... como sói ser o nosso.
·         Equador: descriminalizou até 10 gramas de maconha ou 2 gramas de cocaína.
·         Uruguai: se for caracterizada posse para uso, não há responsabilização penal. O juiz define, de acordo com a quantidade, exceto maconha até 40 gramas.
·         Argentina: a Suprema Corte definiu nãop ser possível prender um adulto por posse de maconha, mas a polícia continua “a La Brasil”.
·         EUA: pela legislação federal, tanto a posse quanto a venda podem ser passíveis de penas de multa à prisão. Os Estados tendem a legalizar sua posse (para fins recreativos ou medicinais), ou a considerá-la uma infração como o excesso de velocidade.
·         Alemanha: o consumo não é crime, desde que dentro dos limites estaduais.
·         Chile: permitida a posse de até 10 gramas de maconha e seis pés.
·         Bolívia e Venezuela: posse para consumo próprio não é criminalizada.
·         México: permitido o porte de até 5 gramas de maconha, meio grama de cocaína, 50 miligramas de heroína, ou 1 pílula de ecstasy. Se for apreendido após trÊs vezes, deve fazer tratamento.
·         Jamaica: legalizou até 55 gramas de maconha e plantio de até 5 mudas.


Rubem L. de F. Auto

Fontes: