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terça-feira, 6 de março de 2018

O GOLPE: COMO HITLER SE TORNOU DITADOR ... E HOLLYWOOD GOSTOU!


Em 23 de março de 1933 ocorreu uma das sessões mais importantes da história do Reichstag, o Parlamento alemão. Reunidos na Ópera Kroll devido ao incêndio do Parlamento, deputados nazistas, nacionalistas e social-democratas, além dos deputados do Partido do Centro, deliberaram sobre a proposta de lei trazida pelos nazistas, liderados por Hitler, já empossado no cargo de Chanceler.

A paisagem política daqueles dias era a pior possível. Após o incêndio do Parlamento, as investigações manipuladas que se seguiram apontaram a culpa para os comunistas, grupo político localizado no espectro oposto dos nazistas no poder. Seguiu-se então uma perseguição política que praticamente exterminou os comunistas do ambiente político alemão. Restavam apenas os social-democratas na oposição aos nazistas. Pela situação, nazistas e seus aliados nacionalistas, formavam uma coalizão muito forte, mas não era suficiente para aprovar qualquer coisa. Esse cenário mudou quando conseguiram elaborar o plano que levou ao extermínio do Partido Comunista, e quando atraíram o apoio do Partido do Centro, ao cooptarem seu líder, Pralat Ludwig Kaas, que passou de uma hora para outra a repetir que a Alemanha corria o risco de uma guerra civil iminente.

Essa sessão de março de 1933 foi particularmente tensa. Unidades das SS guardavam a parte exterior do prédio; dentro, longas fileiras de homens vestindo a camisa marrom da SA ladeavam a bandeira com a suástica, impondo pressão sobre os parlamentares críticos aos movimentos políticos dos nazistas.

O presidente do Parlamento era Hermann Goring, quem abriu a sessão e logo passou a palavra a seu mentor e chanceler, Adolf Hitler. Este iniciou seu discurso seguindo a estratégia que lhe era comum, falando da miséria que se abateu sobre os pobres alemães. Depois passou a descrever como suas medidas ajudariam a renovar profundamente a moral nacional. Por meio da educação, dos meios de comunicação e das artes a nação sairia do caos em que se encontrava. Hitler prometeu combater o desemprego por meio de políticas públicas de criação de postos de trabalho, além da promessa usual de que o porte do exército alemão ficaria inalterado, a menos que todos os países do mundo firmassem um acordo de desarmamento radical.

Para pôr todos os seus planos em execução, Hitler propôs que o Reichstag promulgasse uma Lei Habilitante, transformando-o num ditador de fato, reunindo em suas mãos plenos poderes políticos, eliminando na prática o próprio Parlamento da vida política alemã. Hitler prometia que se tratava de uma medida temporária e que o Parlamento retornaria em breve ao seu funcionamento normal. Dizia que de maneira alguma sua existência estava sob ameaça.

Sua descida do púlpito foi acompanhada pelo coro da maioria dos deputados, cantando Deutschland uber Alles (Alemanha acima de todos) a plenos pulmões. Após, foi dado um intervalo de 3 horas de descanso. A pressão pela aprovação da Lei Habilitante também contou com os gritos efusivos dos guardas da SS, do lado de fora, bradando: “Queremos a Lei Habilitante – se não o castigo será o inferno.”

Mas o caminho da aprovação da proposta de lei contaria com um obstáculo: Otto Wels, presidente do Partido Social-Democrata. Ao tomar a palavra, fez-se silêncio. Wels trazia em seu bolso uma cápsula e cianureto, veneno que tomaria caso fosse preso.

Iniciou seu discurso já antecipando que seu partido não votaria a favor da Lei Habilitante. Disse que os nazistas e seus aliados haviam vencido as eleições de 5 de março e que deveriam, portanto, governar o país constitucionalmente – aliás, Wels falou que eles tinham a obrigação de fazê-lo. Passou então a argüir que o Reich deveria permitir que as mais amplas críticas fossem feitas ao governo, sem perseguição de quem quer que fosse, pois era isso que o mantinha saudável.

Wels terminou então sua intervenção falando às gerações futuras: “Nesse momento histórico, nós, social-democratas alemães, professamos solenemente nossa adesão aos princípios básicos da humanidade e justiça, liberdade e socialismo. Nenhuma Lei Habilitante pode dar o direito de aniquilar idéias que são eternas e indestrutíveis... Saudamos os perseguidos e os intimidados. A sua firmeza e lealdade são admiráveis. A coragem de suas convicções, sua confiança inabalável, asseguram um grande futuro.”

Hitler não poderia deixar um discurso desses sem resposta. Correu então ao púlpito e bradou contra Wels: “O senhor demorou para vir, mas acabou chegando! As belas teorias que acaba de proclamar aqui, senhor deputado, estão sendo comunicadas à história mundial um pouco tarde demais.”

Depois, passou a se pôr no lugar de vítima, tática que usava com freqüência e com bons resultados: “O senhor fala em perseguições. Acho que poucos de nós aqui não sofreram perseguições provenientes do seu lado e foram parar na prisão... O senhor parece ter esquecido completamente que durante anos nossas camisas nos foram arrancadas porque o senhor não gostava da cor... Nós sobrevivemos às suas perseguições! O senhor diz também que as críticas são salutares. Com certeza, aqueles que amam a Alemanha podem nos criticar; mas aqueles que adoram uma Internacional não podem nos criticar. Aqui, também, a clareza lhe chega com um pouco de atraso, senhor deputado. O senhor deveria ter reconhecido a natureza salutar da crítica durante o tempo em que éramos oposição... Naquela época nosso jornal foi proibido, e proibido, e proibido de novo, nossas reuniões foram proibidas, e nós fomos proibidos de falar e eu fui proibido de falar, por anos a fio. E agora o senhor diz: a crítica é salutar!”

Após umabreve interrupção de deputados social-democratas revoltados com o que ouviam, Hitler retomou de onde havia parado: “O senhor diz: “Agora eles querem pôr o Reichstag de lado a fim de continuar a revolução.” Senhores, se fosse essa a nossa intenção, não teríamos nos dado ao trabalho de... de apresentar essa lei. Por Deus, teríamos tido a coragem de lidar com vocês de um jeito diferente! Vocês também dizem que sequer poderíamos abolir a social-democracia porque ela foi a primeira a abrir estes assentos aqui ao homem comum, ao trabalhador e à mulher, e não apenas aos barões e condes. Em tudo isso, senhor deputado, o senhor chegou tarde demais... A partir de agora, nós, nacional-socialistas, iremos tornar possível ao trabalhador alemão alcançar o que ele é capaz de pedir e insiste em pedir. Nós, nacional- socialistas, seremos seus intercessores. Os senhores, cavalheiros, não são mais necessários!”

Hitler expôs então o que estava realmente subjacente àquele circo: “Apelamos nesse momento ao Reichstag alemão para que nos dê aquilo que poderíamos de qualquer modo ter tomado.” E, voltando-se para os social-democratas, disse, com desdém: “A Alemanha deve ser livre, mas não através de vocês!”
O resultado da votação apontou uma vitória acachapante dos nazistas: 441 a 94. O nome da lei aprovada foi: Lei para a Remoção da Aflição do Povo e do Reich. Sua aprovação representava o fim formal do Parlamento alemão.

O dia seguinte foi marcado pelas manchetes espantadas nos jornais, como no NY Times: “O gabinete de Hitler assume o poder para governar como ditadura; o Reichstag renuncia sine die. Nunca houve uma exaltação tão brutal de mera força... Na própria proclamação desta Alemanha implacável e absolutamente independente que irá se formar... o novo governo alemão vê-se confrontado com a condenação moral de quase todo o resto do mundo.”

Pelas palavras do jornal norte-americano, poderia-se supor que um evento tão brutalmente antidemocrático como este ocorrido na Alemanha nunca se repetiria nos EUA. No entanto, uma obra cinematográfica mostraria que essa tese não era inteiramente verdadeira.: Gabriel over the White House (O Despertar de uma Nação).

A história sintetizada é mais ou menos essa: “um senador chamado senhor Langham, pede o impeachment do recém-eleito presidente dos EUA que, segundo o senador, vinha agindo de maneira imprópria e a sala irrompe numa mistura de protestos e aplausos. Então o presidente entra pela porta e a sala fica em silêncio. Ele se posta diante de uma gigantesca bandeira americana e todos aguardam sua fala. Como Hitler, ele começa em tom abatido. Diz que se torna representante do povo americano na sua hora de mais sombrio desespero. Durante anos, o Congresso andou desperdiçando dinheiro em negociatas que não beneficiaram o cidadão americano comum. Incontáveis horas foram perdidas em discussões fúteis. Agora era hora de agir. O presidente pede aos deputados e senadores que votem um estado de emergência no país, pondo o Congresso entre em recesso, temporariamente, claro, somente até que as coisas voltem ao eixo. Durante esse período, o próprio Presidente assumiria total responsabilidade por tudo o que ocorresse.
Pronunciadas essas palavras insólitas, o mesmo senador Langham não se contém: “Senhor presidente, isso é ditatorial! Os EUA são uma democracia! Não estamos prontos para abrir mão do governo de nossos pais!”
O presidente então vocifera de volta: “Vocês já abriram mão. Vocês viraram as costas. Taparam seus ouvidos aos apelos do povo. Vocês têm sido traidores dos conceitos de democracia sobre os quais esse governo foi fundado.”

O presidente então continua, em tom mais brando: “Eu acredito em democracia, assim como Washington, Jefferson e Lincoln acreditaram na democracia. E se o que eu planejo fazer em nome do povo me torna um ditador, então é uma ditadura baseada na definição de Jefferson da democracia: um governo para o bem maior do maior número possível de pessoas!”

Embora os demais tenham aplaudido vibrantemente o discurso do presidente, o bravo senador Langham não desistiu, embora já mostrasse algum desânimo: “Esse Congresso se recusa a entrar em recesso.”
Mas o presidente não se intimidou e mostrou suas armas: “Acho, senhores, que estão esquecendo que ainda sou o presidente dos EUA. E como Comandante em Chefe do Exército e da Marinha, é dentro dos meus direitos como presidente que declaro o país sob Lei Marcial!”  

Resultado da votação: 390 votos a favor, 16 contra. A Lei de Emergência foi aprovada e a manchete do Washington Herald não deixava dúvida sobre o ocorrido: “O Congresso atende ao pedido do presidente, entra em recesso por votação esmagadora.”

Assim como Hitler, que usava os judeus como inimigos a serem perseguidos, o presidente fictício usava os gangsteres como inimigos a serem perseguidos.

Assim como Hitler, um presidente norte-americano havia obtido poderes ditatoriais absolutos, apelando para o medo e prometendo resolver os problemas da nação de uma maneira que seria impossível sob um governo democrático.

Incrivelmente, o filme estreou apenas 2 meses após o evento na Ópera Kroll. Ou seja, a história estava pronta antes que o evento alemão quase análogo ocorresse. Sem dúvidas, esse fato denotava que a semente do nazismo estava presente em diversos países quando eclodiu na Alemanha.

Felizmente a história não deixou que mentiras sedutoras como essa se espalhassem demais... ao menos naquele tempo.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: “A colaboração: o pacto entre Hollywood e o nazismo”


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